A Influência da Exploração Espacial no Nosso dia-a-dia


A exploração espacial e a aparente perda de impacto sobre a sociedade

Vaivém espacial Americano: Um símbolo do desenvolvimento tecnológico do século XX. Crédito: NASA
O papel do Espaço na vida do dia-a-dia das pessoas é hoje, mais do que nunca, algo de simultaneamente tremendo e tido em pouca conta. O desenvolvimento da tecnologia e ciência que permitiram, no último século, atingir a fronteira do espaço e iniciar a sua exploração, tiveram um impacto sobre todos nos e uma influência na história de tal magnitude que acaba por ter, de uma forma um pouco contraditória, tendência a ser entendido pela opinião pública como apenas mais uma faceta da nossa sociedade. Não deixa de ser interessante, na verdade, que sempre que em determinado artigo de jornal ou programa de televisão se pretenda ilustrar o desenvolvimento tecnológico e científico mais recente se procurem as imagens de pelo menos um satélite, estação espacial, foguetão ou astronauta, enquanto que os orçamentos das agências espaciais são permanentemente ameaçados, não estando a salvo nem os projectos mais passíveis de contribuir para a continuação dessa fantástica aventura que teve o seu auge no século XX.

A perda de importância da exploração espacial no subconsciente das pessoas (embora não - de todo! - no seu dia-a-dia) tem diversas origens. É natural que a repetição de imagens sobre o espaço desde há mais de 40 anos ajude à banalização das viagens espaciais, e da observação do Universo, na perspectiva do cidadão comum, mas isto não é nada que não aconteça com qualquer série televisiva! O Universo sempre foi, é, e será uma fonte de inspiração para o Homem, não só porque coloca questões filosóficas existenciais tremendas - de onde vem o mundo? Porque estamos aqui? Qual é o nosso destino e o do mundo? Será que estamos sozinhos? - como também nos envolve num processo infinito de descoberta, maravilhando-nos continuamente. Na verdade, não é nada difícil encontrar torrentes de imagens na Internet, neste preciso momento, que nos mostrem fenómenos novos, diferentes ou inexplicáveis para os cientistas - basta perder um pouco de tempo nas páginas das agências espaciais mundiais!

A Ciência e uma actividade que produz resultados a longo prazo

Vénus Express: A exploração europeia do planeta Vénus está em risco por falta de financiamento. Crédito: ESA
Mas há outras contribuições para a perda do impacto da exploração espacial na vida das pessoas: uma das mais evidentes é a incapacidade de alinhar objectivos científicos com as necessidades mais prementes do nosso mundo. Muitas vezes, a investigação científica e tecnológica não produz resultados com impacto a curto prazo na vida das pessoas, o que resulta numa certa desconfiança, muito à semelhança de promessas não cumpridas em campanhas eleitorais.

Mas a realidade é complexa para além do que ainda hoje podemos imaginar, embora se gastem milhares de milhões de euros em missões consecutivas para nos estudar. Será que, por exemplo, é assim tão fácil de explicar tudo o que se vai passando com o clima do nosso planeta, mesmo com a quantidade e qualidade de informação de que hoje dispomos? Basta referir que os detalhes sobre o objecto de estudo que nos está mais próximo, o nosso próprio cérebro, estão em grande parte ainda por descobrir. A complexidade de certos mecanismos não se torna evidente só com a existência de dados e a dedicação de pessoas: é preciso tempo!

A verdade é que o processo que leva, finalmente, a aplicação de certos conhecimentos, pode levar gerações. Veja-se o caso do diagnóstico médico: será que, em certa fase da ciência, não teria sido defensável bloquear fundos para a investigação sobre a existência de anti-matéria, sabendo hoje que, em medicina, se utiliza esse mesmo conhecimento para efectuar de forma eficaz a detecção de cancro, doenças cerebrais e das artérias coronárias através de tomografias por emissões de partículas de anti-matéria (no caso, positrões, uma partícula semelhante em massa ao electrão mas com a carga oposta)?

E quantas pessoas sabem que a influencia dos CFCs na destruição da camada de ozono da atmosfera terrestre foi inicialmente identificada a partir de investigações direccionadas especificamente para a atmosfera de Vénus?

A Ciência não exprime o valor moral das coisas

Finalmente, e preciso deixar claro que a Ciência não procede a um julgamento de valor sobre as coisas, apenas procura desvendar as razoes por que as coisas são como são, porque os fenómenos acontecem como acontecem, e qual a sua influencia sobre o Homem. Os maus usos da ciência e da tecnologia, sobretudo ao longo do século XX, são de facto diversos, desde o desenvolvimento de aeronaves com objectivos militares ate a utilização de conhecimentos em física nuclear para a constituição das bombas atómica e de hidrogénio (bomba H), e motivam por vezes uma certa desconfiança das pessoas em relação aos cientistas, o que é natural.

Mas dever-se-á também lembrar que, por exemplo, no caso particular da construção da bomba atómica nos anos 40 do século XX, se tratou claramente de uma corrida contra o tempo – sabia-se que a Alemanha estava, na altura, em vias de a conseguir, e temia-se legitimamente pelas consequências de não a obter em antecipação ao inimigo.

Muitas vezes, o desenvolvimento cientifico-tecnológico tem de facto essa faceta militar, mas como vitima de um enquadramento especifico, como a urgência em obter superioridade sobre um oponente ameaçador. Do ponto de vista de cientistas e engenheiros, a opção torna-se entre o mau e o pior: contribuir para a concepção de armas sabendo que estas serão utilizadas para infligir seres humanos, ou abster-se de o fazer, deixando os seus conterrâneos e entes mais próximos à mercê do inimigo?

Convém não esquecer, por outro lado, que os dois casos apresentados acima nos servem no dia-a-dia como meio insubstituível de transporte e assistência em ocasiões de catástrofes naturais (o primeiro), e como possível fonte de energia inesgotável para o futuro longínquo (o segundo, através da fusão nuclear de elementos como o hidrogénio e hélio noutros mais pesados). O mau uso é proveniente dos mesmos fundamentos que levam a criação de muitos usos benéficos da mesma tecnologia.

Indo directamente a raiz deste aparente imbróglio: tudo não passa mais de uma questão de direccionamento da ciência e tecnologia do que do seu valor moral intrínseco, que é inexistente!

Nos próximos artigos procurarei focar algumas das formas através das quais a conquista do espaço nos proporcionou desenvolvimento económico e humano. Em particular, dividi-las-ei em três áreas principais: a contribuição da exploração espacial como fonte de ensinamentos para o Homem (dividida em duas partes), a contribuição do desenvolvimento tecnológico saído das missões espaciais para o dia-a-dia das pessoas (também dividida em duas partes), e a contribuição da presença do homem no espaço para o nascimento de uma nação global.



Autoria:
Tiago Hormigo
Licenciado em Engenharia Aeroespacial pelo Instituto Superior Técnico
Mestre em Engenharia Aeroespacial pela Universidade Técnica de Delft (Holanda)