Discos, cilindros, tábuas e falhas de luz



Assírios, Babilónios, Sumérios e outros povos emergentes da Mesopotâmia encheram milhões de suportes de barro com informações e registos úteis segundo as suas opiniões. Desde tratados, cronologias familiares, eventos terrestres e celestes, batalhas e sucessões dos reis, até instruções como pintar uma casa ou alimentar um burro ao longo de um ano.
Alexandre da Macedónia subiu ao trono para reinar sobre uma Grécia/Macedónia parcialmente unida por e pela força do seu pai entretanto assassinado. Mas Alexandre não achou nenhum gozo nas tarefas de governar, pois a única coisa que realmente lhe interessava era uma ideia fixa que já grassava a sua mente há muitos anos: dar cabo dos Persas!

Por isso incumbiu outros governadores de tomar conta dos assuntos internos do estado, ou seja, criou uma espécie de ministério do interior, enquanto ele se preparava para dedicar todo o seu esforço, por assim dizer, na pasta dos assuntos externos, principalmente virando-se para o lado Este do seu reino.

Porém, nenhum estadista helénico se atrevia a implementar fosse qual fosse a ideia, sem antes consultar o oráculo de Delfos. O seu pai, Filipe II, fê-lo antes das invasões aos estados vizinhos, agora parte da Macedónia de Alexandre, e os augúrios proferidos pelo oráculo eram decisivos para a realização, ou não, das campanhas bélicas pretendidas. Por isso, depois de ter reunido e treinado o seu enorme exército, Alexandre viajou para Delfos para consultar o Oráculo. Azar dos azares, Alexandre visitou o oráculo nos meses de Inverno, e, como qualquer helénico sabia ou deveria saber, o oráculo estava fechado no Inverno. Alexandre não quis esperar e procurou a sacerdotisa nos seus aposentos, arrastou-a até ao templo das profecias e exigiu o parecer dos deuses e do oráculo quanto às suas pretensões. Cheia de frio, dores e uns cabelos a menos, a sacerdotisa disse que não valia a pena consultar o oráculo, visto que a um homem tão determinado, nada o poderia fazer parar. Alexandre ficou satisfeito, juntou-se ao seu exército e não tardou em fazer jus ao seu posterior cognome de “o Grande”.

Eclipses em 2006
Eclipse penumbral da Lua
14 Março (visível em Portugal)
Entrada na penumbra:21:21
Eclipse máximo:23:47
Saída da penumbra:02:13(dia 15)
Eclipse total do Sol
29 Março (parcial em Portugal)
Evento central: 10:11 UT (Líbia)
O eclipse começa na costa do Brasil, atravessa o Atlântico e chega a terra firme no Gana (África Ocidental), segue para Togo e Benin, cruza a Nigéria, Níger e a ponta norte do Chade. Ao entrar na Líbia ocorre o eclipse máximo. De seguida, o caminho do eclipse toca na ponta noroeste do Egipto, atravessa o mar Mediterrâneo, atravessa a Turquia de Sul a Norte, passa por uma pequena parte da Rússia junto da Geórgia e, por fim, atravessa o Cazaquistão onde termina junto da fronteira com a China.
Eclipse parcial da Lua
7 Setembro (visível em Portugal)
Entrada na penumbra:16:42:20
Entrada na umbra:18:05:01
Eclipse máximo:18:51:17
Saída da umbra:19:37:35
Saída da penumbra:21:00:15
Eclipse anular do Sol
22 Setembro (invisível em Portugal)
Evento central: 12:40 UT (Oceano Atlântico)
Como é relativamente frequente, o caminho central do eclipse anular percorre quase metade da superfície terrestre. Mas neste caso, do dia 22, para poder acompanhar o fenómeno do alinhamento da Lua com o disco solar, com os pés em terra firme, apenas há três países do mundo à escolha. Guiana, Suriname e Guiana Francesa, todos situados na costa Nordeste da América do Sul. Assim que o eclipse deixa a costa a Norte da cidade de Cayenne (Guiana Francesa), é preciso um barco para percorrer o Oceano Atlântico em busca da faixa de anularidade. O fim do eclipse ocorre bem a Sul, entre a África do Sul e a Antártida.
As artes divinatórias são supostamente divinas, ou seja, reservadas aos deuses. Mas a curiosidade do humano de querer saber de antemão o que iria acontecer no futuro e as perguntas derivadas eram (e ainda são) bem maiores e mais numerosas do que as respostas dadas pelos deuses. Por isso, todas as culturas empregaram sacerdotes ou/e sábios para contar antecipadamente as boas novas. O mais antigo livro do mundo1 o “I Ching”, por sinal, é o manual do bom adivinho dos antigos povos chineses. As suas bases são precisamente as mesmas perguntas a um oráculo chinês, como Alexandre, o ainda-não-Grande, as proferiu uns 1000 anos mais tarde. A cultura chinesa já tinha evoluído para patamares impressionantes e bem mais avançados nalgumas áreas do que os povos entre Eufrates e Tigre, ou mesmo dos egípcios quando começaram a encher o actual Vale dos Reis com múmias e ouro. Os líderes destas antigas dinastias chinesas, quase todos empenhados em serem bons Senhores de Guerra, rodeavam-se de adivinhos e não se limitavam a um único vidente. Entre estes numerosos “adivinhos” encontravam-se também aqueles, que hoje seriam os cientistas. Eram observadores atentos da natureza, do espírito do homem e, nalguns casos, dos astros.

