A par com outras profundas mudanças sociais, políticas e económicas no país, a Revolução dos Cravos trouxe significativas transformações às Universidades e a vida académica nacional. A população universitária cresceu oito vezes, e a qualidade da produção subiu consideravelmente, apesar dos recursos limitados (já que o país gasta apenas 0.8% do seu PNB em investigação e desenvolvimento). O interesse na Relatividade ressurgiu em meados dos anos setenta do século passado, com o físico francês Maurice Bazin a dar aulas de Relatividade Geral na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, com base no manual de que é co-autor [1]. No final da década, estas foram dadas de seguida por António Brotas, do Instituto Superior Técnico [2]. A primeira disciplina de Relatividade a incluir Cosmologia foi leccionada por Paulo Crawford do Nascimento, no primeiro semestre de 1983, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. No Instituto Superior Técnico, a primeira disciplina de Relatividade e Cosmologia surgiu no segundo semestre de 1993, responsabilidade do autor e oferecida aos alunos dos Departamentos de Física e Matemática. Por esta altura, Paulo Gali Macedo iniciou uma actividade semelhante na Universidade do Porto. Desde então, estas três instituições mantém uma oferta regular de cursos de Relatividade e Cosmologia, ao nível pré-graduado e graduado.
Os primeiros trabalhos sobre Cosmologia em Portugal foram escritos há aproximadamente vinte anos. Estes versavam sobre vários aspectos da Cosmologia teórica; por exemplo, Alfredo Barbosa Henriques tratou modelos cosmológicos com dimensões extra [3], Estelita Vaz dedicou-se a espaços de Bianchi [4], tendo Maria Helena Bugalho, Amaro Rica da Silva e José Sousa Ramos estudado de um ponto de vista mais matemático o caos em modelos cosmológicos tipo Bianchi-IX [5]. Três artigos surgiram no ano seguinte: outro da autoria de Alfredo Barbosa Henriques, em colaboração com Gordon Moorhouse [6], um de Paulo Crawford Nascimento em colaboração com Rubem Mondaini, sobre universos anisotrópicos e inflacção [7], e um último por Maria Helena Bugalho, sobre cosmologias com um grupo de isometria não-Abeliano, dotado de dois parâmetros [8]. Neste período, a pesquisa foi levada a cabo no Instituto de Física e Matemática, actualmente o Complexo Multidisciplinar da Universidade de Lisboa — um complexo de investigação multidisciplinar e multi-universitário que reunia investigadores em física atómica e nuclear, matéria condensada, física de partículas e matemática, das três universidades da capital: Universidade de Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa e Universidade Nova de Lisboa. Este Instituto existia desde a década de 1960, fundado por António da Silveira e financiado inicialmente pelo Instituto da Alta Cultura, a agência estatal responsável pelas actividades científicas e culturais, e mais tarde pelo Instituto Nacional de Investigação Científica, a fundação nacional de pesquisa que existiu até 1992.
Entre o final dos anos oitenta e o início da década de 1990, muitos investigadores oriundos do estrangeiro convergiram para o país, com uma vasta gama de interesses onde, naturalmente, se incluía a Cosmologia. O físico matemático Roger Picken estava baseado no Instituto de Física e Matemática desde 1987. Em Outubro de 1989, após um Pós-doutoramento em Heidelberg, o autor destas linhas chegou a Portugal, para prosseguir outra experiência pós-doutoral neste Instituto, no Grupo Teórico de Altas Energias; José Mourão regressou em 1990, depois de completar o seu Doutoramento em Moscovo, bem como Maria Conceição Bento, após um pós-doutoramento em Londres. No início da década de noventa, fomos contratados como professores assistentes pelos Departamentos de Física e Matemática do Instituto Superior Técnico. Juntamente com dois jovens alunos de doutoramento, Paulo Moniz e Paulo Sá, e o aluno de Mestrado Luís Mendes, foi possível organizar um seminário semanal sobre Cosmologia, e criar uma biblioteca de
preprints sobre o tema, originando um ambiente onde várias questões da Cosmologia puderam ser debatidas e estudadas. Estes incluíram, por exemplo, soluções do sistema Einstein-Yang-Mills (clássicas [9], tipo “
wormhole” [10] e no âmbito da cosmologia quântica [11]), modelos cosmológicos de Kantowski-Sachs [12] e tipo Bianchi-IX [13], quebra de simetria num espaço-tempo curvo [14] e cosmologia no âmbito da teoria de cordas [15]. Em 1993, José Pedro Mimoso [16] regressou à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, após terminar o seu Doutoramento em Sussex.
