A nossa Estrela está na base da vida na Terra. A sobrevivência dos seres vivos depende, directa ou indirectamente, de processos químicos desencadeados pela luz solar (salvo casos extremos), e mesmo algumas das soluções para os problemas actuais da Terra provirão certamente de um estudo aprofundado do Sol e da forma como as estrelas, no geral, funcionam.

A simulação dos processos existentes no interior das estrelas, e nomeadamente o fenómeno da fusão nuclear de elementos leves, podem ajudar, por exemplo, à resolução dos problemas actuais com a produção de energia a partir de combustíveis fósseis na maior parte dos países desenvolvidos (e a consequente dificuldade em cumprir acordos internacionais como o Protocolo de Quioto). Mas outras duas grandes questões se levantam quando se questiona o papel dessas enormes massas na evolução do mundo em que vivemos, e as suas consequências para o dia-a-dia das pessoas. Uma diz respeito à origem do Universo, à sua estrutura, às regras que o dominam e à evolução enquanto um todo. A outra diz respeito ao aparecimento e manutenção da vida. Ambas têm implicações profundas no edifício da ciência, e, através dela, na tecnologia e, finalmente, nas pessoas.

A Física Fundamental no futuro da tecnologia

O espaço profundo visto pelo telescópio espacial Hubble. Imagem NASA/ESA
Hoje em dia é aceite pela esmagadora maioria dos físicos que o Universo teve origem numa explosão denominada Big Bang. A observação do espaço permitiu determinar que o Universo se expande continuamente em todas as direcções, e que existe uma radiação virtualmente uniforme de fundo, com diferenças de temperatura menores que uma parte em 100 000, que constitui o reflexo dessa explosão após a expansão do Universo.
O destino do Universo ainda é, no entanto, motivo de discussão. Dependendo da densidade de massa e energia no Universo havia, até há pouco tempo, três grandes alternativas: o Universo poder-se-ia expandir para sempre, embora com uma velocidade decrescente de expansão, tender com o passar do tempo para a estagnação, ou voltar a contrair-se (naquilo a que se chama o Big Crunch).
O primeiro problema levanta-se com a questão da massa observável, que é muito inferior à necessária para se estar sequer próximo da linha divisória entre a expansão eterna e o Big Crunch. Para mais, a teoria vigente sobre o Big Bang (a denominada Big Bang Nucleosynthesis, ou BBN) indica que apenas uma pequena percentagem dessa massa poderia ser bariónica, ou seja, constituída pelo mesmo tipo de partículas que formam os átomos.
O segundo problema tem origem em dados provenientes da observação da explosão de estrelas no espaço profundo, que indicam que o Universo está a acelerar a sua expansão. A única forma de explicar este fenómeno seria a inclusão da chamada constante cosmológica (enunciada inicialmente por Einstein e que mais tarde este veio admitir como ‘o maior erro da sua vida’), que não só contrariasse o efeito de atracção gravitacional entre os corpos mas fosse ainda suficiente para assegurar a aceleração da expansão do Universo.
Compreender a origem da massa no Universo e a forma como se associa às partículas da matéria é assim um ponto fulcral da investigação actual em física, aos níveis macroscópico (formação do Universo observável), microscópico (fecho do Modelo Standard da matéria), e filosófico (qual o destino do Universo), uma vez que poderá apontar para a solução das questões deixadas em aberto sobre o que aconteceu nos primeiros momentos do Universo, como se formaram as galáxias, estrelas e planetas e como se dispersaram pelo espaço, qual a natureza da massa não observável no Universo, etc.

Mas estes gastos, alguns deles faraónicos, em investigação fundamental poderão ter, como sempre têm tido ao longo da História, efeitos tremendos na nossa sociedade, porque compreender estes fundamentos equivale, a médio prazo, à possibilidade de os utilizar em nosso benefício. Da mesma forma que uma teoria do electromagnetismo, criada a partir da curiosidade sobre o mundo de um punhado de cientistas no século XIX, está na origem de toda a gama de sistemas eléctricos que alimentam as nossas casas, dos sistemas de telecomunicações que utilizamos, e dos computadores com os quais efectuamos cálculos, elaboramos relatórios e fazemos apresentações; da mesma maneira que os conhecimentos já obtidos sobre as forças gravitacionais nos permitiram enviar sondas para o espaço para nos observarmos ao espelho, protegermo-nos muitas vezes de nós próprios e umas quantas de objectos que vagueiam pelo espaço; da mesma forma que os estudos sobre mundo subatómico através da física quântica nos estão a permitir iniciar uma nova revolução que permitirá aumentar radicalmente a capacidade de processamento dos computadores actuais, com todas as implicações subsequentes , a identificação da origem da massa e a sua integração no edifício da Ciência poderão eventualmente alterar radicalmente a forma como a tecnologia evoluirá, com implicações profundas sobre o Homem e sobretudo sobre a forma como este gere a tecnologia em benefício da comunidade.