Particularmente medonho para quase todas as culturas e nomeadamente para os seus líderes eram os astros ambulantes, os cometas (dos quais só se sabe o que são há poucos séculos) e os eventos celestes invulgares, como os eclipses do Sol ou da Lua. Particularmente os eclipses eram assustadores, pois o desaparecer do Sol e da luz em pleno dia ou uma Lua vermelha a pairar sobre a paisagem nocturna como se fosse ensanguentada não poderia ser um bom presságio.

Por isso tornou-se relativamente importante para os governadores saber de antemão, tanto quanto possível, a ocorrência de um fenómeno celeste desta magnitude. Prever futuros impactos sobre a alma dos súbditos era e é essencial para preservar um lugar no topo de uma estrutura política.

Também nesta arte da profecia de eventos celestes recorrentes os chineses conseguiram superar todas as outras culturas em milhar e meio de anos. Infelizmente, nem sempre com a devida precisão. Segundo registos encontrados, os astrónomos Hi e Ho foram decapitados por terem falhado a previsão de um eclipse solar ocorrido em cerca de 2300 antes da nossa Era. Como não podia deixar de ser, prever o que se passava na esfera celeste implicava também prever o que isto significava para as coisas terrestres. Portanto, os antigos astrónomos chineses, babilónios, egípcios, etc. e mesmo os dos tempos medievais da Europa ocidental eram simultânea e obrigatoriamente astrónomos e astrólogos.

Para poder prever um evento celeste recorrente, como um eclipse, era necessário compreender os intervalos de tempo que separam estes eventos. Portanto, antes de ser possível qualquer previsão, era preciso acumular um extenso arquivo de registos antigos. A grande maioria dos antigos registos chineses, se não foram destruídos por um imperador malevolente, perderam-se no tempo.


Um dos primeiros almanaques data de cerca de 500 antes da nossa Era. Proveniente da Mesopotâmia contém previsões do nascer e da posição dos principais planetas para um período de alguns anos. Crédito: Museu Britânico de Londres.
Porém, da Mesopotâmia preservaram-se até aos nossos dias numerosos registos. Os Sumérios, os Babilónios e os Assírios (por ordem de chegada das suas culturas) tinham um apego particular por registar em barro e na sua escrita cuneiforme tudo e mais algum assunto, tanto fazendo se o suporte tinha uma forma cilíndrica, de tábua rectangular ou de um disco redondo. Entre estes registos encontramos extensas listas de eclipses solares e lunares junto com as suas datas, o nascimento dos planetas e das constelações e de certas estrelas ao longo de dezenas e mesmo de centenas de anos. É a estes tempos que remonta um dos mais antigos almanaques preservados (ver figura ao lado).

Os Caldeus/Mesopotâmia cerca de 5 séculos antes da nossa Era conseguiram finalmente encontrar uma analogia precisa entre o movimento solar e lunar, descobrindo, que qualquer eclipse se repetia ciclicamente após sensivelmente 18 anos 11 dias e umas quantas horas. Este ciclo dá pelo nome de Saros (ver "Saros, que Saros?" no Tema do Mês de Setembro 2004). Desde esta descoberta já não era teoricamente necessário que rolassem cabeças... porém, o contrário parece ter sido o efeito. Conta o historiador Heródoto numa das suas crónicas, que o rei dos Medos sugeriu ao seu inimigo dos Lídios uma data (28.5.585 antes da nossa Era) para travar uma batalha. O rei do Medos supostamente sabia que nesse dia ia ocorrer um eclipse total do Sol e que isto ia encher de medo os seus opositores. Conforme previsto ocorreu e, quando se deu o eclipse, muitos Lídios perderam a vida ao tentarem fugir. Porém, a batalha em si acabou empatada.

Hoje em dia, qualquer aspecto previsível pode ser calculado antecipadamente com elevada precisão. Seja isto a posição dos planetas, as datas e horas dos eclipses e sua visibilidade, as órbitas dos cometas e mesmo dos mais pequenos pedregulhos que voam no espaço distante do Sistema Solar ou, bem como lixo natural ou artificial, em torno da nossa Terra. Porém, ao contrário de tempos recuados, estes dados são hoje em dia reunidos em almanaques, software de computador ou em quadros da Internet, portanto, acessíveis a toda a gente.

Desde que Johannes Kepler e posteriormente Isaac Newton forneceram as primeiras chaves para o cálculo das órbitas dos planetas, houve em todos os países civilizados uma abundante proliferação destes livros com previsões sobre, entre outras, as posições dos planetas ou datas dos eclipses. Nas últimas décadas, especialmente graças à informatização (p.ex. usando software de planetário) e à automatização dos sistemas de controlo dos telescópios, que permitem determinar com precisão de segundos qualquer aspecto ou evento, o número de almanaques impressos decresceu drasticamente.

Simultaneamente, com a redução global de almanaques, aumentou outra vez o número de pessoas consultando oráculos (horóscopos, cartomantes, videntes etc.). Tal como fez Alexandre, o Grande, algumas das mais recentes declarações de guerra relevantes, foram antecedidas de uma consulta a astrólogos e videntes ao serviço do líder do estado (p.ex. como se diz ter sido o caso da primeira guerra do Golfo no fim do séc. XX). Esta aparente ligação, porém, nada tem a ver com o que se passa fisicamente na esfera celeste... digo eu.


1 O livro de várias páginas contínuas mais antigo é escrito em etrusco (cerca de 600 a.C.), enquanto alguns trechos da actual bíblia foram escritos sensivelmente na mesma altura que os manuscritos do I Ching na sua versão original (~1500 a.C.).