Buracos na planície


O Opportunity chegou a Marte a 25 de Janeiro e sem querer também caiu dentro de uma pequena cratera com 22 metros de diâmetro situada em Meridiani Planum. Nesta zona plana de Marte existe hematite cinzenta, um óxido de ferro, que surge, geralmente, em ambientes ricos em água, embora nem sempre a presença de água seja necessária para termos hematite. Mas o facto de existir pode ser um sinal de que o planeta já foi rico em água. Tratava-se também de um local liso provavelmente com poucas rochas e, por isso, seguro para a aterragem do rover. Só que por azar durante o pouso este acabou por cair dentro da dita cratera. Mas dado que se tratava de uma cratera pouco profunda (apenas dois metros de profundidade) não foi difícil de transpôr.



Uma imagem da cratera onde caiu o Opportunity. Á direita vê-se um afloramento rochoso que foi o primeiro alvo estudado pelo rover. (NASA/JPL)


O robô passou praticamente dois meses entretido dentro do buraco, onde dedicou toda a sua atenção a um afloramento rochoso que salta à vista nas imagens. Este afloramento foi um golpe de sorte para o rover. Nunca tinha sido visto nada de parecido em Marte. As suas rochas parecem que estiveram no passado em contacto com água. O Opportunity detectou aqui níveis elevados de enxofre provavelmente sob a forma de sais de sulfato. Na Terra, os sais de sulfato formam-se normalmente na água ou, depois da formação, sofrem alterações por longas exposições à água. Além disso, observou também em duas rochas estratos muito finos de material sedimentar que apresentam uma forma de distribuição ondulada. A interpretação para este tipo de forma é que os sedimentos em questão foram depositados por água corrente em camadas onduladas. No nosso planeta, este tipo de estratos vê-se muito em rochas à beira-mar. Sendo assim, parece credível que a planície onde está o rover tenha sido em tempos um mar salgado. Mas o rover não olhou apenas para as rochas do afloramento, também olhou para o chão onde descobriu com o seu microscópio de imagem (MI) pequenos grãos irregulares com 2 a 3 mm de diâmetro que parecem “mirtilos” e que cobrem tanto o chão da cratera como as rochas em volta. Na sua origem podem estar processos de erosão aquosos e há até especulações sobre uma possível origem biológica para este tipo de estruturas.


Esta imagem foi tirada pelo microscópio do rover e mostra os famosos "mirtilos" detectados pelo Opportunity em Marte. (NASA/JPL/Cornell/USGS)
Entretanto, o espectrómetro de infravermelhos do robô (o mini-TES) foi usado para analisar o terreno em redor tendo descoberto hematite em várias partes da cratera, confirmando assim os dados que os cientistas tinham sobre esta zona de Marte. A presença de hematite também já foi deduzida nos famosos “mirtilos”. Mas foi de facto nas rochas do afloramento que o rover alcançou o seu maior sucesso até agora (ver caixa). É que tudo indica que as rochas do afloramento estiveram em contacto com água há 3800 milhões de anos atrás que é também a idade da planície em volta. A ser verdade é uma boa descoberta e permite imaginar um Marte mais quente e menos agreste no passado talvez com condições para o aparecimento de vida, embora seja ainda cedo para dizer isso.



Esta imagem da câmara panorâmica do Opportunity mostra a rocha "El Capitan" situada no afloramento rochoso da cratera da Águia, onde o rover caiu. As duas imagens mostram o mesmo objecto de posições ligeiramente diferentes. O rover descobriu nesta rocha fortes indícios da presença de água no passado (ver caixa). NASA/JPL/Cornell


