Cenários Futuros para Portugal


Antes de analisarmos quais os cenários que se projectam para o clima futuro em Portugal será interessante tentar perceber um pouco melhor o que são, e como são originados, estes cenários climáticos.

Ao contrário das previsões meteorológicas [1], que nos permitem produzir uma estimativa do estado futuro da atmosfera (i.e. previsão do estado do tempo) a curto prazo – normalmente até um máximo de 10 dias de antecedência, mas com uma diminuição significativa da qualidade após o 5º dia – os cenários climáticos procuram descrever as características médias do clima a longo prazo (da ordem das dezenas a centenas de anos).


Figura 1 – Imagem de satélite (canal infravermelho) sobre a Península Ibérica às 10h do dia 11.04.2007. Fonte: www.meteo.pt
O clima e o tempo atmosférico são duas formas complementares de descrever o mesmo sistema – o ambiente atmosférico – utilizando essencialmente as mesmas variáveis (e.g. pressão, temperatura, humidade, precipitação), mas referindo-se a diferentes escalas de tempo [2]. Desta forma podemos considerar o clima como o conjunto das características médias da atmosfera, ou mais rigorosamente como a descrição estatística em termos da média e variabilidade das características meteorológicas ao longo de um período de tempo que poderá ir da ordem dos meses até milhares ou milhões de anos [3]. Por norma, utiliza-se um período de 30 anos, como definido pela Organização Meteorológica Mundial (WMO) [4], para caracterizar o clima.

A tradicional perspectiva da Climatologia, à medida que se desenvolvia paralelamente à Meteorologia, era a de utilizar métodos estatísticos para descrever o clima. No entanto, recentemente (i.e. últimas décadas) tem vindo a tornar-se cada vez mais claro que o clima não é necessariamente estável, aumentando assim a necessidade não só de o descrever, como também de o compreender e de prever a sua evolução.

É a partir desta necessidade que se desenvolvem os modelos climáticos [5] actualmente utilizados para tentar descrever as condições futuras do clima, quer a nível global, quer regional e mesmo local. Estes modelos são formulações matemáticas das condições e processos físicos, químicos e biológicos que determinam o clima terrestre e procuram, através de uma descrição o mais completa possível dos fenómenos atmosféricos e oceânicos, representar os climas observados (i.e. dados registados) e avaliar o potencial de mudança climática que se poderá vir a observar.

Estes modelos são, à semelhança dos sistemas climáticos terrestres que representam, influenciados por fenómenos de circulação atmosférica à escala planetária, regional e local, em escalas temporais que variam desde a hora à década [6]. A influência dos fenómenos planetários determina a circulação geral da atmosfera – dai os modelos a esta escala serem designados por General Circulation Models (GCM) – que por sua vez influência os climas regionais. A esta escala regional outras características da superfície terrestres (e.g. orografia, campos de neve) e dos oceanos (e.g. gelo e correntes oceânicas) são por sua vez influências importantes nas condições atmosféricas.

Por esta razão torna-se necessário desenvolver métodos de regionalização dos resultados obtidos através dos GCM, o que é normalmente feito através da utilização de modelos regionais (Regional Climate Models – RCM) ou de procedimentos estatísticos que relacionam as variáveis climáticas de larga escala com as de escala mais reduzida.

No entanto, todos estes modelos apenas representam as condições atmosféricas (e oceânicas) que determinam o clima. De forma a conseguir representar correctamente a influência, por exemplo, dos gases com efeito de estuda (GEE) ou de fenómenos radiativos naturais (e.g. variações na actividade solar) sobre essas mesmas condições atmosféricas é necessário introduzir nos modelos esse tipo de informação.


Figura 2 – Representação esquemática das quatro “famílias” de cenários SRES, respectivas variáveis e eixos de tendências (global vs. regional e económico vs. Ambiental).
Assim, de forma a simular as emissões e futuras concentrações de GEE, foram desenvolvidos os chamados cenários de emissões, sendo que actualmente os mais utilizados em estudos deste género são os cenários SRES (Special Report on Emissions Scenarios) [7]. Estes cenários socio-económicos são imagens de possíveis futuros e pretendem representar, de forma coerente, a evolução no tempo das tendências demográficas, económicas, tecnológicas e de utilização energética. Desta forma, e uma vez que as incertezas associadas a estas tendências são muito grandes, estes cenários pretendem apresentar uma gama de futuros alternativos, no que diz respeito às emissões de GEE e à sua relação com o desenvolvimento socio-económico global.

É a partir das simulações efectuadas com os modelos climáticos, forçados com os dados dos diferentes cenários de emissões, que chegamos aos cenários climáticos futuros que servem de base à discussão a que assistimos actualmente em torno da problemática da Alterações Climáticas [8].

E Portugal? O que tem sido feito em termos de cenários climáticos futuros para o nosso pais? E o que nós dizem esses cenários?

Os dados aqui apresentados são referentes ao projecto SIAM II (Alterações Climáticas em Portugal: Cenários, Impactos e Medidas de Adaptação) [9] desenvolvido pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) em colaboração com dezenas de investigadores de diversas instituições portuguesas.