A academia do Porto é outro grande centro de actividade nacional em Cosmologia; os primeiros trabalhos aí originados estudaram os limites para a constante de acoplamento de campos escalares, por Paulo Gali Macedo [17], o efeito Sunyaev-Zeldovich e as suas implicações cosmológicas [18], em 1996 por Domingos Barbosa e co-autores, cordas cósmicas [19], em 1997 por Pedro Avelino e co-autores, e a relação entre a abundância de
clusters de galáxias e parâmetros cosmológicos [20], em 1999 por Pedro Viana e Andrew Liddle. Mais recentemente, Carlos Herdeiro, Miguel Costa e Carlos Martins juntaram-se ao grupo e enriqueceram a lista de tópicos de investigação, que agora inclui universos tipo Gödel [21], cosmologia inspirada em teoria de cordas [22], cordas cósmicas [23], entre outros.
Os restantes grupos, embora menores, não são menos relevantes. O da Universidade do Minho estabeleceu-se no início da década de oitenta do século passado, quando Estelita Vaz regressou do seu Doutoramento no Reino Unido; José Castanheira da Costa acompanhou-a poucos anos depois, tendo singrado para a Universidade da Madeira na década seguinte. O grupo da Universidade do Algarve foi criado no início da década de noventa, por Cenalo Vaz e Robertus Potting [24] (o primeiro transferiu-se definitivamente para os Estados Unidos), com Paulo Sá a juntar-se ao grupo em 1995 [25]. O grupo da Universidade da Beira Interior resultou do esforço de Paulo Moniz, no final do século passado [26], contando com a participação de José Velhinho desde 2000 [27].
Referências:
[1] R. Adler, M. Bazin e M. Schiffer,
Introduction to General Relativity, (MacGraw-Hill Kogakusha, Tokyo 1975).
[2] A. Brotas,
O essencial sobre a teoria da relatividade, (Imprensa Nacional, Lisboa 1988).
[3] A. Barbosa Henriques,
Nucl. Phys. B277 (1986) 621.
[4] E. Vaz,
Gen. Relativity and Gravitation 18 (1986) 1187.
[5] M. H. Bugalho, A. Rica da Silva e J. Sousa Ramos,
Gen. Relativity and Gravitation 18 (1986) 1263.
[6] A. Barbosa Henriques e R. G. Moorhouse,
Phys. Lett. B194 (1987) 1056.
[7] R. P. Mondaini e P. Crawford Nascimento,
Czech. J. Phys.
B37 (1987) 1056.
[8] M. H. Bugalho,
Class. Quantum Gravity 4 (1987) 1043.
[9] P. V. Moniz e J.M. Mourão
, Class. Quantum Gravity 8 (1991) 1815.
[10] O. Bertolami, J. M. Mourão, R. F. Picken e I. P. Volubuev,
Int. J. Mod. Phys.
A6 (1991) 4149.
[11] O. Bertolami e J. M. Mourão
, Class. Quantum Gravity 8 (1991) 1271.
[12] L. Mendes e A. Barbosa Henriques,
Phys. Lett. B254 (1991) 44.
[13] A. Barbosa Henriques, J. M. Mourão e P. Sá,
Phys. Lett. B256 (1991) 359.
[14] P. V. Moniz, P. Crawford e A. Barroso
, Class. Quantum Gravity 7 (1990) L143.
[15] M. C. Bento, O. Bertolami e P. Sá,
Phys. Lett. B262 (1991) 11.
[16] J. P. Mimoso e P. Crawford
, Class. Quantum Gravity 10 (1993) 315.
[17] P. Gali Macedo,
Phys. Lett. A156 (1991) 20.
[18] D. Barbosa, J. G. Bartlett, A. Blanchard e J. Oukbir,
Astron. Astrophys. 314 (1996) 13.
[19] P. Avelino, R. R. Caldwell e C.J. Martins
, Phys. Rev. D56 (1995) 5946.
[20] P. Viana e A. Liddle
, Mon. Not. Roy. Astron. Soc. 303 (1999) 535.
[21] C. Herdeiro,
Nucl. Phys. B665 (2003) 189.
[22] L. Cornalba e M. Costa,
Class. Quantum Gravity 20 (2003) 3969.
[23] P. Avelino e C. J. Martins
, Phys. Rev. D68 (2003) 107301.
[24] A. Krasnitz e R. Potting,
Nucl. Phys. B410 (1993) 649.
[25] P. Sá, A. Kleber e J. P. S. Lemos,
Class. Quantum Gravity 13 (1996) 125.
[26] J. Lidsey e P. V. Moniz,
Class. Quantum Gravity 17 (2000) 4823.
[27] J. Velhinho,
Class. Quantum Gravity 21 (2004) L109.