Impactos das Alterações Climáticas em Portugal


Depois de na semana passada termos descrito os potenciais cenários de alterações climáticas em Portugal, até ao final do século, vamos tentar agora perceber de que forma estas alterações se poderão traduzir em impactos ao nível dos diferentes sectores socio-económicos nacionais.

Para tal, vamos utilizar como ponto de partida os resultados obtidos, para Portugal continental, pelo projecto SIAM II (Climate Change in Portugal: Scenarios, Impacts and Adaptation Measures) [1], que foram apresentados no início do ano passado (i.e. Janeiro 2006).


Vamos igualmente tentar analisar este tipo de impactos, mas para o contexto de sistemas regionais insulares, neste caso utilizando os resultados do projecto CLIMAAT II (Impactos e Medidas de Adaptação às Alterações Climáticas no Arquipélago da Madeira) para a Região Autónoma da Madeira (RAM) [2]. Os resultados deste projecto foram conhecidos em Setembro de 2006.

Ambos os projectos apresentaram como filosofia, uma avaliação integrada dos potenciais impactos das alterações climáticas projectadas pelos cenários desenvolvidos. Esta avaliação multidisciplinar procurou, através da modelação dos potenciais efeitos de alterações no clima sobre os diferentes sectores socio-económicos, identificar características de risco e vulnerabilidade em cada um deles, considerando não só a escala regional mas também a escala nacional (i.e. Portugal Continental e RAM).

Desta forma, e para o território continental, foram analisados os potenciais impactos das alterações climáticas sobre os seguintes sectores: Recursos Hídricos; Zonas Costeiras; Pescas; Agricultura; Florestas e Biodiversidade; Energia; e Saúde Humana.

Em relação à RAM os sectores socio-económicos analisados foram: Recursos Hídricos; Florestas; Agricultura; Biodiversidade; Energia; Saúde Humana; e Turismo.

As seguintes tabelas resumem os principais (potenciais) impactos das alterações climáticas sobre os diferentes sectores, avaliados de forma integrada (i.e. os impactos que as modificações sobre um sector provoquem sobre os restantes são igualmente considerados).

Nas tabelas 1 e 2 são descritos os principais impactos que os cenários descrevem para Portugal continental. Os resultados apresentados dizem respeito aos intervalos de impactos associados ao conjunto dos quatros cenários SRES que discutimos na semana anterior.

Tabela 1 – Potenciais impactos das alterações climáticas (Portugal continental) sobre os sectores: recursos hídricos; zonas costeiras; pescas; e agricultura.
Região Sector
Recursos Hídricos Zonas Costeiras Pescas Agricultura
Continente
- Tendência para a redução da disponibilidade de água (principalmente em aquíferos superficiais) devido a redução da recarga e aumento da evapotranspiração;
- Tendência para aumento da assimetria regional de disponibilidade de água (redução mais acentuada da recarga e escoamento no Centro e Sul);
- Possível aumento da assimetria sazonal de recarga e escoamento (concentração da precipitação no Inverno e redução nas restantes estações);
- Potencial rebaixamento de níveis freáticos;
- Provável redução dos caudais de descarga dos aquíferos para os rios;
- Tendência para agravamento da intrusão salina em aquíferos costeiros,
- Possível redução dos caudais dos rios.

- Possível ocorrência de sobrelevação do nível do mar entre 0,6 a 1 m;
- Tendência de agravamento de temporais.

- Alterações significativas sucesso reprodutor dos recursos pesqueiros;
- Potenciais modificações dos padrões de migração de algumas espécies;
- Potenciais alterações na localização e dimensão das zonas de desova e alimentação;
- Possíveis alterações na abundância e distribuição de algumas populações e no seu potencial de regeneração;
- Tendência para modificações na distribuição biogeográfica dos recursos.

- Redução de produtividade nas culturas de trigo, milho e arroz;
- Aumento da produtividade da cultura de pastagens e forragens.
Norte
Centro
LVT
Alentejo

- Possível sobrelevação do nível do mar da ordem de 1 m (litoral NW).
Algarve

- Maior aumento da produtividade (pastagens e forragens) na zona interior (Trás-os-Montes).

- Potencial agravamento do ritmo de erosão costeira em cerca de 15% a 25% (litoral Espinho-Cabo Mondego).

- Maior aumento da produtividade (pastagens e forragens) na zona interior sudeste.

- Possível sobrelevação do nível do mar inferior a 0,6 m;
- Risco acrescido nalgumas zonas da costa para as populações e obras costeiras.

- Significativos impactes negativos na produção de arroz (maior perda de produtividade potencial no interior).

- Perdas importantes na produtividade potencial em trigo, milho e arroz.

- Perdas importantes na produtividade potencial em trigo, milho e arroz.