As ciências planetárias e comparativas e o seu reflexo na sociedade

Os objectivos essenciais das ciências planetárias são investigar a composição, estrutura interna, geologia, dinâmica da atmosfera e orbital, interacção com o vento solar e evolução dos planetas conhecidos, de forma a nos darem uma perspectiva alargada dos processos que levam à constituição de cada planeta e dos sistemas solares como um todo, e ajudarem a determinar a possibilidade de existência de vida em cada um deles.
A raiz de todos estes estudos é, no entanto e como sempre na ciência, a simples curiosidade, uma fonte de motivação inesgotável para o Homem. Não admira, assim, que uma disputa de contornos tipicamente militares, como a guerra fria travada na segunda metade do séc. XX entre os Estados Unidos e a União Soviética, se tenha convertido no elixir da vida para a exploração do espaço, através de uma competição renhida pelo envio de sondas a caminho de outros planetas com a ajuda decisiva de tecnologia desenvolvida para fins bem menos nobres...

As ciências espaciais ocupam-se essencialmente de outros mundos, mas à medida que os nossos conhecimentos vão aumentando, vão-se estabelecendo paralelismos crescentes entre certos aspectos do que podemos observar noutros planetas e o que acontece no nosso. Afinal, somos resultado da aplicação das mesmas leis físicas, e também das mesmas regras que originam ligações químicas entre elementos; porque haveríamos então de esperar o contrário?

As ciências planetárias suportam-se, tal como outros ramos da ciência, em modelos (associação de princípios físicos e químicos como base para a explicação de fenómenos) para confirmar as hipóteses que são formuladas. Regra geral, a simulação destes modelos e a comparação dos resultados destas simulações com a observação determina a validade destes. Ora a contribuição mais importante das ciências espaciais para o nosso dia-a-dia na Terra consiste em que muitos dos modelos que construímos para explicar determinados fenómenos têm certos factores que carecem de uma calibração cuidada, com base em dados empíricos, e de forma a produzir resultados mais próximos das observações. Dada a universalidade das regras a que todos os fenómenos naturais estão sujeitos, serão estes pequenos factores dominados por fenómenos tipicamente terrestres, ou serão eles válidos de forma mais universal?

Ao aplicarmos os conhecimentos obtidos na elaboração de modelos válidos localmente a outros ambientes, como no caso da circulação geral de atmosferas planetárias, obtemos dados fundamentais. Algumas das descobertas mais importantes do último século sobre os riscos da industrialização e do progresso da tecnologia na atmosfera terrestre, por exemplo, provêm de investigações sobre a constituição das atmosferas de outros planetas. A atmosfera de Vénus, por exemplo, que é constituída em grande parte por dióxido de carbono, impede a devolução de uma grande percentagem do calor recebido do Sol ao espaço sideral, o que provoca um efeito de estufa de tal forma intenso que a temperatura à sua superfície é suficiente para derreter chumbo. É precisamente o mesmo mecanismo que está a originar um aquecimento da atmosfera terrestre.
Por sua vez, o efeito oposto, o de um abaixamento da temperatura causado pela dispersão de partículas na atmosfera (e em particular na alta atmosfera), surgiu de estudos relacionados com a atmosfera de Marte, por ocasião de uma tempestade de pó global observada durante a missão Mariner 9, e foi usado posteriormente para explicar o que aconteceria no caso de uma guerra nuclear generalizada na Terra (o chamado inverno nuclear), ou o que poderá ter acontecido há 65 milhões de anos, quando os dinossauros desapareceram da superfície da Terra. A não existência de uma camada de ozono em Marte, por outro lado, origina, por acção da radiação solar, uma esterilização total da superfície do planeta, o que constitui um sério aviso para as acções dos humanos que possam por em causa esse nosso escudo natural. No caso de Marte, a situação agrava-se ainda pelo facto de não existir um campo magnético global, o que na Terra nos põe a salvo de partículas carregadas altamente energéticas emitidas pelo Sol.

Os resultados dos estudos aplicados a outros planetas podem assim dar-nos indicações sobre como devemos proceder em relação ao nosso, não só atendendo ao presente mas também à evolução temporal do ambiente nos diferentes corpos do sistema solar. Por exemplo, é ainda um mistério se os planetas Marte e Vénus sempre tiveram uma atmosfera como as que hoje exibem, ou se sempre foram desprovidos de um campo magnético global, ou se houve épocas em que cada um destes elementos tiveram um aspecto mais parecido ao da nossa Terra. Neste último caso, é imperativo saber o que terá originado a transição de um ambiente para outro, uma vez que esses ensinamentos são potencialmente cruciais para o nosso próprio futuro.


