O Século XX até à Revolução de Abril



Campos Rodrigues
O estudo da Cosmologia é relativamente recente no nosso país, tendo dado os primeiros passos há aproximadamente vinte anos. Naturalmente, foi antecedida pelas primeiras discussões sobre a Relatividade de Einstein por académicos portugueses. Antes de mais, note-se que, mesmo se de um modo passivo, Portugal esteve relacionado com a expedição britânica liderada por Arthur Eddington, responsável pela medição da deflexão da luz no eclipse de 1919. Estas medições foram levadas a cabo na região de Sobral, no nordeste brasileiro, e na área Sundi da ilha do Príncipe, à altura uma colónia. A expedição ao Brasil contou com a participação de alguns astrónomos brasileiros; já a preparação logística da expedição a Príncipe levou à troca de correspondência entre Eddington e Campos Rodrigues e Frederico Oom, respectivamente director e vice-director do Observatório Astronómico da Ajuda [1,2].


Aureliano Mira Fernandes
As primeiras discussões sobre Relatividade em Portugal foram de natureza filosófica, devendo-se a Leonardo Coimbra (1883-1935), da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, na sua dissertação de 1912 sobre o Criacionismo. Desde então, nos anos vinte do século passado, o debate foi conduzido predominantemente por matemáticos, seguido nos anos trinta por um período de argumentação filosófica e várias polémicas sobre a interpretação de assuntos específicos no contexto da Relatividade. As primeiras aulas versando a Relatividade Restrita e Geral surgiram no âmbito do curso de Matemática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, no ano lectivo de 1922-1923, graças a António dos Santos Lucas (1866-1939). Os primeiros trabalhos de investigação em Relatividade, mais especificamente, em geometria diferencial, inspirados na Relatividade Geral e em Teorias de Unificação, devem-se a Aureliano Mira Fernandes (1884-1958), do Instituto Superior Técnico; estes foram publicados de 1928 a 1937 (a um ritmo de pelo menos um artigo por ano) na prestigiosa revista científica italiana Rendiconti da Academia dei Lincei — um empreendimento singular e notável, no cenário da vida académica nacional de então.


Eclipse de 1919
Outro nome importante da época foi Rui Luís Gomes, discípulo de Mira Fernandes que apresentou na mesma revista italiana um artigo sobre a teoria da Relatividade Restrita e criou, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, um seminário sobre física teórica — a primeira tentativa organizada de instalar, de um modo concertado, esta actividade no país. Em 1930, de modo a cumprir os requisitos para os exames de professorado na Universidade de Coimbra, Manuel dos Reis (1900-1992), astrónomo e matemático, escreve a influente monografia O Problema da Gravitação Universal, onde gravidade e Relatividade foram discutidas numa perspectiva histórica [3]. Durante o ano académico de 1930-1931, Mário Silva (1901-1977), que havia obtido o Doutoramento com a Madame Curie e regressou a Coimbra nesse ano, declara a sua intenção de “lançar a discussão dentro da diminuta comunidade científica de Coimbra […] sobre algumas novas doutrinas, como as teorias quântica e relativista”, envolvendo Manuel dos Reis. Este fórum conduziria ao primeiro confronto público entre anti e pró-relativistas no país. A polémica teve lugar no jornal Seara Nova, envolvendo Mário Silva e o Almirante Gago Coutinho, que tinha ouvido as palestras de Einstein no Brasil, em 1925, e assistido às sessões de Paul Langevin em Lisboa, no final de 1929, mas que não conseguia aceitar ou compreender algumas das implicações cinemáticas da Relatividade Restrita. Outros textos pró-relativistas surgiram no jornal cultural O Diabo, por Abel Salazar [3]. Manuais influentes sobre electromagnetismo e relatividade restrita surgiram na segunda metade dos anos quarenta do século passado, pela pena de Mário Silva [4], de Coimbra, e António da Silveira (1904-1985), [5] do Instituto Superior Técnico.

Desde então até aos anos sessenta, a figura central da Relatividade e Cosmologia em Portugal foi António Gião, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e do Instituto Gulbenkian de Ciências. Gião trocou cartas com Einstein, publicou artigos sobre Relatividade e Cosmologia na prestigiada revista norte-americana Physical Review [6, 7] e organizou uma reunião da NATO sobre Cosmologia em 1963: entre os participantes, pontificavam Pascual Jordan, Yves Thiry, Hermann Bondi e outros [8]. A este escasso, mas regular interesse na Relatividade, seguiu-se um período de quietude até à Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974, que restaurou a democracia em Portugal após quase cinquenta anos de ditadura.

Referências:

[1] E. Mota, A. Simões e P. Crawford, “Einstein em Portugal; O Primeiro Teste da Teoria da Relatividade Geral e o seu Impacto na Comunidade Científica Nacional”, em “Einstein entre nós: A recepção de Einstein em Portugal de 1905 a 1955”, Carlos Filhoais (Coord.), (Imprensa da Universidade de Coimbra 2005).

[2] O. Bertolami, “Albert Einstein: o triunfo do intelecto”, em “Einstein entre nós: A recepção de Einstein em Portugal de 1905 a 1955”, Carlos Filhoais (Coord.), (Imprensa da Universidade de Coimbra 2005).

[3] A. J. dos Santos Fitas, “A Teoria da Relatividade em Portugal (1910 - 1940)”, em “Einstein entre nós: A recepção de Einstein em Portugal de 1905 a 1955”, Carlos Filhoais (Coord.), (Imprensa da Universidade de Coimbra 2005).

[4] M. Silva, Teoria do Campo electromagnético (Maxwell - Lorentz - Einstein), (Coimbra 1945).

[5] A. da Silveira, Teoria da Electricidade - Segunda Parte: O Campo Electromagnético, (Bertrand, Lisboa 1948).

[6] A. Gião, Phys. Rev. 76 (1949) 764.

[7] A. Gião, Phys. Rev. 80 (1950) 755.

[8] A. Gião (Ed.), Cosmological Models (Instituto Gulbenkian de Ciências, Lisboa 1964).