A galinha do ovo de Colombo


Espanha 1493


Segundo consta numa das obras do historiador Benzoni (1519-1570), quando voltou da sua viagem de descoberta das Américas, Cristóvão Colombo afirmou, num jantar em casa do cardeal Mendonza, que descobrir um “novo mundo” era fácil e qualquer pessoa o podia ter feito, bastando ter-se lembrado de o fazer. Para exemplificar, pediu às pessoas presentes para colocar um ovo de pé sobre uma das suas pontas. Apesar de inúmeras tentativas, ninguém o conseguiu, e toda gente concordou que se tratava de um problema sem solução. Colombo, por sua vez, pegou num ovo, bateu-o com a ponta contra a mesa, ficando este ligeiramente amolgado, e assim de pé sobre a mesa. Desde então a expressão “ovo de Colombo” representa uma solução extremamente simples para um problema aparentemente muito difícil. O que os anais da História compreensivelmente não contam, são as deambulações das galinhas que, junto com as naves e a numerosa tripulação de Colombo, deram a meia volta ao mundo que tanto modificou o rumo da história e parte da visão do mundo de então. Terminada a tarefa da descoberta, uma das galinhas era uma das poucas sobreviventes do banquete festivo da última noite, antes da chegada das naus a terra firme. Junto com os outros sobreviventes da sua espécie foi vendida a um comerciante e, considerando que já não era uma galinha particularmente jovem, acabou os seus dias como galinha reprodutora no Norte da Espanha.

Itália 1496


O galo, descendente quase directo da dita galinha, lançou um olhar muito desconfiado ao homem que tanto se interessou pelos ovos das suas galinhas. Não sabia ele, que o homem nunca tinha visto ovos com casca de cor castanha. Ainda menos sabia o galo, que ao fim da temporada da visita do homem este ia tirar uma das suas “filhas” e, portanto, ficar com uma galinha a menos. O homem colocou o ovo de volta, pensando que uma dessas galinhas seria talvez proveitosa para o negócio, vendendo ovos de outra cor, em vez dos ovos enfadonhamente brancos como se conhecia na Polónia, sua terra natal. Depois virou-se outra vez para o dono da casa e para a conversa em curso. “Ptolomeu?”, inquiriu Domenico Maria num som agudo, e acrescentou exaltado; “Sabes, Nicolau, Ptolomeu não presta, totalmente antiquado, ultrapassado... esquece Ptolomeu, e deixa as galinhas em paz”. Nicolau Copérnico não esperava tal reacção do seu hospedeiro. Se até agora não sabia, acabava então de saber, que o matemático Nicolau Maria de Novara não gostou nada dos ensinamentos de Ptolomeu. Seguiu-se uma longa explicação de Domenico Maria sobre os prós e contras e outras críticas a Ptolomeu, que Nicolau seguiu atentamente e pensativo.

Ocultações de estrelas pela Lua em 2006 observáveis a olho nu ou com um pequeno binóculo
DesapareceReaparece
DataHoraHoraEstrela
3.Fev21:2622:09Pi Psc
3.Fev21:2922:30SAO 92543
1.Abr20:4521:159 Tau
4.Abr21:4922:5549 Aur
2.Mai22:0322:5747 Gem
19.Jun2:182:44SAO 109119
20.Jul2:393:369 Tau
15.Dez5:196:38SAO 157836
Sentados no alpendre da casa de Domenico Maria na bela cidade de Bolonha, os dois olharam para o cintilar das estrelas e o crescente fino da Lua. A conversa foi gradualmente avançando mas desvaneceu por completo quando os dois viam como a estrela brilhante Aldebaran (em Touro) de repente desapareceu aparentemente por trás do lado escuro do disco lunar. O tempo foi contando e não tardou que a estrela voltasse a ser visível junto do lado iluminado da Lua. Esta observação fez despertar em Nicolau Copérnico o interesse pela Astronomia e a Geografia. E foi esta ocultação a pedra inicial da dúvida de Nicolau sobre a, então actual, teoria do movimento dos astros em torno da terra.

Polónia 1509


Nicolau Copérnico.
Ainda levou alguns anos, mas finalmente Nicolau Copérnico teve uma brilhante ideia. Se a Terra e todos os outros planetas girassem em torno do Sol e não, como era aceite na altura, todos os astros ambulantes em torno da Terra, a enorme confusão associada à explicação das posições dos planetas usando epiciclos deixava de existir. Copérnico não foi o primeiro favorecendo o que chamamos de sistema heliocêntrico (o Sol no centro). 200 anos antes da nossa Era, Aristarco de Samos tinha formulado a mesma ideia, mas pouca sorte teve com esta sua visão, pois outros filósofos helénicos, tais como Ptolomeu ou Aristóteles, conseguiram fazer prevalecer o seu modelo geocêntrico (Terra no centro). Apesar de o sistema destes últimos não corresponder bem ao que era observável, os seus modelos do Sistema Solar foram privilegiados, pois mesmo nesses tempos remotos já era bastante habitual, que, para se fazer valer fosse preciso empregar um esforço especial: a cunha. Ou seja, puxar os cordelinhos junto de gente com influência e, assim, assegurar uma vantagem substancial sobre a concorrência. Aparentemente foram bem sucedidos, pois em todo o mundo antigo até aos tempos medievais ficou aceite o sistema ptolemaico ou um dos seus derivados geocêntricos.

