Juntando as peças do puzzle



Cometa Hale-Bopp. As duas caudas são bem visíveis, a cauda de gás (iónica) em tom azulado, e a cauda de poeira, arqueada e alaranjarada. Crédito: Thomas Lowe
No final da década de 1940 o astrónomo americano Fred Whipple chegou à conclusão que os cometas são uma espécie de bolas de neve sujas de poeira. A expressão "dirty snowball" é da autoria do próprio Whipple. O seu raciocínio foi o seguinte: graças às suas órbitas elípticas, estes objectos passam grande parte do tempo congelados longe do Sol, onde as temperaturas se aproximam do zero absoluto, -273 graus centígrados. Quando um cometa se aproxima do centro do sistema solar, o aumento de temperatura, resultante da proximidade do Sol, faz com que a sua superfície gelada passe directamente do estado sólido ao estado gasoso. Uma parte deste gás envolve o núcleo gelado do cometa sob a forma um halo luminoso, chamado "coma", e o restante é literalmente empurrado pela radiação solar formando a cauda do cometa. Por isso é que as caudas dos cometas apontam na direcção oposta à do Sol. A poeira, entretanto libertada do gelo quando este passa a gás, forma uma segunda cauda que quase coincide com a primeira, mas por ser mais "pesada" fica ligeiramente para trás. Mas de onde vêm estes objectos gelados e sujos de poeira?

No ano de 1950 o astrónomo holandês Jan Oort usou dois dados observacionais para propor uma origem para os cometas. À medida que os astrónomos determinavam as órbitas de mais e mais destes objectos tornou-se claro que existiam dois subgrupos distintos: os cometas de "curto período", que voltam ao centro do sistema solar cada 5 a 200 anos (onde se inclui o cometa de Halley, cujo período orbital é aproximadamente 75 anos), e os cometas de "longo período", que demoram mais de 200 anos a voltar. Este último grupo inclui cometas que só se aproximaram do Sol uma vez desde o aparecimento dos primeiros homens - cometas que só voltam uma vez em cada 10 milhões de anos. Estes cometas têm órbitas extremamente alongadas que os transportam a distâncias de mais de 100000 unidades astronómicas1 do Sol. Oort reparou que:
  1. uma grande quantidade de cometas vinha de distâncias dessa ordem, de mais de 100000 AU
  2. esses cometas chegavam às proximidades do Sol vindos de todas as direcções.
Estas constatações levaram Oort a propor a existência de uma região esférica, envolvendo o disco do sistema solar como uma gigante bola de vidro, de onde os cometas caem para o centro, onde se encontram o Sol e os planetas. Esta região esférica funcionaria assim como fonte dos cometas que nos visitam no centro do sistema solar. Em homenagem ao homem que a idealizou esta "fonte" foi baptizada de "nuvem de Oort". A palavra "nuvem" foi escolhida em alusão a uma nuvem esférica de poeira, em que os cometas são os grãos de pó.


Ilustração da "nuvem de Oort". No centro, a encarnado, estão representadas as órbitas dos planetas.
É estranho, no entanto, que os cometas se tenham formado tão longe do Sol. A nuvem de gás e poeira idealizada por Kant e Laplace, de onde se formou o sistema solar (ver parte 2), seria demasiado ténue a essa distância para permitir a formação de aglomerados. Ciente deste problema, Gerard Kuiper, um astrónomo holandês naturalizado americano, teve outra ideia. Se os cometas são feitos de gelo em princípio formaram-se longe do calor do Sol. Mas não tão longe quanto a nuvem de Oort. Kuiper imaginou o seguinte: talvez os cometas tenham "nascido" perto do limite do nosso sistema planetário, na região além-Neptuno, e com o passar do tempo alguns deles foram sendo "lançados" para a nuvem de Oort pelos planetas gigantes gasosos2. Se de facto a região trans-Neptuniana é o berço dos cometas, pensou Kuiper, então ainda lá deverão residir vários, fazendo companhia a Plutão na sua órbita em torno do Sol. Estes candidatos a cometas estarão congelados, aguardando a sua vez de se aproximarem do calor do Sol, ou de serem lançados em direcção à nuvem de Oort. Os astrónomos apontaram os seus telescópios para o céu em busca dos tais potenciais cometas, mas não tiveram sucesso. De tal distância do Sol, cerca de 40 AU, só Plutão dava sinais de existência.

É importante referir outros dois homens que especularam na mesma direcção de Kuiper. Em 1930, logo após a descoberta de Plutão por Clyde Tombaugh, o americano Frederick C. Leonard publicou um artigo intitulado "The New Planet Pluto". Leonard escreveu que não existiam razões para excluir a hipótese de Plutão ser apenas o maior elemento de uma família de objectos --- ultra-Neptunianos, como ele lhes chamou --- que estariam também em órbita em torno do Sol, aguardando o momento de serem observados. Quase 20 anos depois, em 1949, o engenheiro irlandês Kenneth E. Edgeworth, já reformado e dedicado ao estudo da astronomia, publicou no famoso "Monthly Notices of the Royal Astronomical Society" um artigo intitulado "The origin and evolution of the Solar System". Nesse artigo Edgeworth colocou a hipótese da existência de pequenos aglomerados de matéria na gelada região além Neptuno. Segundo Edgeworth, estes "restos" da formação dos planetas poderiam eventualmente tornar-se cometas caso caíssem para o centro do sistema solar.

Mas as tentativas falhadas de observar os hipotéticos pequenos corpos gelados fizeram com que a hipótese de Kuiper, e outros, fosse perdendo força, e quase caísse no esquecimento. Quase...


1Uma unidade astronónomica é a distância entre a Terra e o Sol, e designa-se por UA ou AU.
2De um modo semelhante ao usado pelos atletas olímpicos quando lançam uma bola de metal presa na ponta de um cabo, rodando sobre si próprios e largando o cabo.