Resultados



Fotografia de Fobos, uma das duas luas de Marte, relevando com todo o detalhe a estrutura da superfície. Repare-se na quantidade de crateras desta lua e nas dimensões de uma delas no lado esquerdo da imagem. Crédito: ESA - Equipa do instrumento HRSC.
No dia de Natal de 2003 a sonda Mars Express da Agência Espacial Europeia foi inserida na órbita de Marte. Um ano depois, os resultados técnicos e científicos alcançados foram muito importantes para garantir a autonomia da ESA em termos de missões planetárias e na realização de experiências científicas em outros planetas. Por um lado, e com a ajuda do Jet Propulsion Laboratory, da NASA, foram adquiridos novos conhecimentos no que se refere a navegação e controlo, telecomunicações e gestão de recursos humanos e técnicos. Por outro lado, permitiu aos laboratórios europeus desenvolver tecnologias, instrumentação e métodos de análise de vanguarda.

A missão europeia a Marte era inicialmente constituída por dois módulos complementares: um módulo orbital e outro de superfície (conhecido por Beagle 2). Como é sabido, o módulo de superfície, depois de separado da estrutura orbital no dia 19 de Dezembro de 2003, nunca enviou qualquer tipo de contacto. Ainda hoje está por identificar qual o tipo de falha que ocorreu no Beagle 2, uma vez que o relatório realizado sobre o assunto não foi conclusivo. Porém, a estrutura principal, que ainda hoje se encontra a orbitar Marte, tem obtido dados novos e verdadeiramente fascinantes sobre a ionosfera, atmosfera e superfície do planeta vermelho. Assim, irá aqui ser apresentada uma descrição dos resultados científicos mais importantes obtidos pelo módulo orbital da missão Mars Express.

Até ao momento já foram divulgados resultados sobre quase todos os instrumentos, sendo MARSIS, o instrumento que pretende identificar a existência de água e interfaces no subsolo de Marte, a única excepção. Este instrumento (uma grande antena dipolar com 40 metros) deverá ser activado posteriormente, para evitar qualquer efeito secundário no controlo e atitude de toda a estrutura, o que poderia fazer diminuir a precisão de outros instrumentos, principalmente do espectrómetro PFS. Aparentemente, existe a possibilidade de a própria estrutura ser danificada durante o processo de abertura da antena.


Queda em cascata de poeira no interior de uma cratera. Esta imagem revela as extraordinárias potencialidades da câmara de alta resolução HRSC. Crédito: ESA - Equipa do instrumento HRSC.
Os resultados mais mediáticos foram obtidos pela câmara de alta resolução, não tanto pelo seu interesse científico, mas fundamentalmente pelas imagens de rara beleza enviadas para a Terra. As imagens coloridas, com possibilidade de reconstrução tridimensional, revelaram pormenores únicos da superfície do planeta vermelho. A partir de algumas imagens estereoscópicas é mesmo possível identificar o movimento de poeiras à superfície. Uma das imagens mais conhecidas mostra a queda em cascata de poeiras numa cratera. A informação obtida a partir da câmara HRSC permitirá aos geofísicos, geólogos e investigadores de outras áreas estudar Marte e estabelecer comparações com outros planetas, nomeadamente a Terra. Para além da utilização desta informação na área de planetologia comparativa, as imagens podem fornecer indicações de locais seguros para pousar sondas, sejam elas robotizadas ou tripuladas. Muitas das formações rochosas da superfície do planeta vermelho serão analisadas ao longo dos próximos anos, de modo a identificar processos de erosão e actividade geológica como por exemplo movimento de placas tectónicas e vulcões que ocorreram no passado. Paralelamente, têm sido obtidas imagens magníficas das luas de Marte.


Esta imagem tripla, obtida com o instrumento OMEGA, mostra a presença de gelo próximo do polo sul marciano e em três bandas diferentes. À direita é representada a fotografia no óptico, enquanto que à esquerda e ao centro se observam imagens no infrarvermelho, evidenciando a presença de gelo de água e de dióxido de carbono, respectivamente. Crédito: ESA - Equipa do instrumento OMEGA.
Quase por unanimidade, os cientistas defendem que existiu água em abundância em Marte num passado mais ou menos longínquo, formando oceanos tal como os conhecemos na Terra. Porém, não se sabe o que terá acontecido a tão elevada quantidade de água. As duas opiniões mais plausíveis defendem que a água se escapou para o espaço ao longo do tempo ou está guardada em reservatórios no subsolo. De facto, até há pouco tempo só tinha sido identificada água na atmosfera de Marte e em quantidades muito reduzidas. Nos últimos anos, a sonda americana Mars Odyssey, identificou a presença de hidrogénio no subsolo, tornando a hipótese da existência de água no subsolo mais robusta, embora não sirva de prova. O instrumento OMEGA, que se encontra a bordo da Mars Express, identificou, pela primeira vez, riscas de absorção de água na região polar do hemisfério sul. À medida que o verão avançava no hemisfério sul, o dióxido de carbono gelado (vulgarmente conhecido como gelo seco) sublimava, isto é, passava directamente do estado sólido ao gasoso, e deixava exposta uma camada inferior de gelo de água. Esta foi a demonstração inequívoca da existência de água na superfície das regiões mais próximas do polo sul. Quando o instrumento MARSIS for utilizado talvez se possam tirar novas conclusões sobre a existência de reservatórios de água subterrâneos. O espectrómetro OMEGA está também a efectuar o mapeamento mineralógico da superfície de Marte, e a sua correlação com os resultados in-situ providenciados pelos rovers da NASA permitirão estabelecer a distribuição calibrada de minerais no regolito marciano.