Outros estudiosos comtemporâneos também exprimiram a mesma ideia do heliocentrismo, tais como Nicolau von Klue, ao qual apenas faltava o conhecimento matemático para a aprofundar, e Regiomontanus, o qual teve o azar de morrer antes de acabar a elaboração da sua teoria. Claro está, e bem sabemos isso dos tempos escolares, que o poder da igreja na Europa ocidental era o poder decisivo, ultrapassando mesmo o dos reis. A igreja católica, por comodismo e devido à maior compatibilidade com a fé propagada, assumiu este modelo geocêntrico e defendeu-o, bem como tudo o que mais interessava defender, com ferro e fogo. Literalmente. Porém, a ideia da Terra girar em torno do Sol era tão absurda e impensável, que, com grande sorte para Nicolau, neste caso particular, a ideia não foi levada a sério e assim permitida a circular mais ou menos livremente sem ser considerada heresia.

Alemanha 1575

Quase um século e muitas gerações de galinhas de Bolonha mais tarde, um pinto, descendente em linha directa do dito galo e da galinha forçosamente emigrada, chegou à casa da família Kepler na cidade de Weil (Alemanha). Aí este pinto foi crescendo para se tornar um galo respeitável, tal como os oito filhos da família. Com o tempo o galo demonstrou um afecto particular pelo adolescente mais calmo e pensativo, o qual deu pelo nome de Johannes. Johannes Kepler sabia lá dos gostos e desgostos do galo, mas inspirado pela sua mãe, observou numa noite, com o galo adormecido dum lado e a sua mãe do outro, o grande cometa de 1577 e mais tarde o eclipse da Lua de 1580. Estas observações despertaram o interesse de Johannes pela astronomia.

Década e meia mais tarde, Johannes Kepler começou a trabalhar como professor de astronomia na cidade de Graz. Como era habitual para este tipo de cargo, ele tinha não só de elaborar almanaques com previsões sobre o nascer e ocaso e as posições dos planetas, como também, longas interpretações das implicações das configurações geométricas entre planetas e como estes iam afectar o mundo...ou seja, elaborar horóscopos. Por entre muitas previsões mais ou menos vagas, acertadas ou redondamente erradas, Kepler previu logo no primeiro ano um Inverno extremamente rigoroso e uma invasão das tropas turcas. Ambas as profecias se demonstraram correctas, o que provocou uma grande confusão à mente racional e matemática de Kepler, rendeu-lhe muita admiração e, por acaso não previsto, um aumento considerável do salário.


Página de rosto das Tábuas Rudolfinas.
Santo Império Romano 1600

Mais tarde emigrou para Praga e trabalhou ao serviço de Tycho Brahe. Como é sabido, foram os registos de elevada precisão de observação de Tycho, que permitiram a Johannes deduzir e descobrir posteriormente as suas três famosas leis sobre as órbitas dos planetas. Johannes Kepler tinha finalmente criado as ferramentas razoavelmente fiáveis para calcular as posições dos planetas com muita antecedência e alguma precisão. Primeiro em conjunto com Brahe, depois sozinho, juntou o resultado desses cálculos num almanaque válido para muitas décadas, o qual designou de Tábuas Rudolfinas, em homenagem ao rei Rudolfo...quer dizer, não era bem homenagem, mas sim uma tentativa não muito bem sucedida de obter um subsídio financeiro. Ao que parece, a dificuldade em obter subsídios para trabalhos científicos não se verifica apenas nos tempos de hoje. Este almanaque das Tábuas Rudolfinas foi válido por muito tempo, encontrando aplicação e posteriormente refinação mesmo ainda aquando da descoberta do planeta Úrano.

Inglaterra 1675

Trânsito de Mercúrio à frente do disco solar
Dia 8 de Novembro de 2006

Sensivelmente um quarto da população astronómica na Terra pode presenciar, no início do mês, o trânsito do planeta Mercúrio à frente do disco solar.

O último evento desta categoria ocorreu em 7 de Maio de 2003 tendo sido visível e acompanhado em Portugal. Porém, desta vez não teremos essa sorte. Mercúrio irá mergulhar, junto com o disco solar, no horizonte oeste por volta das 17:23 UT enquanto que o trânsito terá início quase duas horas mais tarde, com o primeiro contacto às 19:12 UT.
Após o primeiro contacto o evento demora quase cinco horas e pode ser acompanhado desde as Américas até à Oceânia, parte da Indonésia e o extremo Leste da Ásia.
O evento central irá decorrer durante o dia 8, mas a fase final com os últimos contactos estende-se até aos primeiros minutos do dia 9.

