Os benefícios da tecnologia espacial podem ser medidos através do efeito directo no bem estar do cidadão comum ou através dos efeitos de melhoramento das tecnologias existentes na Terra para diversos fins. Desde a diminuição da nossa dependência dos combustíveis fósseis, até à tele-operação de estações de tratamento de água e de máquinas para a extracção de minérios, a tecnologia espacial tem permitido melhorar o nosso mundo.
Os programas actuais das agências espaciais têm este ponto em especial consideração, e têm dedicado esforços para o estabelecimento de programas de transferência de tecnologia com o objectivo de reforçar a ligação entre a indústria espacial e as indústrias mais 'terrenas'.

Tratamento e reciclagem de água

A exigência dos sistemas de suporte de vida em missões tripuladas resulta frequentemente em avançados sistemas de tratamento de água para aplicações terrestres.
Uma das questões que mais nos preocupa hoje em dia é a diminuição da quantidade e qualidade da água disponível. O aperfeiçoamento dos processos utilizados para a extracção, filtragem e transporte de água é crucial para garantir um impacto mínimo noutros recursos, para além da qualidade da água que bebemos, que é o objectivo principal.
As agências espaciais debatem-se com problemas semelhantes sempre que enviam seres humanos para o espaço. É necessário armazenar grandes quantidades de água para usos que variam entre a higiene pessoal e a alimentação, e manter a qualidade da água - se possível reciclá-la. Durante voos tripulados, o peso adicional que resulta das necessidades de alimentação dos astronautas agrava substancialmente os requisitos de tais missões, levando ou a uma limitação da duração do vôo ou a abastecimentos mais frequentes, ambos com custos acrescidos. É por isso que foram desenvolvidos sistemas avançados de recolha e filtragem de água para serem utilizados a bordo de naves tripuladas, com potencialidade para tratar várias centenas de litros de águas residuais por hora. O mesmo tipo de sistema está aliás a ser ponderado para utilizações de carácter semelhante, em grandes cruzeiros oceânicos.
A eficácia destes sistemas levou uma das maiores engarrafadoras de água na Europa a interessar-se por eles. A companhia procurava uma tecnologia capaz de a ajudar a ultrapassar alguns problemas ocorridos em poços que utilizava para extrair a água. Em certas fontes, nomeadamente aquelas associadas a termas de água quente, a alta concentração de minerais leva à descoloração da água. Um sistema concebido para a utilização em vôos tripulados encontrou assim uma aplicação terrestre pouco provável à partida, mas que produziu excelentes resultados.
Os sistemas de filtragem de água são aliás objecto de preocupação dada a possibilidade de esta poder transportar pequenos contaminantes orgânicos. Os tratamentos exigidos para garantir uma máxima remoção destes agentes exigem por vezes a optimização da frequência de substituição dos filtros utilizados, o que implica a modelação de todo o processo de tratamento. Para este fim, foi então criada uma ferramenta de simulação por uma empresa britânica, num ambiente de software concebido pela Agência Espacial Europeia (ESA) e utilizado desde há 20 anos em diversas aplicações de engenharia. Este ambiente de simulação, denominado ESL (European Simulation Language), e que é especialmente adequado à modelação de sistemas complexos (este software é também utilizado, por exemplo, na simulação completa de plataformas petrolíferas), é hoje utilizado também para garantir que a água que consumimos está livre de entes indesejáveis!

