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A exploração de Marte na próxima década

2011-06-27
Na semana de 13 a 17 de Junho, os olhos da comunidade “marciana” estiveram virados para Lisboa. Nos três primeiros dias, decorreu num hotel da capital uma conferência de excelente nível sobre a habitabilidade de Marte, cujo programa pode ser encontrado aqui.

Nos dois dias seguintes teve lugar no mesmo local (e com muitos dos mesmos intervenientes) uma reunião do MEPAG, a primeira a realizar-se fora dos EUA. É sobre esta que nos vamos debruçar. O MEPAG é um grupo (Mars Exploration Program Analysis Group) sem grandes regras formais, cujo papel é o de debater e fazer sugestões sobre a exploração de Marte. As reuniões, como o próprio grupo, são abertas a quem, na comunidade científica, estiver de alguma forma envolvido nessa empresa. A agenda deste encontro tinha pontos de grande interesse, e pode ser consultada aqui.

Comecemos então pelo princípio: as instituições de topo da estrutura científica americana recolhem regularmente, em várias áreas de actividade científica, as sugestões da comunidade sobre as grandes questões a resolver e as opções a tomar para as enfrentar. Esta consulta, designada como Decadal Survey, não possui carácter vinculativo, mas nem por isso deixa de ser considerada como fundamental para a evolução da ciência na década seguinte. No caso da comunidade planetária, foi criada uma comissão chefiada por Steven Squyres (o criador dos rovers Spirit e Opportunity) que recolheu inúmeras visões para a exploração do Sistema Solar e sugestões de missões para investigar este e aquele objecto, de uma forma ou de outra. A lista dessas missões propostas pode ser consultada aqui.

Ao fim de muito trabalho e muitas avaliações, e tendo em atenção estritos critérios económicos quanto ao orçamento presente e futuro, foi produzido um relatório, também ele disponível para o público. A missão que recebeu máxima prioridade foi precisamente a de recolha de amostras de solo e rochas marcianas, tarefa a desempenhar por um novo rover, o MAX-C, a partir de 2018. Porém, essa missão teria que ser obrigatoriamente levada a cabo por menos de 2.5 mil milhões de dólares – de forma a não esgotar em Marte uma fatia demasiado importante das verbas disponíveis (e recordemos que o Curiosity “derrapou” fortemente...). Pouco tempo depois da conclusão dos trabalhos, um choque: o orçamento da NASA para os próximos anos será ainda menor do que se previa. O estudo ficou assim imediatamente desactualizado na parte financeira. Ainda assim, todo o trabalho realizado, todo o peso da comunidade científica, significam que, de facto, as prioridades estão perfeitamente estabelecidas para a próxima década. E, se há menos dinheiro, então as missões terão que ser menos ambiciosas...



Capa do relatório final da comissão da Decadal Survey.


É sabido que a NASA e a ESA se comprometeram a uma colaboração mais estreita na exploração do espaço, e particularmente na de Marte. Dentro desse espírito, quem fosse a uma qualquer reunião científica recente em que se mencionassem os planos para 2018 veria uma ilustração clara: nesse ano, Marte seria visitado por dois rovers: o americano MAX-C e o europeu ExoMars (designação que já anda nestas bolandas há bem uma década...). Os dois seguiriam juntinhos e seriam depositados na superfície pelo sistema “skycrane”, a grua motorizada que fará a sua estreia para o ano, quando o Curiosity chegar a Marte. Mas a realidade bateu à porta: é um facto que a Decadal Survey é um instrumento americano, centrado no programa do Tio Sam, nada tem a ver com a ESA. Mas agora estamos todos no mesmo barco. E os tais 2.5 mil milhões de dólares não chegam para os dois rovers. Resultado: a ESA suspendeu todos os estudos sobre o ExoMars. E agora, de vez, podemos dizer que o ExoMars nunca existirá. Nem o MAX-C. Não da forma que até aqui foi pensada.



Da junção dos antigos ExoMars europeu e MAX-C americano… o ExoMars-C (???)


Mas nada de pânico. Em 2018 haverá um rover em Marte. Um rover revisto e rebaptizado, um rover misto, euro-americano. Que executará a missão de recolha de amostras marcianas, mas terá também a capacidade “exomarciana” de perfurar até cerca de 2 m de profundidade e tentar perceber se há vida ou sinais dela sob a superfície do planeta. É nisso que se pensa, é isso que se planeia – mas ainda há muito trabalho pela frente.