 DiaHora (UT)
1º contacto 8.1119:12:08
2º contacto 8.1119:14:01
máximo8.1121:41:15
3º contacto 9.1100:08:19
4º contacto 9.1100:10:12

Os trânsitos de Mercúrio são eventos relativamente raros. Depois do evento deste mês, é necessário esperar até ao dia 9 de Março de 2016. A seguir ocorre outro trânsito, 3 anos mais tarde, em 2019 e de seguida em 2032, 2039 e 2049. Todos estes eventos futuros podem ser vistos a partir do solo nacional, por isso, pode-se considerar justo, que o fenómeno de 2006 possa ser acompanhado apenas noutras paragens do globo.
Não existem registos históricos sobre como e quando uns descendentes do galo de Kepler chegaram à costa do Mar do Norte, daí para um navio e por fim à capoeira da família Halley em Londres. Porém, o filho, jovem chamado Edmond, achou muita piada aos ovos castanhos e ainda mais piada ao cometa que se avistava ao anoitecer por cima do galinheiro. Quando um segundo cometa se manifestou poucos anos depois, Edmund Halley ficou definitivamente mordido pelo bichinho da Astronomia. Halley não só ficou famoso pela aplicação de um novo cálculo das órbitas dos cometas, segundo o qual previu o reaparecimento de um grande cometa para o ano de 1759 (já depois da sua morte) o qual ficou conhecido como cometa de Halley. Já desde o ano de 1677 que Halley tinha insistido na sua ideia, por sinal excelente, que o dilema das distâncias efectivas dos planetas entre si podia ser resolvido e calculado através dos raros trânsitos do planeta Vénus à frente do disco solar, se estes fossem observados a partir de localidades muito distantes do globo terrestre.

Porém, segundo os almanaques, os próximos trânsitos de Vénus dar-se-iam apenas em intervalos de um século sendo os próximos em 1761, 1769 e invisíveis em terras europeias. Mesmo assim, foram lançadas expedições para acompanhar estes trânsitos de Vénus e resolver o enigma, mas todas as tentativas apenas deram valores incertos para a distância Terra-Sol. Nos trânsitos mais recentes de 1874 e 1882 foram obtidos valores mais precisos, mas na altura não se sabia, nem se confiava muito nos dados obtidos.

Aliás, a distância efectiva apenas foi determinada com exactidão pelo tempo de viagem de ida e volta de um sinal de radar enviado ao planeta Vénus no ano de 1990, portanto há menos de duas décadas.

Portugal 2006

O que tudo isto tem a ver com almanaques? Tudo.

Já nos tempos de Copérnico havia métodos rudimentares para prever alguns eventos celestes com alguma precisão. Entre estes, as datas de eclipses e de certas ocultações de estrelas pela Lua. Porém, a falta de meios de comunicação de massa limitou a difusão dos dados calculados para os eventos de menor ou maior relevo apenas às pequenas comunidades de gente com gosto científico que costumavam comunicar entre si por correio.

Quando Brahe e Kepler aceitaram a possibilidade de o sistema de Copérnico ser mais real do que o sistema geocêntrico, e, com base nisso, Kepler elaborou as suas Tábuas Rudolfinas, na altura ansiosamente esperadas pela comunidade dos marinheiros, tornou-se possível calcular com precisão aceitável os aspectos e posições dos principais planetas, da Lua e do Sol. Foram estes cálculos e as Tábuas, e algumas refinações posteriores, que permitiram prever e antecipadamente publicar as datas dos trânsitos dos planetas Vénus (acima referidos) e de Mercúrio à frente do Sol. Muitas das fórmulas hoje em dia empregues para elaborar almanaques astronómicos ou dentro do software de planetário, derivam directamente das leis de Kepler (e das de Newton).

E o que tem isso a ver com galinhas? Nada.

É uma mera hipótese nascida da liberdade artística empregue na elaboração deste tema mensal. Não se sabe, nem alguma vez será possível provar, se uma das galinhas que fizeram a viagem juntamente com Colombo, ou uma das suas descendentes, tenha sido uma fonte indirecta de inspiração dos grandes astrónomos que mudaram a nossa forma de encarar os astros ou de trabalhar com os seus elementos orbitais. De facto, seria bastante preocupante, se as galinhas tivessem o dom de incutir grandes inovações no seio da Astronomia.

Porém, certo é, tudo o acima descrito é realidade, desde que se subtraiam as referências aos galináceos. Certo é também, que cada uma das ideias referidas, que tanto tempo levou a humanidade a descobrir, afinal das contas, não passam de ideias extremamente simples, cujas implicações e eventuais cálculos envolventes, estavam perfeitamente ao dispor dos pensadores bem antes da nossa Era.