Telemóveis e a ocupação do espectro electromagnético

Quem se lembra dos primeiros modelos de telemóveis? A tecnologia espacial tem desde sempre uma palavra a dizer na miniaturização de sistemas.
As missões espaciais ensinam-nos a trabalhar à distância e obrigam-nos a pensar em formas que facilitem a vida a astronautas. Aqui na Terra, ainda não há muito tempo os telefones sem fios eram um luxo, enquanto que em missões espaciais tripuladas é comum a utilização de aparelhos sem fios. Com a quantidade e por vezes complexidade de operação dos aparelhos utilizados por astronautas, é necessário imaginar formas de diminuir a dispersão da sua atenção para outros fins. Daí que a primeira Black and Decker sem fios tenha sido desenhada para as missões Apollo!
Muitos dos aparelhos sem fios de hoje em dia (desde walkmans, leitores de CD e computadores portáteis, a headphones, telecomandos, telemóveis e por aí fora) beneficiaram de tecnologia desenvolvida para as missões espaciais, quer no que diz respeito à miniaturização dos seus circuitos, quer na transmissão de informação à distância, quer na tecnologia de armazenamento de energia que utilizam.
O tipo mais difundido destes aparelhos é sem dúvida o telemóvel, que sofreu aperfeiçoamentos extraordinários, passando de um instrumento pesado, pouco prático e de custo incomportável senão para as elites, para um aparelho extremamente leve, pequeno e acessível à esmagadora maioria dos cidadãos em pouco mais de duas décadas. A grande difusão do uso dos telemóveis tem, porém, levado à poluição crescente das cidades com ondas electromagnéticas, cujos efeitos a longo prazo poderão ser altamente nefastos mas que estão ainda hoje, em larga medida, por identificar.
Desde há quase dez anos que a empresa Space Engineering SpA., ligada à industria espacial, tem utilizado o know-how adquirido na análise do ambiente electromagnético a bordo de satélites, utilizada para minimizar as interferências entre o grande número de circuitos e sistemas aí colocado, na análise das condições em ambientes urbanos provocadas pela multiplicação de antenas de retransmissão de sinais de telemóvel. Em 1998, surgiu deste grupo uma nova empresa destinada a aplicar o conhecimento adquirido no suporte a missões espaciais ao mercado emergente das telecomunicações. O objectivo dos estudos desta empresa é duplo: 1) minimizar os espaços cobertos por dois ou mais emissores de rádio, televisão ou telemóvel, ainda assim assegurando uma recepção óptima mesmo nas zonas de maior densidade de edifícios, e 2) evitar os efeitos ambientais negativos resultantes do excesso de radiação electromagnética. A engenharia espacial encontrou assim uma forma de juntar os benefícios da era das telecomunicações, que permitem a comunicação a nível global como nunca antes na História, com a limitação dos danos por ela induzidos na sociedade de hoje.

Produção de energia

Os painéis solares são a principal fonte de energia colocada na Estação Espacial Internacional.
Uma das questões que desde o início da era espacial mais preocupou os engenheiros foi como produzir energia no vácuo do espaço, onde a única fonte de energia imediatamente evidente é aquela proveniente da nossa estrela-mãe.

A energia solar como fonte de alimentação de naves espaciais é hoje utilizada extensivamente para alimentar a Estação Espacial Internacional, tal como o foi no passado com a estação espacial russa MIR. O desenvolvimento de células fotovoltaicas de eficiência crescente já permite fazer voar aeronaves 24 horas consecutivas, assim como levar sondas espaciais a uma distância muito próxima daquela a que Júpiter órbita o nosso sol (missão Rosetta, ESA), substituindo fontes de energia de origem nuclear.
A investigação em painéis solares feita pelas agências espaciais continua ainda a liderar o desenvolvimento deste tipo de fontes de energia, tal como ficou provado recentemente com a vitória do veículo Nuna/Alpha Centauri no competitivo World Solar Challenge, realizado de dois em dois anos na Austrália, que bateu os recordes de velocidade média e máxima (91km/h e mais de 100km/h respectivamente), distância percorrida num só dia (830km), e foi ainda o primeiro veículo a baixar dos quatro dias para atravessar o continente australiano. As células solares utilizadas neste veículo são, refira-se ainda, em parte do telescópio espacial Hubble, e em parte do tipo das que serão utilizadas na primeira missão europeia à Lua, a Smart-1, a ser lançada em Março do próximo ano.

Para além da contribuição que a potência das fontes de energia tem para a performance do aparelho ao qual são ligadas, existe ainda um esforço substancial para diminuir o peso e o tamanho destas, assim como aumentar a capacidade de armazenamento de energia em missões espaciais. Alguns dos sistemas que poderão constituir no futuro próximo uma alternativa viável para a substituição dos denominados combustíveis fósseis, e eventualmente também da energia proveniente de reacções de fissão nuclear, provêm precisamente dessa iniciativa, forçada pela predominância de custos elevados e capacidade limitada dos lançadores de satélites disponíveis.

