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"A única forma de descobrir os limites do possível é atingir o impossível."
- Arthur C. Clarke


Simular estrelas e galáxias para as poder ver melhor

2007-02-09

Desta vez não vos escrevo de um planeta exótico e distante, escrevo-vos da simplicidade do nosso planeta azul, mais concretamente do Acelerador Europeu de Radiação de Sincrotrão (ESRF: European Synchrotron Radiation Facility) situado em Grenoble, em França, onde me encontro a testar os elementos principais de um futuro telescópio espacial de raios gama. O ESRF é um projecto europeu que envolve 18 países, entre os quais Portugal, que através do pagamento de quotas anuais financiam o funcionamento do acelerador. Portugal paga cerca de 8 milhões de euros de quotas. Todos os investigadores dos países membros têm direito a realizar experiências no ESRF, devendo submeter a sua proposta de experiência ao júri científico do ESRF que escolhe as melhores propostas em função do tempo de utilização disponível. A escolha de um grande acelerador de partículas para testar o funcionamento do referido telescópio de raios gama deve-se à capacidade deste tipo de aceleradores para produzir radiação similar à radiação emitida no Universo por: galáxias, estrelas, buracos negros e variados outros objectos exóticos menos conhecidos. Graças ao campo magnético gerado ao longo dos 844 metros do anel do acelerador de partículas de Grenoble é possível acelerar um feixe de electrões de tal forma que estes emitem os desejados raios gama. Colocando uma versão muito simples do telescópio de raios gama, constituída por uma secção das lentes e por um plano focal 100 vezes menor do que o projectado, alinhado com o feixe de radiação gama produzido pelo acelerador de partículas, conseguimos simular a resposta do telescópio à radiação gama, sensivelmente como se essa radiação tivesse sido emitida por um corpo celeste algures no Universo.

Se as lentes e o plano focal funcionarem bem, os cientistas e os engenheiros confirmam os seus cálculos e podem passar a uma fase seguinte do desenvolvimento do telescópio. Se as coisas não correrem como desejam, são obrigados a rever os seus cálculos e a encontrar novas soluções para que o telescópio funcione, devendo repetir os testes com um novo protótipo que inclua as novas soluções.

Sempre que é construído um novo telescópio espacial, as maiores novidades e as soluções mais ousadas são as primeiras a ser estudadas exaustivamente. No caso do protótipo de telescópio que testamos em Grenoble, chamado provisoriamente Gamma-Ray Imager (GRI), são duas as grandes inovações: as lentes de Laue para raios gama e a instalação do telescópio em dois satélites diferentes que voam em formação. Focar raios gama é uma novidade em astrofísica. Como os raios gama atravessam as lentes e os espelhos tradicionais como se não existissem, é complexo focá-los, todos os telescópios de raios gama lançados eram desprovidos de lentes, utilizando outras técnicas para compensar. A inovação do voo em formação no caso do GRI é fundamental e determinada pela distância focal das lentes (mais de 50 metros). Num dos satélites serão instaladas as lentes e no outro o plano focal, onde se forma a imagem produzida pelos raios gama. A distância entre os dois satélites será a mesma que a distância focal, cujos mais de 50 metros exigirão uma coordenação de movimento relativo com uma precisão inferior a um milímetro de forma a se obter uma boa imagem. Como os raios gama são invisíveis aos nossos olhos, as imagens do Universo gama captadas pelo plano focal são depois traduzidas em cores artificiais. Ver o Universo em raios gama é um complemento muito importante para percebermos o Universo visível. Muitos fenómenos só foram compreendidos ou descobertos quando os primeiros telescópios de raios gama começaram a ser enviados para o espaço. Outra particularidade dos telescópios de raios gama é obrigatoriedade de os instalar no espaço, dado que a radiação gama é absorvida pela atmosfera antes de chegar à superfície terrestre.