Água no passado?
Ao longo do mês de Março foram apresentados vários indícios pela NASA que apontam para a existência de água no passado na pequena cratera onde caiu o Opportunity.
  1. O espectrómetro de raios-X do rover detectou uma concentração elevada de enxofre e de bromo numa das rochas do afloramento estudado pelo rover. A rocha McKittrick apresenta de facto concentrações mais elevadas destes elementos em comparação com uma amostra de solo. Os dados recolhidos por este espectrómetro e pelo mini-TES sugerem que o enxofre se encontra sob a forma de sais de sulfato (semelhante a sal de Epson; sulfato de magnésio). Uma rocha próxima desta (Guadalupe) mostrou igualmente concentrações elevadas de enxofre, mas não de bromo. Este tipo de "fraccionamento de elementos" acontece habitualmente quando água extremamente salgada evapora lentamente e deixa para trás várias combinações de sais que vão depois precipitar-se em sequência. Na Terra, pedras que possuem concentrações semelhantes de sais ou se formaram em contacto com água ou, depois da formação, foram expostas ao precioso líquido.
  2. O espectrómetro Mossbauer do Opportunity descobriu jarosite na rocha “El Capitan”, um mineral de sulfato de ferro hidratado que pode ter surgido nesta rocha devido ao facto de ela ter passado muito tempo num lago ácido ou então num ambiente de fontes termais ácidas.
  3. Imagens da câmara panorâmica (PANCAM) e do microscópico de imagem (MI) mostram na textura de “El Capitan” muitos buracos estreitos e esguios. Estes buracos aparecem na Terra quando minerais de sal cristalizam na matriz das rochas ficando lá a sua marca quando estes são dissolvidos ou erodidos.
  4. O MI revelou em “El Capitan” pequenas esferas semelhantes a “mirtilos” que parecem se ter formado nas rochas por acumulação de minerais provenientes de uma solução originária de uma rocha porosa e húmida. O tamanho do grão da matriz da rocha à volta destes “mirtilos” é ligeiramente diferente do que no resto da rocha, o que parece indicar uma reacção produzida por um fluido entre a matriz envolvente e as próprias esferas. Estes “mirtilos” estão espalhadas praticamente por todas as rochas do afloramento e possuem hematite na sua composição.
  5. Em duas rochas do afloramento foram encontrados estratos de origem sedimentar que estão distribuídos nas rochas de forma ondulada. A interpretação para este tipo de ondulação é que os sedimentos foram depositados por fluxos de água corrente que criaram o tal efeito ondulado. Na Terra, encontramos padrões semelhantes em rochas à beira dos oceanos que sofrem a acção da água do mar.



Esta imagem mostra o tamanho aproximado do Opportunity junto à cratera Endurance. O rover acabou por descer as encostas da cratera em busca de pistas sobre o passado desta região. (NASA/JPL/Cornell)
Entretanto, o rover deixou o primeiro buraco e saiu para a planície desoladora, a caminho de uma nova cratera situada a pouco mais de 700 metros da primeira. Chamada Endurance tem 130 metros de diâmetro e 20 metros de profundidade. Foi aqui que chegou em Maio deste ano. A cratera revelou-se muito interessante em termos de afloramentos rochosos, o que levou os responsáveis da missão a fazer descer o rover ao fundo desta depressão. Foi uma decisão arriscada, pois o rover podia nunca mais sair da cratera. A inclinação das encostas não era muito acentuada, mas fazer descer o robô comportava sempre alguns riscos. Mas calmamente, em Junho, começou a sua nova aventura.

Uma das primeiras coisas em que reparou foi que a cratera apresentava vários estratos de rochas diferentes, que dão acesso a períodos diferentes da história do planeta. Foi possível identificar claramente cinco estratos com diferentes tipos de rocha. Uma análise preliminar indica que alguns desses estratos são feitos de jarosite, o mesmo mineral de sulfato de ferro hidratado, que já tinha sido detectado na rocha “El Capitan” na cratera da Águia e que pode estar associado a actividade hidrotermal.



Esta imagem em cores falsas mostra a rocha "Escher" situada na encosta sudoeste da cratera Endurance. Não se sabe como surgiram as falhas que atravessam a rocha, mas uma possibilidade é que tenham sido provocadas pela acção de água. O rover gastou 14 dias marcianos a investigar esta rocha (principalmente o alvo chamado "Kirchner"), e outras rochas semelhantes com os seus instrumentos científicos. A imagem foi tirada a 24 de Agosto pela câmara panorâmica do robô. (NASA/JPL/Cornell)



Esta imagem em cores reais mostra a rocha "Wopmay" dentro da cratera Endurance. Tal como "Escher" e outras rochas que polvilham o fundo desta cratera, "Wopmay” apresenta fracturas na sua superfície que podem estar relacionadas com processos aquosos ou não. (NASA/JPL/Cornell)
Novos indícios da presença de água foram, entretanto, encontrados numa rocha chamada “Escher" e noutras vizinhas desta perto do fundo da cratera. Estas rochas em forma de prato estão cheias de falhas como se fosse lama rachada. Não se sabe a origem destas falhas, mas suspeita-se que possam ter sido feitas por água, embora não seja o único processo possível neste tipo de formações. Há também indícios de alteração química na superfície de “Escher”, o que também pode estar relacionado com a presença de água. O rover tem continuado as suas análises, mas já está a preparar-se para deixar a cratera em busca de novas aventuras.