Um dos sistemas mais promissores para a substituição de pilhas e baterias num futuro a médio prazo é a pilha de combustível. Tendo sido inventada no longínquo ano de 1837, a tecnologia apenas foi considerada na prática durante a concepção das missões Gemini e Apollo do programa espacial norte-americano, dadas as suas vantagens face à energia nuclear. Após anos de experiência em missões espaciais, as empresas ligadas à indústria espacial têm procurado nos últimos anos aplicar a sua experiência em pilhas de combustível em aplicações mais evidentes na sociedade actual, dada a contribuição que certos métodos de produção de energia têm para os níveis de poluição hoje existentes na nossa atmosfera.
Uma das maiores contribuições poderá vir a ser a substituição dos motores de explosão dos nossos automóveis por motores unicamente baseados em pilhas de combustível. Recentemente, a empresa europeia Dornier, especialista na construção de pilhas de combustível para aplicações espaciais, foi adquirida pela DaimlerChrysler, um dos maiores grupos de empresas ligadas à indústria automóvel. A tecnologia ficou disponível para aplicações automóveis e a partir daí os avanços sucederam-se. Neste momento, e em vez do hidrogénio utilizado em missões espaciais, os protótipos concebidos utilizam metanol, por razões de segurança. Com investimentos anunciados da ordem do milhar de milhão de Euros, espera-se que a produção em massa deste tipo de sistemas de produção de energia esteja brevemente em andamento.

Um OVNI?? Talvez: a transmissão de energia através de lasers poderá revolucionar o futuro da exploração espacial.
No futuro, espera-se que novas fontes de energia possam surgir mais uma vez com base em tecnologia espacial. Enquanto uns olham para o potencial aproveitamento do campo magnético terrestre como fonte de energia para a propulsão de veículos espaciais, outras empresas começam hoje a sugerir a hipótese de alimentar certas zonas do globo onde a produção de energia é insuficiente através de gigantescos painéis solares, ligados ao solo através de potentes lasers colocados em órbita em torno da Terra.

A tecnologia de transmissão de energia por lasers tem vindo a ser desenvolvida com o objectivo de reduzir a potência dispendida nas telecomunicações entre satélites e o solo, ao mesmo tempo que aumentando de forma radical a velocidade de transmissão de dados. O satélite Artemis, da ESA, demonstrou recentemente esta tecnologia ligando-se ao satélite Spot-4 e retransmitindo os dados, via ligação laser, a uma estação de solo situada na Bélgica, enquanto que na missão Smart-1, a partir de 2003, serão feitas algumas experiências para testar a dispersão de um sinal laser devida ao atravessamento da atmosfera terrestre. Para missões inter-planetárias, ou para a instalação de bases para além da órbita terrestre, este é considerado o meio de transmissão de dados de alta velocidade por excelência. Poder-se-á assim imaginar que, durante os próximos anos, esta tecnologia venha a ser testada com sucesso também em aplicações que envolvam potências muito superiores, quer como meio de transmissão de energia a nível industrial, quer para propulsionar veículos aeroespaciais (tal como demonstrado recentemente em testes realizados no complexo de White Sands da Força Aérea Norte-americana - http://www-aero.meche.rpi.edu/Curriculum/TAVD/multimedia/vid01.html ), ou mesmo com objectivos militares!

Engenharia civil

Também na área da Engenharia Civil se podem obter vantagens da indústria espacial. A obrigação de reduzir o tamanho e o peso dos materiais para a construção de satélites levou a que novos materiais mais resistentes fossem desenvolvidos, e deixando que efeitos como a flexibilidade e a vibração se tornassem um motivo de preocupação acrescida na concepção das novas estruturas. O problema essencial é que muitos dos satélites actuais focam a sua atenção em objectos localizados a grande distância, agravando os efeitos produzidos por fenómenos como a vibração e a flexibilidade, fenómenos esses que podem ser inclusivamente excitados precisamente pelos actuadores que têm como função minimizá-los.

Sistemas activos de controlo de ruído (linha a azul) representam grandes benefícios na precisão de certos instrumentos na indústria espacial, mas também para outras actividades como por exemplo a construção civil
Algumas empresas têm-se especializado ao longo dos últimos anos na área de redução activa de ruído, que consiste no posicionamento de sensores que detectam a vibração indesejada, informando um sistema de controlo que comanda actuadores electromecânicos para cancelar a vibração detectada. Esta tecnologia, que é utilizada hoje em dia para atingir as precisões extraordinárias, da ordem de 0.000 000 001 m (!), requeridas em aplicações espaciais para o posicionamento de sensores, é também utilizada noutras aplicações como a redução de vibrações nos cabos de pontes suspensas, que são extremamente sensíveis quer ao vento quer ao próprio tráfego de veículos.
Por outro lado, uma tecnologia semelhante (que no entanto, não envolve elementos activos para a redução de ruído) tem sido também considerada para cancelar as vibrações provocadas por um lançador durante o transporte de um satélite para o espaço, que podem causar sérios danos em satélites ainda antes destes serem postos em órbita. Recentemente, a empresa francesa Artec Aerospace, que trabalha nesta área, assinou um contrato de colaboração com uma empresa produtora de aparelhos para a produção de cimento com o objectivo de reduzir o ruído e, por consequência, os efeitos nefastos provocados pelo ruído intenso emitido por estes aparelhos, que pode inclusivamente causar problemas permanentes no aparelho auditivo.