Os resultados deste projecto foram apresentados em Janeiro de 2006 e constituem a mais recente avaliação integrada dos potenciais impactos das Alterações Climáticas sobre variados sectores socio-económicos (i.e. recursos hídricos, zonas costeiras, agricultura, florestas e biodiversidade, saúde humana, energia e pescas) no nosso país. Constitui igualmente uma fonte de informação sobre cenários climáticos futuros para Portugal, bem como de potenciais medidas de adaptação às Alterações Climáticas.

Os modelos globais projectam aumentos substanciais de temperatura e alterações significativas da precipitação na região portuguesa, até ao final do século XXI. Os cenários climáticos obtidos com modelos regionais (neste caso os dados são referentes ao modelo HadRM3 do Hadley Center UK [10] para os cenários de emissões SRES A2 e B2) para Portugal continental indicam igualmente claras alterações nos padrões climáticos do final do século (i.e. 2070-2099), relativamente ao período de controlo (i.e. 1961-1990).

Cenários de temperatura


Figura 3 – Média da temperatura mínima no Inverno (DJF): (a) observações 1961-1990; (b) controlo 1961-1990 HadRM3; (c) cenário A2 HadRM3 2070-2099; (d) cenário B2 HadRM3 2070-2099
Os cenários de temperatura obtidos projectam para o final do século aumentos significativos em praticamente todos os parâmetros climáticos regionais. Assim, qualquer dos cenários projecta um aumento da temperatura mínima e máxima em todas as estações do ano e em qualquer ponto de Portugal Continental, sendo que os aumentos mais elevados ocorrem de forma consistente no Verão e no interior Norte e Centro.

Estes aumentos irão muito provavelmente alterar as características climáticas associadas à temperatura provocando, por exemplo, um aumento dos dias de Verão (Tmax > 25 ºC) e de dias muito quentes (Tmax > 35 ºC) ou ainda uma diminuição dos dias com geada (Tmin < 0 ºC).

Cenários de precipitação

Em relação aos cenários de precipitação os cenários apontam para que, em termos anuais, ocorra uma diminuição da precipitação no final do século XXI, mais significativa no cenário A2, que poderá ser superior a 30 % no Sul do país (e.g. a região do Algarve pode perder até 40 % da precipitação anual) e que deverá variar entre os 10 % e os 30 % no Norte e Centro. Já no cenário B2 esta diminuição é mais uniforme, com as perdas em termos de precipitação a variarem entre os 10 % e os 30 %, sendo que as maiores perdas se projectam também para o Sul do país.


Figura 4 – Média da temperatura máxima no Verão (JJA): (a) observações 1961-1990; (b) controlo 1961-1990 HadRM3; (c) cenário A2 HadRM3 2070-2099; (d) cenário B2 HadRM3 2070-2099
Em relação aos cenários sazonais, as incertezas são um pouco maiores, sendo que se projecta uma maior concentração da precipitação em períodos de tempo mais curtos, nomeadamente durante a época de Inverno.

A determinação dos campos climáticos de temperatura e de precipitação em ilhas montanhosas, como é o caso da Madeira e dos Açores, apresenta dificuldades mesmo quando se trata de utilizar dados observados. A grande variação destas variáveis com a altitude, características das encostas e da sua posição em relação aos ventos dominantes, não é facilmente reproduzível mesmo por sofisticados sistemas de informação geográfica.

No entanto, alguns modelos de representação atmosférica do clima insular [11] têm sido desenvolvidos e foram utilizados neste estudo como ferramenta na criação de cenários climáticos para as ilhas da Madeira e do Arquipélago dos Açores. Os cenários SRES (i.e. A2 e B2) referidos para Portugal continental, foram igualmente utilizados para estas regiões.

Os cenários de mudança climática nas ilhas apresentam como resultados principais um aquecimento mais moderado que em Portugal continental – da ordem dos 1 a 2 ºC de temperatura máxima de Verão, nos Açores, e 2 a 3 ºC na Madeira. Relativamente à precipitação estima-se uma importante redução dos valores anuais para a Madeira (i.e. até cerca de 30%), enquanto que nos Açores se prevêem alterações no ciclo anual de precipitação, sem grande impacto nos valores anuais.



Figura 5 – Anomalia (relativamente a 1961-1990) da precipitação no modelo HadRM3: (a) anual A2 2070-2099; (b) anual B2 2070-2099


Referências

[1] http://www.meteo.pt/pt/numerica/

[2] Miranda, P. (2001) Meteorologia e Ambiente. Universidade Aberta, Lisboa.

[3] http://www.grida.no/climate/ipcc_tar/wg1/518.htm

[4] http://www.wmo.ch/

[5] http://www.grida.no/climate/ipcc_tar/wg1/313.htm

[6] http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/nature/6320515.stm

[7] http://www.grida.no/climate/ipcc/emission/index.htm

[8] http://www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1290788&idCanal=101

[9] http://www.siam.fc.ul.pt/

[10] http://www.metoffice.gov.uk/research/hadleycentre/index.html

[11] http://www.climaat.angra.uac.pt/cielo/