A Latitude


A Latitude Pela Polar


Figura 14 — Latitude pela Polar
Estando a Estrela Polar situada praticamente sobre o Pólo Norte da esfera celeste, um dos lados do triângulo de posição, o da distância polar, “desaparece”, ficando o triângulo reduzido a uma recta. Essa recta representa os outros dois lados do triângulo que são a distância zenital e a co-latitude, conforme representado na figura 14. Ou seja, se existir um astro situado sobre o pólo estes dois lados são iguais. Consequentemente os complementares destes lados, a latitude e a altura do astro, são iguais. Basta então medir a altura da Polar, para conhecer a latitude.

Na época das descobertas este facto era perfeitamente conhecido. Os marinheiros foram notando que conforme se navegava para Sul, em direcção ao equador, a altura da estrela Polar diminuía. Começaram por associar essa variação da altura à distância que percorriam no sentido Norte-Sul. Não precisavam sequer de usar o conceito de latitude. Bastava-lhes apenas medir qual a variação da altura da estrela, e a partir desta saber se a distância navegada nesse sentido tinha sido muita ou pouca.


Figura 15 — Roda de alturas da Polar para Lisboa
Numa segunda fase, começaram a fazer uma associação entre a altura da Polar e os lugares onde se encontravam. No entanto, a estrela não se encontra exactamente sobre o pólo, apesar de se encontrar bastante próxima dele. Por essa razão, ela vai variando a sua altura, ao longo da noite, encontrando-se umas vezes mais alta e outras mais baixa que o pólo. Este inconveniente foi ultrapassado pela adopção de uma regra bastante semelhante à que se usava para saber as horas nocturnas. Conforme se vai deslocando em torno do pólo, a Polar vai variando a sua posição relativamente à Kochab. Bastava deste modo saber qual o valor da altura da estrela, para as diferentes posições relativas Polar-Kochab, num determinado local, para ser possível regressar a ele, vindo do mar, recorrendo apenas à observação dessa altura da estrela. Surgiram então figuras, representado o homem no pólo, que permitiam conhecer esta informação.

Na figura 15 está representada uma dessas imagens que indicavam as várias alturas que a Polar ia tendo ao longo da noite, em Lisboa, no século XVI. Este procedimento ainda continuava a ter uma grande limitação. Era necessário desenhar tantas rodas semelhantes a esta, variando apenas os números, quantos os locais para os quais se pretendesse conhecer as diferentes alturas da estrela. Uma observação continuada permitiu constatar que para determinadas posições relativas, a altura era sempre superior enquanto que para outras eram sempre inferior. Além disso, a diferença entre os valores nas várias posições era sempre a mesma.

Bastava então usar apenas uma roda semelhante à representada anteriormente, mas que em vez de apresentar as alturas da estrela para um determinado local indicasse as respectivas correcções, que poderiam ser usadas em qualquer lugar em que a Polar fosse visível. Estas regras eram conhecidas pelo nome de Regimento do Norte.


Figura 16 — Correcções da altura da Polar
Na figura 16 está representado um exemplar de uma dessas rodas. Nesta fase, já se associava o conceito de latitude ao de altura do pólo. Assim, para saber a latitude do local, bastava somar ou subtrair a respectiva correcção, obtida na figura. As correcções não têm qualquer sinal, pois na época ainda não era utilizado o conceito de número negativo. No entanto, os homens do mar tinham registadas as regras a usar, sabendo se deveriam somar ou subtrair a correcção. A título de exemplo, se a Kochab se encontrasse na vertical da Polar, exactamente por cima dela, “na cabeça”, deveriam ser subtraídos 3 graus à altura obtida, para se saber a latitude. Se pelo contrário, se encontrasse na posição oposta, “nos pés”, os 3 graus seriam somados, para obter a latitude.

Foram mesmo concebidos instrumentos que facilitavam as observações das posições relativas das duas estrelas para aplicação do Regimento do Norte. Na figura 17 mostra-se a imagem de um desses instrumentos, extraída dum livro do século XVII, sobre Arte de Navegar.


Figura 17 — Instrumento para facilitar aplicação do Regimento do Norte
Este processo apenas podia ser usado no hemisfério Norte, pois apenas neste se pode observar a Polar. Para Sul do equador usava-se um regimento semelhante, que se baseava na observação de algumas estrelas da constelação do Cruzeiro do Sul. Uma vez que estas estrelas se encontram mais afastadas do pólo do que a Polar, este regimento não era tão rigoroso como o do Norte.


A Latitude Pela Passagem Meridiana do Sol

Um outro caso particular do triângulo de posição ocorre no momento da passagem meridiana de um astro, isto é quando o seu círculo horário passa sobre o meridiano do lugar. Neste caso, o ângulo no pólo é nulo e portanto mais uma vez o triângulo se resume a um segmento de recta, sendo fácil calcular os lados respectivos do triângulo, através de simples operações de soma e subtracção.

Este processo era também utilizado pelos marinheiros da época dos descobrimentos, estando descrito em diversos textos náuticos da época, sendo conhecido como o Regimento do Sol. Este regimento indicava os cálculos a fazer em função da posição relativa do observador e do astro.


Figura 18 — Latitude = distância zenital - declinação
Para obter a latitude bastava observar qual a altura, ou melhor qual a distância zenital, do Sol no momento da passagem meridiana, usando um astrolábio. A declinação encontrava-se tabelada em almanaques, que forneciam o seu valor para os vários dias do ano. Dispondo destes dois valores e com simples operações algébricas sabia-se a coordenada pretendida. Como dissemos, as diferentes situações possíveis estavam indicadas no Regimento do Sol. Na figura 18 apresenta-se um exemplo em que para obter a latitude se subtraía o valor da declinação do da distância zenital, enquanto que na figura 19 se mostra um caso em que se soma a declinação e a distância zenital para saber a latitude. Existiam ainda outros casos possíveis.

Este processo de obtenção da latitude pela altura do Sol na passagem meridiana, pode ser usado com qualquer outro astro, quando passa no meridiano do lugar. Basta que exista uma tabela que forneça a respectiva declinação. Para as estrelas a situação ainda fica mais simplificada, pois a declinação varia muito pouco ao longo do tempo, ao contrário do que sucede com o Sol, cuja declinação varia entre 23º27’ N e 23º27’ S, durante um ano. Contudo, as estrelas apresentam uma maior dificuldade de observação, pelo que o astro preferido para usar na passagem meridiana era o Sol. Além disso, o Sol é visível todos os dias do ano, em todas as latitudes que os Portugueses frequentavam naquela época, não sucedendo o mesmo com as estrelas.



Figura 19 — Latitude = distância zenital + declinação