O começo da viagem



Imagem da rocha Adirondack, a primeira ser estudada pelo Spirit . Pode-se ver o braço robótico do rover junto da rocha, antes de começar a furar. O rover usou uma escova de aço situada na ponta da ferramenta abrasiva para limpar um bocadinho da rocha antes de fazer o furo. A seta aponta para essa escova. (NASA/JPL/Cornell)
A viagem do Spirit em terras marcianas começou no dia 15 de Janeiro quando desceu da plataforma de aterragem e se dirigiu ao seu primeiro alvo, uma pequena rocha chamada Adirondack, cujo nome é uma homenagem a umas montanhas no estado de Nova Iorque. Trata-se de uma rocha de origem vulcânica e foi aqui que o rover teve o seu primeiro problema sério. Quando esticou o braço para analisar a rocha ficou paralisado. A paralisia terá sido causada por um excesso de ficheiros na memória da máquina que impediram o robô de comunicar com a Terra durante vários dias seguidos. Para o resolver o problema os técnicos do JPL tiveram que apagar 1700 ficheiros até a memória ficar mais livre. O rover voltou a funcionar e continuou sua missão rumo às colinas conhecidas como Columbia Hills, onde chegou no fim de Julho. Aqui tem permanecido em busca de novas provas que apontem para a existência de água líquida no passado. Mas o mais espantoso nesta viagem é que já tenha percorrido 3,6 quilómetros batendo todos os recordes de distância em Marte.

Entretanto, antes do problema da memória, o rover já tinha feito algumas análises ao solo (que se mostrou invulgarmente consistente) onde detectou vários minerais como a olivina, um mineral ligado a rochas vulcânicas à base de silicato de ferro e de magnésio, formado a temperaturas elevadas e que não aguenta muita erosão. A sua presença significa que pelo menos o solo à superfície não foi alterado quimicamente pela presença de água. Além disso, também sabemos que Adirondack é um basalto e que este é o caso de outras rochas espalhadas pelo terreno. Ou seja, as rochas sedimentares que seria suposto encontrar num sítio destes não estão pelo menos à vista. Ora, mas os basaltos foram trazidos para a cratera de alguma forma. Pode ter sido numa enxurrada de água, mas também podem ter sido ejectados de algum impacto antigo ou mesmo trazidos num rio de lava, embora não existam indícios de tal rio nas fotografias tiradas pelas sondas em órbita do planeta. Portanto, temos aqui um mistério por resolver


As colinas Columbia Hills podem ser vistas nesta imagem do rover. Ainda a alguma distância foram alcançadas pelo Spirit em finais de Julho deste ano. Nota-se também uma grande abundância de rochas, muitas provavelmente de origem vulcânica. (NASA/JPL/Cornell)
O mesmo se passa em relação à presença de água na cratera. O mini-TES do rover detectou traços de carbonatos na superfície (entre 3% a 5%), mas não sabemos ainda se estes carbonatos estão mais concentrados na areia ou na poeira fina transportada pelo vento. É que se for na areia, isto significa que são permanentes, mas se for na poeira, significa que foram transportados pelo vento de outros sítios do planeta. A existência de carbonatos pode ser uma boa prova a favor de água, pois se Marte teve água no passado, esta deve ter reagido com o dióxido de carbono da atmosfera formando carbonatos como a calcite (carbonato de cálcio) e a dolomite (carbonato de cálcio e magnésio). Estes minerais entram na composição dos calcários, mas curiosamente nunca foram encontradas grandes concentrações de calcário em Marte que provassem que o planeta já teve oceanos. Os dados recolhidos até agora pela Mars Global Surveyor mostram apenas a presença de uma pequena percentagem de carbonatos - entre dois a cinco por cento – e que parecem resultar de uma interacção entre o vapor de água da atmosfera e pequenas partículas de poeira. Portanto, é possível que o planeta nunca tenha tido grandes quantidades de água ao contrário do se pensou durante muito tempo. Ou seja, os canais que se observam na superfície não provam que tenha existido água em abundância nem mesmo a famosa cor de ferrugem das rochas marcianas (ver caixa).

Vermelho e sem água
A cor de ferrugem de Marte pode não ser devida à presença de água líquida no passado do planeta como se ouve muitas vezes dizer. Tudo pode ser explicado pelo facto deste planeta ter sido em tempos bombardeado por uma chuva de meteoritos. Albert Yen, cientista da NASA, defende este tipo de teoria, ou seja, de que uma chuva de meteoritos pode ter deixado Marte coberto por uma poeira rica em ferro e magnésio, que lhe deu a característica cor avermelhada. Yen chegou a esta conclusão utilizando dados colhidos em 1997 pela sonda Mars Pathfinder e diz que para conseguir ferrugem não é preciso água. Basta que o ferro fique exposto a radiação ultravioleta, numa atmosfera rica em gases semelhantes aos que existem actualmente no planeta e a uma temperatura inferior a 60 graus Celsius negativos. Sendo assim conclui o cientista, Marte pode afinal nunca ter sido muito rico em água.



A rocha “Pote de Ouro”. O nome deriva do facto de se observarem "pepitas" na rocha. O aspecto incomum desta rocha levou o Spirit a investigá-la, tendo descoberto hematite. (NASA/JPL/Cornell)
Quando chegou a Columbia Hills, o Spirit encontrou logo hematite numa rocha chamada “Pote de Ouro”. A hematite que conhecemos nas rochas terrestres pode formar-se de três maneiras: em água parada; em fluidos quentes (processos hidrotermais); ou através de actividade vulcânica. Não se sabe o que aconteceu nesta rocha, mas uma das hipóteses é que a rocha tenha estado em contacto com água para ter hematite.

Outra rocha interessante encontrada pelo Spirit em Columbia Hills, foi a Clóvis, que apresenta fortes indícios de ter estado em contacto com água líquida. Usando a sua ferramenta abrasiva, o rover analisou o interior da rocha e detectou concentrações elevadas de enxofre, bromo e cloro, quando comparadas com as rochas vulcânicas analisadas noutros sítios da cratera Gusev. Isto pode ser um indício de que Clóvis foi alterada quimicamente por líquidos que fluíram pela rocha depositando estes elementos. O Spirit tem permanecido em Columbia Hills entretido em busca de novos indícios de água, mas no início de Outubro teve uma anomalia no sistema que previne as rodas do rover de virarem em direcções não desejadas quando em movimento. Cada uma das rodas dianteiras e traseiras do rover tem um motor chamado actuador de direcção, que fixa o trajecto das rodas quando estas estão em movimento. Uma anomalia neste sistema tem impedido o rover de movimentar-se à vontade, mas, mesmo assim, tem conseguido cumprir a sua missão.



Imagem da rocha Clóvis, onde foram detectadas concentrações elevadas de enxofre, bromo e cloro, que podem estar relacionadas com água. (NASA/JPL/Cornell)