Os trânsitos de Vénus do século XIX


Trânsito de 1874


Os participantes nas expedições americanas reuniram-se no Observatório Naval dos Estados Unidos na Primavera de 1874 para ensaiarem todos os procedimentos. Sentado, à esquerda, está Simon Newcomb. De pé, com um chapéu claro, junto à escada, encontra-se Asaph Hall, que descobriria os dois satélites de Marte com o telescópio que se vê ao fundo. Crédito: Observatório Naval dos Estados Unidos
Após 1769, Vénus só voltou a passar em frente ao Sol em 9 de Dezembro de 1874. Entretanto, muitos desenvolvimentos ocorreram na astronomia. Começava-se agora a estudar também a composição química dos astros e os seus aspectos físicos. A nova disciplina da astrofísica dava os primeiros passos depois de o físico alemão Gustav Kirchhoff (1824–1887) e de o seu compatriota químico Robert Bunsen (1811–1899) terem descoberto que a radiação, decomposta no seu espectro multicolor, revelava informações preciosas sobre a matéria que a emitia ou absorvia. Em 1859, Kirchhoff explicou como a composição química do Sol poderia ser determinada pelo seu espectro: através da identificação de riscas que são características de cada elemento químico.

A fotografia também entrou em cena e parecia uma técnica prometedora, que permitiria, em grande medida, eliminar a variabilidade e subjectividade associadas a cada observador. Por volta de 1874, quando chegou o par de trânsitos do século XIX, já se suspeitava haver melhores métodos para a determinação da unidade astronómica (distância média da Terra ao Sol). Mas continuava a aposta nos trânsitos de Vénus.

Várias nações organizaram expedições ao Extremo Oriente e à região ocidental do Pacífico, onde o trânsito foi visível na totalidade. Como as condições meteorológicas podiam impedir o sucesso da recolha de dados, foram constituídas diversas equipas, numa espécie de redundância, que se distribuíram por estações mais a sul ou mais a norte no globo. A Rússia organizou nada menos que 26 expedições; os Britânicos 12; os Estados Unidos oito; a França e a Alemanha seis; a Itália três e a Holanda uma. «Todo o país com uma reputação de zelo científico a ganhar ou a manter quis cooperar na grande empresa cosmopolita do trânsito», como escreveu a historiadora da astronomia do século XIX Agnes Clerke.

Trânsito de 1882


Telescópio Troughton, equipado com uma objectiva de 11,5 cm (4,5 polegadas) de diâmetro, utilizado nas observações do trânsito de Vénus de 6 de Dezembro de 1882. Estava instalado no Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra — onde hoje se mantém, no núcleo museológico. Cortesia do Prof. Artur S. Alves
O número de países e de observadores envolvidos na observação do trânsito de 1882 foi igualmente significativo. A título de exemplo, nos Estados Unidos foram organizadas cerca de 15 expedições, dez dentro das suas fronteiras e as restantes cinco em diversos locais seleccionados na América Central e do Sul, Nova Zelândia e África do Sul. Os Franceses organizaram cerca de 17 expedições, 13 fora da Europa, nomeadamente nos EUA, e na América Central e do Sul. Os Ingleses organizaram mais de 30 expedições, distribuídas pela Nova Zelândia, pelas Antilhas, pela Austrália, pelos EUA, pela África do Sul, pelo Canadá, por diversas ilhas no oceano Índico, e pela América do Sul. Houve expedições organizadas por outros países, como a Alemanha, a Argentina, a Bélgica, o Brasil, a Dinamarca, a Irlanda e a Itália. O papel dos observadores do Novo Mundo nos trânsitos de 1874 e 1882 foi comparável aos esforços de franceses e ingleses do século anterior. Embora estes dois países tenham também organizado um grande número de expedições em 1874 e 1882, os trabalhos mais relevantes nestes trânsitos foram realizados pelos observadores norte-americanos.

Em Portugal este trânsito de Vénus, o último registado até aos nossos dias, foi observado e documentado no Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra e no Observatório da Tapada da Ajuda, em Lisboa.