Kometes



O cometa Hale-Bopp e uma aurora boreal.
Outra importante família de objectos do sistema solar é a dos cometas. Por causa da sua aparência fantasmagórica estes astros sempre suscitaram admiração, e até medo. Como geralmente acontece com fenómenos naturais para os quais não existe explicação científica, os cometas foram considerados temíveis mensageiros dos deuses e prenúncio de catástrofes.

Foi o influente filósofo grego Aristóteles que cerca do ano 340 a.C. tentou, pela primeira vez, explicar os cometas como algo de físico. A filosofia aristotélica distinguia a região entre a Terra e a Lua, onde tudo é efémero, corruptível, e composto dos quatro elementos --- terra, água, fogo e ar, --- da região do firmamento, situada para lá da Lua, onde tudo é perfeito, eterno e incorruptível. Dado o seu comportamento errático os cometas não poderiam fazer parte do firmamento. Por esta razão Aristóteles considerava-os como fenómenos atmosféricos --- nuvens luminosas de gás. Ele baptizou-os de "kometes" ("cabeludos", do Grego antigo).

Séculos mais tarde, na época do Renascimento, os cientistas compreenderam que para perceber como funciona a Natureza é necessário observá-la. Leonardo da Vinci e Galileu são exemplos desta nova atitude. O pioneiro em observações astronómicas metódicas e rigorosas foi o dinamarquês Tycho Brahe. Em 1577 Brahe recorreu a observações de um cometa feitas de diversos locais na Europa para mostrar que este não podia ser uma nuvem na atmosfera: o cometa aparecia na mesma posição no céu, em relação às estrelas, de onde quer que as observações fossem feitas. Se fosse uma nuvem e a nuvem estivesse por exemplo sobre Paris, quando vista de Lisboa esta apareceria a nordeste, mas vista de Amesterdão apareceria a sul. A este efeito --- a aparente mudança de posição de um objecto em relação à paisagem de fundo (neste caso as estrelas) quando observado de locais diferentes --- chama-se paralaxe. Brahe concluiu que o cometa teria que estar longe da Terra, mais longe do que a própria Lua.


Edmond Halley (1656 -- 1742)
No século XVII o físico e matemático inglês Isaac Newton desenvolveu uma teoria que viria a ser fundamental para o estudo do sistema solar e do Cosmos. Newton percebeu que todos os objectos se atraem mutuamente, com uma força que é proporcional à sua massa e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles. No nosso planeta essa força dá significado às direcções "para cima" e "para baixo". A teoria de Newton, chamada Lei da Gravitação Universal, explica porque é que as coisas caem para a Terra, porque é que há marés, porque é que a Lua anda à volta da Terra, porque é que a Terra anda à volta do Sol, etc. Cerca de 20 anos depois de Newton publicar a sua teoria, Edmund Halley usou-a para calcular as órbitas dos cometas. Estas órbitas são elipses. Uma elipse é uma espécie de circunferência com dois centros, chamados "focos". Quanto mais afastados são os focos mais alongada é a elipse. Nas órbitas de cometas e planetas1, o Sol ocupa um dos focos. Os cálculos de Halley levaram-no a propor que um determinado cometa que tinha aparecido em 1456, 1531 e 1607, deveria reaparecer em 1758. De facto o cometa apareceu no Natal desse ano, e ficou desde então conhecido como o cometa de Halley. A previsão de Edmund Halley serviu também para validar experimentalmente a teoria da gravitação de Newton. A última aparição do cometa de Halley foi em 1986.

Mas os cientistas continuavam sem saber de onde vinham ou do que eram feitos os cometas. No final do século XVIII, o filósofo alemão Immanuel Kant e o matemático francês Pierre Laplace colocaram a hipótese de que todos os corpos do sistema solar provinham de uma enorme nuvem de gás e poeira. Essa nuvem, rodando no espaço, ter-se-ia contraído sobre si própria por acção da força da gravidade e formado o Sol no centro. As regiões exteriores formariam aglomerados que, devido à rotação da nuvem, ficariam em órbita em torno do Sol, dando origem aos planetas. Esta ideia, formulada há 250 anos, veio a ser reforçada por inúmeras observações e é hoje a explicação aceite para a formação do nosso (e outros) sistema planetário. Neste cenário faz sentido pensar que os cometas se formaram da mesma maneira que os planetas, a partir dos tais aglomerados. Mas então porque é que não são como os planetas? Mais pistas para entender estes mistérios foram descobertas por volta de 1950 por Fred Whipple nos Estados Unidos, e Jan Hendrik Oort na Holanda. Falaremos deles na próxima semana.


1 No caso dos planetas os focos estão tão próximos que a órbita é quase uma circunferência.