Aqui, como noutras áreas, verifica-se que as aplicações espaciais obrigam ao aperfeiçoamento, até ao limite, de tecnologias com aplicações na Terra, suportando assim muita da investigação feita para outras aplicações que beneficiam as pessoas de diversas formas, possivelmente consideradas mais concretas pelo cidadão comum. A área da engenharia civil, em que a segurança e as condições de trabalho são elementos essenciais, não escapa assim aos chamados 'spin-offs' resultantes da tecnologia espacial!


Controlo e automação

O programa da ESA para a exploração do sistema solar (Aurora) implica um forte investimento na investigação em robótica, com diversas aplicações previsíveis para o nosso dia-a-dia
A importância que é dada à automação de sistemas em aparelhos espaciais não é em vão. A presença de humanos no espaço aumenta radicalmente os custos de qualquer missão, e precisamente por essa razão as máquinas que são produzidas para os substituir tem cada vez mais capacidade, flexibilidade e robustez. Em missões para o espaço profundo, o objectivo hoje em dia é mesmo automatizar tanto quanto possível os processos a bordo, incluindo (embora parcialmente) a tomada de decisões em situações de emergência, a definição do melhor caminho a tomar para atingir um ponto pré-definido (no caso dos rovers planetários em terreno acidentado), ou a automação do processo de localização de uma sonda no espaço (ainda hoje feita a partir do solo, mesmo no caso das sondas enviadas para outros planetas).
Por outro lado, as limitações de peso e os custos elevados da realização de uma missão planetária põem pressão adicional na miniaturização de sistemas, face aos satélites enviados para a órbita terrestre. Desta forma, os esforços para a exploração da Lua, Marte e asteróides, em particular, poderão estimular fortemente o desenvolvimento de robots de pequeníssimo porte (chamados nano-robots), ao mesmo tempo que poderão acelerar o surgimento de novas aplicações em áreas como a medicina, indústria petroquímica, assistência a equipas de salvamento em caso de catástrofes ou mesmo noutras aplicações ligadas à segurança.
Outro dos grandes objectivos é o estabelecimento de estratégias, baseadas na inteligência artificial, de cooperação entre máquinas, e também entre máquinas e humanos, de forma a optimizar a velocidade de execução de determinadas tarefas, como sejam tarefas de manuseamento, transporte e montagem de estruturas, movimentação em terreno acidentado, e localização de zonas de interesse científico. Embora já hoje objecto de investigação, o conhecimento sobre este tipo de estratégias com aplicações 'terrestres' poderá dar um salto apreciável, nomeadamente no preenchimento de posições com poucas condições de trabalho, nas quais se tem verificado existir uma queda substancial, nos últimos anos, na contratação de pessoal, quer na Europa quer nos Estados Unidos.

Os programas espaciais actuais das agências americana e europeia visam ambas o estabelecimento progressivo de bases na Lua e posteriormente em Marte, como ficou patente recentemente no congresso World Space Congress, entre 10 e 19 de Outubro deste ano em Houston (EUA), uma das maiores reuniões de especialistas jamais realizado. Quer a Agência Espacial Europeia (ESA) quer a agência espacial norte-americana NASA tiveram então, inclusivamente, diversas oportunidades para demonstrar o seu interesse em acelerar estes planos logo após a conclusão da Estação Espacial Internacional, de forma a obter vantagens tecnológicas aplicáveis quer ao mercado espacial, onde se trava uma guerra sem quartel desde há alguns anos a esta parte, quer a uma série de outras áreas de aplicação 'cá em baixo', como sejam a micro-electrónica, a robótica e as nano-tecnologias, que constituem mercados de potencial extraordinário para as próximas décadas.


Na próxima semana, focar-se-ão finalmente os efeitos no surgimento de uma nação global, que não reconhece fronteiras à aplicação de leis e princípios, e que, apesar de frequentes excessos, defende abertamente a igualdade de privilégios entre os habitantes de todos os territórios da Terra, tal como é observável a partir do espaço.