O tamanho do Mundo é, sem dúvida, uma medida que varia de acordo com a vastidão e a diversidade dos locais conhecidos por cada um. Mas a ideia que todos temos sobre a posição do planeta em que vivemos dentro de um Universo maior, essa é comum: a Terra está no centro do Universo. Ou, mais verdadeiro ainda, Eu estou no centro do Universo. Muitas vezes ao longo da história esse argumento foi tomado literalmente, quando nada mais é que a verdade do espírito do indivíduo.
A perspectiva do indivíduo depende sempre do ponto de observação. Existe uma tendência natural para qualificarmos as pessoas como fazendo parte dos grupos 'nós' ou 'eles', e os objectos como 'meus', 'nossos' e 'dos outros', o que ao longo da História provocou e ainda provoca um sem número de conflitos. A maior parte ocorre dentro de círculos restritos de pessoas; outros, entre círculos maiores (por exemplo etnias ou religiões diferentes). Mas em determinados momentos ocorrem conflitos entre países e mesmo conjuntos de países: põe-se então a questão sobre se estamos melhor ou pior que noutras épocas.
É irónico que a primeira perspectiva global da Terra tenha sido obtida em pleno confronto entre dois grandes blocos. Mas poucos duvidam que tenha contribuído para uma aproximação entre os dois lados (o que é um pouco redutor, pois que contribuiu sobretudo para a aproximação de toda a humanidade). É que, da mesma maneira que uma perspectiva de horizontes limitados pode originar guerras entre duas facções, o acesso a novas perspectivas mais amplas pode proporcionar um sentimento de identidade comum.
Do espaço as fronteiras entre países não são observáveis. A Terra é uma só. Foi fácil de ignorar, ou mesmo combater a existência deste facto, ao longo de séculos, mas é impossível rejeitá-lo perante uma imagem como a que é apresentada. Durante as viagens tripuladas à Lua, alguns astronautas identificaram o nascer da Terra como o momento mais marcante da sua aventura. E a partir de pontos muito mais afastados do que a Lua, com a Terra a diminuir de tamanho para se tornar apenas outro ponto no espaço infinito, a nossa existência adquire um significado ainda mais peculiar.
Os Descobrimentos, a comunicação a nível global e a Conquista do Espaço
Mas passámos também a ter maior facilidade em dialogar e tomar decisões com impacto a nível global. A conquista do espaço permitiu, através dos satélites de telecomunicações, facilidades na transmissão de informação, levando ao surgimento de canais noticiosos de âmbito global (muito embora a representatividade das notícias emitidas deixe por vezes algo a desejar!). Em pleno processo de amadurecimento desta nova era, o surgimento da Internet, que constitui a maior revolução da História no capítulo da Comunicação, alterou por completo a forma como o mundo se vê a si próprio. Mais importante que o contacto entre duas partes em confronto, a possibilidade de cada um de nós obter informação relativa a ambas as partes de um conflito é uma vitória do nosso tempo, que apenas se tornou inevitável com a conquista do espaço.
Hoje na posse de instrumentos capazes de nos informar sobre as desigualdades existentes, assim como os efeitos da nossa actividade no ambiente à escala global, vastos sectores da sociedade aprenderam a clamar pela justiça sem fronteiras, a fazer chegar a todo o mundo as informações que antes eram passíveis de ser escondidas de acordo com as vontades de elites, a organizarem-se em reuniões com a participação de representantes de uma larga maioria dos cidadãos, e a questionarem, em alto e bom som, as regras impostas e as acções feitas em nome de interesses pouco representativos à escala da humanidade.
Hoje, o diagnóstico das nossas acções é feito a partir de ou transmitido através do espaço, e exige respostas verificáveis a partir do espaço, de onde a perspectiva é global. Mesmo com uma única super-potência, a pluralidade de opiniões é hoje bem superior ao que terá sido ao longo de qualquer fase da história. E muitos dos cidadãos que ontem se identificavam com interesses nacionais, hoje apoiam abertamente soluções que vão contra esses interesses por não se identificarem com os seus efeitos globais.
Um bom exemplo são as conversas recorrentes em grandes conferências, ou em encontros de jovens a nível global, sobre a militarização do espaço, o proteccionismo do mundo ocidental em relação aos seus produtos, o paralelismo entre a educação e a riqueza, ou o unilateralismo de alguns que paralisa as iniciativas de tantos outros. Se tomarmos as pessoas presentes como representando as opiniões das populações dos seus países, chegamos à conclusão que, como princípio, a esmagadora maioria está contra a militarização do espaço, a favor de uma abolição progressiva do proteccionismo dado à comercialização de produtos de um punhado de países, a favor do estabelecimento de uma estratégia global de educação que tenha em conta as diferenças culturais, étnicas e religiosas dos países do mundo, e contra a obediência canina à vontade de quem representa uma percentagem mínima da humanidade (embora a aplicabilidade prática de tais princípios dê azo posteriormente a discussões virtualmente intermináveis!).
Os sinais emanados pela sociedade e analisados por cada um de nós, sendo provenientes de um número de fontes comum, têm hoje muitos elementos semelhantes, o que permite possibilidades de diálogo nunca antes imaginadas, assim como movimentos globais que atravessam todos os traços de diferenciação que possam existir entre cada um e o seu próximo.
É que um sentimento de unidade provém essencialmente de uma partilha de ideais comuns. E as imagens difundidas pelos média para toda a humanidade, através dos meios de telecomunicações existentes, são essencialmente as mesmas, transmitem uma mesma mensagem subliminar, e deixam em aberto o mesmo tipo de soluções.
O Espaço no caminho do futuro
A ISS está hoje suficientemente solidificada para que muitos outros potenciais parceiros vejam a sua participação no projecto como uma motivação para elevar o seu orgulho próprio. A partilha dos objectivos da ISS, por si só, é hoje sem dúvida nobre o suficiente para justificar essa vontade de contribuir para o projecto, e muitos se poderão até questionar hoje sobre porque razão um grande país como a China não participa no projecto, quando há 10 anos atrás se questionavam sobre se seria sequer possível a cooperação internacional em obra tão complexa. Isto é uma vitória não do projecto ISS em si, mas do mundo como um todo.
O espaço é hoje, para além de fonte de disputas internacionais, uma fonte importante de progresso técnico a nível global. Os conhecimentos adquiridos na área aeroespacial não são necessariamente um luxo, podendo-se constituir como uma medida do estado de evolução de uma sociedade, dos conhecimentos e experiência técnica acumulados, e da competitividade da sua economia. E essa é uma outra contribuição impossível de ignorar no mundo de hoje, em que o conhecimento ocupa um lugar de destaque na distribuição das relações entre os países.
É admirável que a exploração do espaço nos seja capaz de inspirar tanto quanto nos ajuda a progredir! E que nos force a olhar uns para os outros, estimule a competição saudável e a cooperação a nível global, para que possamos atingir objectivos maiores.
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