A procura de vida extraterrestre

As fumarolas submarinas alimentam um autêntico oásis nas profundezas dos oceanos. Sem oxigénio e por vezes a temperaturas acima de 100 ºC. Imagem Woods Hole Oceanographic Institution.
Um dos ramos com maior expansão nos últimos anos é o da astrobiologia, que se ocupa de uma obsessão humana histórica e uma questão até hoje não esclarecida: será que estamos sós?

Após séculos de histórias sobre homenzinhos verdes, as primeiras missões planetárias nos anos 60 deram-nos a ideia que o nosso próprio Sistema Solar seria um espaço desprovido de vida a não ser no paraíso terrestre. A partir dos anos 90, no entanto, houve uma alteração radical na ideia da Terra como um oásis no meio de um espaço estéril. A descoberta dos primeiros planetas fora do sistema solar aliada ao estudo por simulação numérica da evolução, da estabilidade de tais sistemas planetários, e das estrelas em torno das quais giram; a hipótese de em certos meteoritos provenientes de Marte poder haver fósseis de seres vivos, e sobretudo a descoberta de que a vida é muito mais resistente do que se pensava até então levam a uma perspectiva diferente: poderá o espaço estar povoado de vida?
Sabe-se hoje, de facto, que meios extremamente ácidos, como no Rio Tinto, no Sul de Espanha (PH<3), ou altamente básicos (PH>9), como em certos lagos da África Oriental, não são condição suficiente para eliminar a probabilidade de existir vida nestes locais; da mesma forma, temperaturas acima de 100ºC e pressões da ordem das 100 atmosferas em fontes hidrotermais submarinas, ou temperaturas de -25º em soluções altamente salinas (20%) no gelo da Antárctica não impedem a proliferação de espécies de seres vivos com características especialmente desenvolvidas para esse tipo de ambientes; conhecem-se até espécies que povoam o subsolo até profundidades que rondam os 3 km em minas da África do Sul, e outras ainda capazes de sobreviver após longas permanências no vácuo, como aconteceu com amostras de bactérias recolhidas durante a missão Apollo 12, após 3 anos no vácuo absoluto da superfície lunar, sob radiação intensa, e a temperaturas próximas do zero absoluto ( 0 K = -273.15 ºC) sobreviveram dentro das câmaras de vídeo da missão Surveyor 3.

A extinção dos dinossáurios por efeito da libertação de poeiras na atmosfera após a colisão de um cometa com a Terra há 65 milhões de anos.
Com a possibilidade de vida assim aberta em locais tão variados como a lua Europa de Júpiter, a lua Titã de Saturno, o planeta Marte e até mesmo a atmosfera de Vénus (uma possibilidade recentemente admitida através da observação de certos componentes químicos indicadores de vida), ficam as questões: será a vida exclusiva deste Sistema Solar? Haverá apenas uma base para a vida do ponto de vista químico? Se não, como poderemos identificar essas outras formas sem ter a mínima ideia do seu efeito no ambiente onde vivem? Como se processou a evolução da vida ao longo dos tempos? Terá a vida surgido primeiro na Terra ou noutro local? Se foi noutro local, como se processou a fertilização dos vários habitats? Poderão os seres vivos de um habitat, quando presentes noutro, perturbar significativamente esse novo local? Poderá a vida ter, como um todo, uma influência importante sobre o seu meio ambiente?

Não é impossível que a vida tenha surgido fora da Terra ou do próprio Sistema Solar, tendo sobrevivido a viagens extraordinariamente longas e em condições extremas. Dado que o campo de exploração é enorme e os nossos conhecimentos limitados em grande parte a um só planeta, teremos ainda certamente muitos momentos de dúvidas, suposições e descobertas pela frente, algumas das quais poderemos tirar lições para o nosso próprio planeta, e acima de tudo para a nossa sociedade enquanto povoadora deste canto do Universo.

Convém, em todo o caso, não esquecer que cada vez temos mais garantias que o nosso próprio planeta seria sempre viável para pelo menos algumas espécies, mesmo na hipótese de sermos suficiente inconscientes para provocar a extinção da nossa.


Na próxima semana e na seguinte, prosseguirei com alguns exemplos concretos da forte ligação que existe entre o desenvolvimento da tecnologia que utilizamos nos mais diversos campos do nosso dia-a-dia e as tecnologias de ponta vitais para a exploração espacial.