Observar o trânsito de Vénus de 2004


Circunstâncias para Portugal em 2004

Na terça-feira, dia 8 de Junho de 2004, Vénus passa em frente ao Sol e Portugal fica na região de visibilidade do fenómeno. Desta vez não há grandes expedições, nem governos preocupados em provar a sua superioridade tecnológica e científica. Os telescópios que se voltam para o encontro dos dois astros já não brilham do latão polido. Desde 1882 houve muitas mudanças. A humanidade passou por duas guerras mundiais e pelo espectro, ainda não dissipado, da autodestruição. Agora o encontro aparente de Vénus com o Sol será testemunhado por sondas espaciais e por grupos de estudantes e professores enredados em projectos educativos, como o que foi concebido pelo Observatório Europeu do Sul — ESO.


Mapa-mundo de visibilidade do trânsito de Vénus de 8 de Junho de 2004. Adaptado de Fred Espenak, Centro de Voo Espacial Goddard, NASA
Como se pode observar pelo mapa da figura aqui ao lado, elaborado por Fred Espenak do Centro de Voo Espacial Goddard, da NASA, para o trânsito de Vénus de 2004, a região que abarca quase toda a Europa e a África, o Médio Oriente e grande parte da Ásia verá todo o fenómeno (isto é, os quatro contactos).

A Austrália, a Indonésia, as Filipinas, a Coreia, o Japão, o extremo oriental da China e o Sudeste Asiático verão o trânsito ainda em curso ao pôr do Sol (ou seja, apenas o primeiro e o segundo contactos serão observados). Para quem estiver na África ocidental, na parte mais oriental da América do Norte, nas Caraíbas e em quase toda a América do Sul, o trânsito já decorre ao nascer do Sol (o que permite assistir apenas aos terceiro e quarto contactos). Finalmente, o trânsito não será visível para observadores situados no Sul do Chile, na Argentina, no Oeste da América do Norte, no Havai e na Nova Zelândia.


Quatro contactos visíveis num trânsito de Vénus (ou de Mercúrio). Na entrada, ou ingresso, de Vénus no disco solar dão-se o primeiro (I) e segundo (II) contactos. Na saída, ou egresso, são observados o terceiro (III) e o quarto (IV)
Portugal continental encontra-se numa posição particularmente interessante. O extremo nordeste do território do Continente é a melhor localização para os observadores que pretendam observar todo o fenómeno. Por exemplo, em Bragança o astro-rei já se encontra 4° acima do horizonte quando se dá o primeiro contacto. Estes valores da altura do Sol decrescem para sul e no extremo sudoeste o primeiro contacto não é visível, uma vez que acontece exactamente ao nascer do Sol. O segundo contacto, cujo maior interesse reside no facto de proporcionar a visibilidade do efeito gota negra - observa-se uma "ponte" a ligar os discos de Vénus e do Sol, tal como acontece com uma gota antes de se soltar do bordo de um copo -, também se dá com o Sol ainda relativamente baixo no céu. Tal já não sucede na oportunidade seguinte de observar esse estranho fenómeno: o terceiro contacto, que se regista com o Sol já bem alto no céu.

Como observar

Observar o trânsito de Vénus é, essencialmente, observar o Sol. Todas as precauções que se devem seguir na observação de eclipses ou manchas solares se aplicam neste caso. O Sol não deve, em circunstância alguma, ser observado sem a devida proteção. Desrespeitar esta regra pode trazer graves consequências: lesões oculares irreversíveis ou mesmo a cegueira. Se é perigoso observar o Sol a olho nu, sem qualquer protecção, o perigo é ainda maior quando essa observação é realizada através de um binóculo, luneta ou telescópio — uma vez que a luz é concentrada nestes dispositivos.


Uma forma simples de observar eclipses solares ou trânsitos de Vénus é através da imagem projectada do Sol. Aqui fixou-se um par de binóculos a um tripé e projectou-se a imagem numa folha de papel. Mas, atenção, é necessário focar a imagem do disco solar
No entanto, é perfeitamente seguro observar os trânsitos de Vénus através de uma das técnicas que descrevemos a seguir. Os óculos que são equipados com filtros solares permitem ver Vénus sobre o Sol sem ajuda óptica, ou seja, sem qualquer ampliação. Contêm apenas um filme que impede a passagem da radiação ultravioleta e infravermelha e de 99,999% da luz visível.

A técnica mais segura e, historicamente, a primeira a ser utilizada é a técnica da projecção. Consiste em projectar num ecrã a imagem do Sol proveniente de um instrumento óptico. É um excelente método para a observação colectiva. Os raios da luz solar atravessam a objectiva — a lente ou espelho do telescópio mais próximo do objecto observado — e passam por fim pela ocular — o conjunto de pequenas lentes onde habitualmente encostamos o olho. O telescópio funciona como se de um projector de diapositivos se tratasse, com a vantagem de não ser necessária, de facto, nenhuma transparência. Basta apontar o instrumento para o Sol, focar e deixar que a imagem se mostre numa parede branca ou numa folha de papel colada a cartão rígido.

A observação telescópica obriga, evidentemente, à protecção com um filtro solar bem preso à entrada do tubo e não junto à ocular. Os suportes mais seguros nos filtros de fabrico industrial são os polímeros ou o vidro e o polímero aluminizados. Estes filtros devem ser adquiridos nas casas da especialidade ou junto dos importadores ou representantes de material astronómico.