Tabela 2 – Potenciais impactos das alterações climáticas (Portugal continental) sobre os sectores: florestas/biodiversidade; energia; e saúde humana.
Região Sector
Florestas/Biodiversidade Energia Saúde Humana
Continente Florestas:
- Tendência para a migração de espécies florestais de Sul para Norte e do interior para o litoral;
- Aumento do stress ambiental durante o período seco, devido ao aumento da temperatura e diminuição da precipitação;
- Potencial aumento da produtividade no Inverno, devido ao aumento da temperatura;
- Ocorrência de pragas e doenças mais frequentes, que associadas a incêndios poderão ter um impacto bastante severo na economia florestal.
Biodiversidade:
- Alteração da estrutura e composição da vegetação;
- Albufeiras com intensificação do período de estratificação estival e maior recirculação de nutrientes;
- Maior acessibilidade de nutrientes para os produtores primários, causando maior intensidade e período de crescimento destes, conduzindo a sinais de crescente eutrofização.
Oferta:
- Redução da eficiência termodinâmica de motores/turbinas e da disponibilidades de água p/ arrefecimento de centrais térmicas;
- Riscos p/ estruturas de produção junto à costa (subida NMM) e para sistemas de abastecimento (ventos extremos);
- Aumento das perdas (resistivas) no transporte de energia eléctrica;
- Alteração do potencial de ER, com diferenças regionais.
Procura:
- Redução dos requisitos p/ aquecimento (Inverno) e aumento p/ arrefecimento (Verão);
- Deslocação do pico de consumo eléctrico para o Verão, agravando a pressão sobre o sistema eléctrico.

- Diminuição do número anual de dias com stress térmico pelo frio;
- Aumento do número anual de dias com stress térmico extremo por calor;
- Aumento da ocorrência (frequência e intensidade) de eventos extremos de temperatura elevada (“ondas de calor”);
- Aumento da mortalidade associada a este tipo de eventos;
- Aumento generalizado do risco de transmissão de Leishmaniose.
Norte
- Floresta de produção (eucalipto e pinheiro-bravo) com possível aumento de produtividade (litoral e solos de boa qualidade);
- Potencial beneficio para o sobreiro, devido ao aumento da temperatura.
Litoral:
- Diminuição das espécies mais exigentes em água, com aumento da mortalidade de árvores mais velhas e menos resistentes;
- Possível aumento de biodiversidade no Minho/Douro e zona de montanha. Interior:
- Abandono ou substituição dos eucaliptais por matos, devido à fraca capacidade de regeneração.
(Porto)
Variações (?) de:

- -20% a -6% necessidades para aquecimento de água;
- -57% a -10% área solar térmico (diminuição custos);
- -13% a 309% consumo energia AVAC doméstico;
- 14% a 51% consumo energia AVAC escritório;
- 6% a 7% consumo adicional energia AVAC veículos.
(Porto)
- Diminuição do número de meses com dias de stress térmico forte e extremo pelo frio;
- Malária e FNO: Ligeiro aumento do risco de transmissão.
- Leishmaniose: Aumento do risco de transmissão em Junho e Outubro;
- FEN: Aumento do risco de transmissão, com maior incidência nos meses mais frescos.
Centro
- Floresta de produção (eucalipto e pinheiro-bravo) com possível diminuição de produtividade;
- Potencial beneficio para o sobreiro, nas zonas mais húmidas.
Litoral:
- Diminuição das espécies mais exigentes em água, com aumento da mortalidade de árvores mais velhas e menos resistentes. Interior:
- Abandono ou substituição dos eucaliptais por matos, devido à fraca capacidade de regeneração.
(Setúbal)
Variações (?) de:

- -29% a -7% necessidades para aquecimento de água;
- -64% a -10% área solar térmico (diminuição custos);
- 40% a 657% consumo energia AVAC doméstico;
- 6% a 45% consumo energia AVAC escritório;
- 42% a 89% consumo energia AVAC hotéis 4*
- 8% a 10% consumo adicional energia AVAC veículos.
(Lisboa)
- Aumento do número meses com condições térmicas confortáveis;
- Malária e FNO: Redução do risco de transmissão no Verão e aumento na Primavera e Outono;
- Leishmaniose: Aumento do risco de transmissão em Maio e Outubro;
- FEN: Aumento do risco de transmissão, alargando o período favorável a Maio e Outubro.
Sul
- Aumento da aridez;
- Fortes impactos para o eucalipto e pinheiro. Impactos menos severos para o sobreiro;
- Redução drástica da diversidade biológica no montado, devido ao aumento de aridez.
(Faro)
Variações (?) de:

- -46% a –8% necessidade para aquecimento de água;
- -60% a –14% área solar térmico (diminuição custos);
- 68% a 957% consumo energia AVAC doméstico;
- 15% a 57% consumo energia AVAC Hotéis 4*
- 9% a 11% consumo adicional energia AVAC veículos.
(Faro)
- Aumento significativo do número de meses com dias de stress térmico extremo por calor;
- Diminuição do número de meses com dias de stress por frio;
- Malária e FNO: Redução do risco e transmissão no verão e aumento nos meses mais frios;
- Leishmaniose: Aumento do risco de transmissão em Abril, Maio e Outubro;
- FEN: Aumento do risco de transmissão, com maior incidência nos meses mais frescos.

