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- Albert Einstein


A Superfície de Titã

2007-03-01

Panorama da superfície de Titã obtido pela sonda Huygens durante a descida. Este mosaico foi produzido a partir da composição de várias imagens obtidas a vários quilómetros de altitude. Créditos: ESA/NASA/LPL-Univ. Arizona.
Este é o primeiro de uma série de artigos dedicados ao estudo da superfície de Titã. Porém, muitos dos assuntos estão relacionados igualmente com a atmosfera e mesmo com a ionosfera desta lua, que muitos cientistas chamam de planeta, e é o corpo celeste mais parecido com a Terra sob vários pontos de vista.

Durante muitos anos, a superfície de Titã foi alvo de inúmeros estudos e das maiores especulações, a maior das quais estava relacionada com a possível existência de um oceano que cobrisse, senão a totalidade, ao menos uma parte significativa da superfície e que fornecia o metano observado na atmosfera. Por exemplo, a sonda Huygens da ESA foi preparada para poder flutuar nesse hipotético mar de hidrocarbonetos, essencialmente à base de metano e etano. Porém, já depois de lançada a sonda Cassini-Huygens, começou a perceber-se que a realidade seria bem diferente e passou-se quase ao extremo oposto, ou seja, à inexistência de qualquer superfície líquida. As passagens iniciais da sonda Cassini, bem como a descida da Huygens, revelaram um cenário intermédio, ou seja, a existência de formações geológicas habitualmente associadas à presença de líquidos, como por exemplo rios, e levantaram novas questões.


Imagem obtida pela sonda Huygens na superfície de Titã no dia 14 de Janeiro de 2005. Os blocos de forma arredondada foram presumivelmente moldados por fluidos ao longo do tempo. Os blocos maiores são constituídos por gelo revestido com uma camada de tolinas da qual ainda hoje não se conhece ao certo a composição exacta. Créditos: ESA/NASA/LPL-Univ. Arizona.
De facto, este cenário acaba por ser o mais aliciante para os cientistas. O interesse seria seguramente menor se toda a superfície estivesse coberta por uma camada líquida. Por outro lado, um mundo completamente seco assemelhar-se-ia mais aos outros planetas rochosos do que à Terra! Assim, foi possível continuar a suscitar o interesse da comunidade científica e do público em geral. A descoberta de lagos de metano (ver a notícia de 19 de Janeiro aqui no Portal do Astrónomo) foi um dos passos mais marcantes. Agora já se sabe onde está a fonte que injecta metano na atmosfera, o que poderá também servir para o melhoramento dos modelos de circulação atmosférica... Muitos cientistas dedicam-se ao estudo da meteorologia da Terra com base num único exemplo, e todos sabemos que é uma temática, simultaneamente, difícil e mediática! Deste modo, passará agora a haver um outro “laboratório natural” para tentar aferir os modelos de circulação atmosférica, ainda que com parâmetros diferenciados, porque, em Titã, as estações do ano são mais longas, o ambiente é mais frio (logo há menos convexão), e – claro – chove metano.

Alguns especialistas acreditam mesmo que o normal é ocorrerem essencialmente chuviscos, embora também existam modelos que apoiam a teoria de períodos de chuvas torrenciais. Normalmente há sempre grandes discordâncias quando não se conhecem todos os parâmetros com grande detalhe. A única certeza é que não estava a chover torrencialmente aquando da descida da Huygens, mas o solo estava húmido. O termo ‘torrencialmente’ foi introduzido de propósito, pois ainda há um enorme debate entre os especialistas sobre se chuviscava ou não. Por outro lado, as imagens reveladas pela Huygens mostram claramente a existência de múltiplas redes de rios aparentemente secos, além de uma possível linha costeira, ao largo da qual a sonda pousou (Figura 1). Finalmente, muitas das rochas de gelo com formas arredondadas e cujas imagens foram captadas pela Huygens são mais uma indicação clara de que a morfologia da superfície (Figura 2) foi sendo moldada por líquidos ao longo do tempo, possivelmente de forma sazonal. Pense-se, por exemplo, nos rios e ribeiros na Terra com caudais significativos no Inverno, mas secos no Verão.

É interessante referir que os lagos em Titã foram detectados nas primeiras passagens da sonda Cassini (e já são aproximadamente uma centena, alguns com um tamanho superior a 50 km), mas a avaliação não foi imediata. De facto, as imagens de radar poderiam ter outra interpretação que não a de lagos! Por exemplo, a existência de regiões claras e escuras nos mapas obtidos por radar poderia dever-se à rugosidade da superfície ou solos de composição diferenciada. Em alguns casos parecem mesmo existir ilhas nesses lagos. O facto de estas regiões estarem normalmente associadas a depressões joga em favor de serem reservatórios de líquidos. Ainda assim, há cientistas cépticos relativamente a esta interpretação.

Uma forma de obter uma prova mais convincente é esperar por próximas passagens da sonda Cassini, observar cuidadosamente as mesmas regiões com os outros instrumentos a bordo e comparar imagens de radar espaçadas no tempo... Se houver variação das regiões escuras então está encontrada mais uma evidência da existência de lagos, o que poderá permitir calcular a taxa de evaporação ou precipitação/infiltração do líquido. E se as zonas escuras interpretadas como lagos fossem um artifício geométrico, por exemplo relacionado com a iluminação? Bem, nesse caso a variação seria diferente na fronteira das referidas manchas.

No caso da missão Cassini ser prolongada poderá mesmo haver a oportunidade de observar o número de lagos a diminuir no hemisfério norte e aumentar no sul. Muitos dos lagos estão agrupados e não se sabe ao certo se tal facto corresponde a questões da morfologia da superfície ou particularidades do sistema metanológico (em analogia com hidrológico) ou metanífero (em analogia com aquífero). Tenha o líquido origem nas chuvas ou fontes subterrâneas, o facto é que este mundo exótico se assemelha cada vez mais ao nosso.

Na próxima edição abordaremos outros temas relacionados com a superfície, como por exemplo dunas, lavas, montanhas, crateras...

Referências úteis:
C. Elachi et al., Cassini radar views the surface of Titan, Science, 308, 970-974 (2005).
G. Mitri et al., Hydrocarbon lakes on Titan, Icarus, 186, 385-394 (2007).
E.R. Stofan et al., The lakes of Titan, Nature, 445, 61-64 (2007).