O espectrómetro de Fourier, além de ter obtido a composição da ténue atmosfera de Marte, bem como de ter fornecido pela primeira vez os perfis de pressão e temperatura com grande resolução em todo o planeta, detectou vestígios de metano em diversas regiões equatoriais (Arabia Terra, Elysium Planum e Arcadia-Memnonia). Na Terra, o metano pode estar associado a formas de vida e a sua correlação com o perfil de vapor de água suscitou a hipótese de ter origem em microorganismos. De facto, próximo da superfície nas regiões referidas foram encontradas maiores concentrações de ambos os tipos de moléculas. Porém, estes dados estão longe de ser conclusivos, uma vez que existem mecanismos não biológicos que podem associar o metano ao vapor de água. Estes resultados não clarificaram ainda um assunto muito sedutor - a existência de vida em Marte -, mas a tecnologia e potencialidades do PFS são inquestionáveis.


Primeiro espectro obtido com o espectrómetro de Fourier (PFS), mostrando a distribuição de monóxido de carbono em Marte. Registe-se a clara assimetria entre os hemisférios norte e sul, onde é inverno e verão, respectivamente. Crédito: ESA - Equipa do instrumento PFS.
O espectrómetro SPICAM está a medir com grande precisão as quantidades de vapor de água e ozono na atmosfera de Marte. Este instrumento registou dados muito interessantes de três tipos de gases bem conhecidos na Terra: ozono, vapor de água e dióxido de carbono. Pela primeira vez é possível efectuar simultaneamente este tipo de registos a partir da órbita de Marte, o que permite estudar, entre outros assuntos, a climatologia do planeta. Desde 1969, quando a sonda americana Mariner 9 detectou ozono em Marte, nunca foram efectuadas medições rigorosas da abundância desta molécula. O SPICAM mediu pela primeira vez com rigor o perfil da atmosfera de Marte, utilizando para tal a mesma técnica de ocultação estelar usada na Terra para monitorizar a camada de ozono. Este resultado está já a ser utilizado em modelos aerodinâmicos para melhorar a entrada de naves espaciais e sondas em Marte. Um resultado muito interessante, até porque tem também aplicações para estudos no nosso planeta, é o facto de existir mais vapor de água onde existe menos ozono, pelo menos para latitudes inferiores a 50° no hemisfério norte. De facto, suspeitava-se que as moléculas de água e ozono estariam negativamente correlacionadas, uma vez que os radicais OH ¯ produzidos pela fotodecomposição de H2O são poderosos catalizadores da destruição de O3. Muitos cientistas que estudam o clima da Terra sugerem que este processo pode representar a curto prazo um outro mecanismo para a destruição da camada de ozono, uma vez que o aquecimento global faz com que o vapor de água possa atingir camadas mais elevadas da estratosfera.


Imagem do Candor chasma com uma resolução típica de 10m por pixel. Uma parte significativa da superfície de Marte está já fotografada pela câmara HRSC, principalmente as regiões em que o relevo apresente aspectos geológicos mais importantes. Crédito: ESA - Equipa do instrumento HRSC.
O instrumento ASPERA está a estudar a interacção entre o vento solar e a as diferentes camadas de Marte, começando pela superfície, passando pela atmosfera rarefeita, até à ténue ionosfera. O principal objectivo é responder até que ponto o vento solar pode ser responsável pela remoção de água da superfície marciana. Além disso, está também a determinar a extensão da perturbação induzida pelo planeta no vento solar (identificação e análise da cauda). A medição da concentracão de iões, electrões e partículas neutras de grande energia em altitude está a permitir determinar a taxa actual da remoção de átomos e de moléculas na atmosfera. Como Marte perdeu o seu campo magnético há aproximadamente 4 mil milhões de anos, o escudo para raios cósmicos e vento solar desapareceu, implicando assim o aumento da taxa de remoção de partículas da atmosfera. ASPERA está a fazer o levantamento pormenorizada da taxa de remoção de partículas no presente, de modo a que os cientistas possam inferir, por exemplo, se elevadas quantidades de água podem ter escapado para o espaço ao longo do tempo. Este instrumento forneceu já resultados importantes, entre eles a confirmação da existência de cauda (também conhecida como vento planetário), tendo sido detectados principalmente protões no lado exposto ao Sol e iões de oxigénio na cauda. As camadas fronteira constituídas por plasma foram também detectadas. Está actualmente em curso o mapeamento tridimensional completo de todas estas regiões.

O instrumento MaRS, um sofisticado transmissor e receptor de sinal rádio, emitiu o seu primeiro sinal no dia 21 de Janeiro de 2004, o qual foi recebido na Terra por uma antena gigante (~70m de diâmetro) após ter sido reflectido e difundido na superfície de Marte. Este procedimento está a permitir a detecção da composição química da superfície, atmosfera e ionosfera do planeta vermelho, mas a sua aplicação principal é a identificação de irregularidades no campo gravítico do planeta.