Legenda: FEN – Febre Escaro-nodular; FNO – Febre do Nilo Ocidental; ER – Energias Renováveis; AVAC – Ar Ventilado Ar Condicionado.

Região Autónoma da Madeira

A RAM é particularmente vulnerável às alterações climáticas, uma vez que depende de recursos naturais sensíveis à mudança climática. No entanto, a magnitude dos impactos identificados, bem como a aplicabilidade das medidas de adaptação propostas, deverá variar significativamente entre os diferentes sectores

Em seguida são apresentados os principais impactos das alterações climáticas que poderão vir a afectar a região, num cenário de aquecimento global até ao final do século.

Recursos Hídricos

Os cenários estudados apresentam uma tendência clara de redução da disponibilidade de água à escala anual na ilha da Madeira. As projecções apontam para uma redução significativa do volume de água disponível anualmente para a recarga e para o escoamento superficial em cerca de 30% até 2050 e entre 40% a 50% até ao final do século.

Agricultura

Os impactos das alterações climáticas sobre as culturas estudadas – banana, vinha e batata – são tendencialmente positivos, pois o aumento da temperatura poderá tornar possível a expansão da área agrícola em altitude, podendo mesmo vir a proporcionar aumentos de produtividade no caso da banana e da batata de Outono-Inverno.

Florestas

Os impactos directos das alterações climáticas na floresta natural e de produção sugerem um aumento da produtividade potencial de ambos os tipos de floresta, que se poderão traduzir numa expansão das áreas favoráveis a este tipo de ocupação e também, embora com maior incerteza, ao aumento das taxas de crescimento (e.g. da produção de madeira).

Biodiversidade

Constata-se que o aumento progressivo da temperatura nos dois períodos analisados e em ambos os cenários deverá provocar um impacte negativo nos habitats de altitude. A tendência será para a redução da sua implantação às zonas mais elevadas, sendo que, segundo o cenário A2, tal facto poderá levar ao seu desaparecimento completo no final do século.

Energia

É do ponto de vista da procura de energia que se encontram os maiores impactos no sector energético. As necessidades anuais de energia para climatização de veículos e edifícios deverão aumentar de forma substancial, uma vez que as reduções da procura para aquecimento deverão ser muito menores do que os aumentos da procura para arrefecimento. No caso de hotéis, por exemplo, este impacto poderá provocar aumentos entre 15% a 30% relativamente à situação de procura energética actual.

Saúde Humana

O actual risco de transmissão da malária em Porto Santo é muito baixo e insignificante na ilha da Madeira. No entanto, as alterações climáticas podem proporcionar condições mais favoráveis para a sobrevivência dos mosquitos e desenvolvimento dos parasitas. O futuro risco de transmissão da dengue e da febre-amarela é muito preocupante. Espera-se também que as alterações climáticas venham a aumentar o risco de transmissão da febre escaro-nodular e da doença de Lyme na ilha da Madeira e ainda aumentar o risco de transmissão de tifo murino em Porto Santo.

Turismo

Os principais impactos negativos das alterações climáticas sobre o Turismo na RAM deverão centrar-se na influência do clima em factores como o conforto térmico dos visitantes, o risco de transmissão de doenças infecciosas e o risco de desastres naturais. Outros impactos como a degradação da qualidade do ar e dos recursos hídricos, ou a perda da beleza natural, não parecem apresentar a mesma vulnerabilidade às alterações climáticas (i.e. em termos de atractividade turística). Estas alterações poderão modificar o perfil de distribuição dos principais mercados emissores para a região. Aumentos no risco de transmissão de doenças infecciosas tropicais poderão ter um efeito extremamente negativo na imagem da região como destino turístico.

Na próxima semana iremos analisar a questão da adaptação aos potenciais impactos sobre os diferentes sectores socio-económicos nacionais. Tentaremos responder a questões como: serão as medidas de adaptação já apresentadas suficientes e/ou eficazes? De que forma (e quando) se deverá começar a considerar a implementação prática das mesmas?

Referências

[1]www.siam.fc.ul.pt

[2]www.climaat.angra.uac.pt/PDFs/JM_24_09_06.pdf