Recapitulemos então: estamos em 2011, o MSL/Curiosity será lançado daqui a poucos meses. Em 2013, teremos a sonda orbital MAVEN, da NASA. E em 2016, outra sonda em órbita: Trace Gas Orbiter, da ESA. Duas sondas dedicadas ao estudo da atmosfera e a elucidar os seus ainda numerosos mistérios (alguém falou em metano?...). Mas a sonda europeia de 2016 levará também o pequeno EDM: Entry and Descent Module, que seguirá até à superfície, numa demonstração de capacidade tecnológica da ESA. (com o Beagle 2 na memória)... e pouco mais. Em princípio, este diminuto módulo terá uma minúscula carga científica e estará activo muito pouco tempo... na planície de Meridiani, já visitada pelo rover Opportunity.



Imagem do TGO, Trace Gas Orbiter, com o pequeno EDM, missão para 2016


Não existem quaisquer dúvidas sobre a importância de dispor de amostras rochosas de Marte nos laboratórios terrestres. As possibilidades analíticas são muito superiores às que se podem considerar in situ. E é preciso pensar em tudo. Como será o rover de 2018? Solar, ou com “pilhas” (como alguém lembrou, face à escassez de plutónio para missões espaciais, utilizar material radioactivo numa missão a Marte não contribuirá nada para a popularidade dos “marcianos” junto dos colegas que se dedicam ao Sistema Solar exterior...)? Que instrumentos científicos levará a bordo (falou-se numa selecção a começar já para o ano, mas ao mesmo tempo muito ênfase foi posto nos instrumentos já há muito escolhidos para o ExoMars…)? E quantas amostras serão recolhidas? Que peso terá cada uma? Há respostas também já adiantadas para estas questões: entre 30 e 40 amostras, cada uma com de 14 a 16 gramas (peso que chega para todas as análises em que se pode actualmente pensar, e permite ainda guardar para o futuro uma proporção importante de cada amostra). Depois de obtidas em locais bem caracterizados, deverão ser acondicionadas e protegidas, e deixadas algures na superfície marciana para recolha pela missão seguinte, que ficará com a responsabilidade de as enviar para a Terra – algures durante a terceira década deste século. Ficará então Marte de lado, dando o primeiro plano a outros planetas, a outras questões? Só o tempo (e, talvez, a evolução geopolítica internacional...) o dirá.

O tema seguinte foi a escolha do local de descida do Curiosity, em Agosto de 2012. O processo foi longo, e até teve direito a prolongamento, quando o lançamento foi adiado de 2009 para 2011. Mas a selecção final voltou aos quatro locais já escolhidos há dois anos (também este processo está documentado na net). No último workshop realizado sobre o tema, os quatro locais foram mais uma vez escrutinizados de alto a baixo quanto ao inegável interesse científico e variedade geológica de cada um e também quanto aos possíveis obstáculos e perigos vislumbrados para a descida ou a progressão do rover. Todos foram aprovados, todos têm vantagens e inconvenientes. A decisão da NASA será conhecida em breve, mas várias vozes se levantaram, lamentando que a comunidade não tenha sido chamada a pronunciar-se em conjunto de forma mais clara, nomeadamente através de uma votação com prioritização dos quatro locais…Os mais radicais quase chegaram a propor que ela se realizasse nesta reunião, mas a ideia não avançou. Nada a fazer, aguardemos então para saber o local que será estudado a fundo nos próximos anos (e lembremos que este rover terá uma capacidade de movimento muito superior à dos seus “irmãos” mais velhos).



O Rover Curiosity pousará em 2012 em Marte num destes quatro locais.


O processo de selecção do local de descida para 2018 também será posto em marcha brevemente; adivinha-se mais complexo, já que envolverá os dois parceiros desta aventura, em moldes que ainda estão por definir com clareza…

Já quase a terminar a reunião, uma surpresa: poderá existir outra missão (americana) a Marte em 2016. No quadro do programa Discovery, que engloba missões mais baratas e sob a responsabilidade de um investigador, foram seleccionadas três hipóteses: uma missão a um mar (ou lago) de Titã, uma missão cometária, ou uma missão de carácter geofísico a Marte. O proponente, Bruce Banerdt, explicou que tinha cuidadosamente evitado muitas referências a Marte na proposta… e que a ser escolhida, a sua sonda será uma gémea da Phoenix, mas equipada para estudar a sismologia e o fluxo térmico de Marte ao longo de alguns anos. Foram depois apresentados os planos futuros (pós-2020) da ESA, que incluem uma missão para estabelecer uma rede de pequenos observatórios geofísicos na superfície de Marte, bem como uma missão de recolha de amostras num dos satélites do planeta vermelho. Projectos que estão a ser estudados, mas que ainda se encontram muito longe da realização. Tal como os projectos japoneses, de quem talvez se possa vir a esperar também um estreitar de relações com o binómio NASA/ESA.

Por fim, foram resumidas algumas reuniões recentes. No caso da atmosfera marciana, pode-se dizer que o estranho caso do metano continua a oferecer surpresas, e que há boa parte da comunidade que hoje em dia volta a pôr em causa as detecções efectuadas há anos por diversas equipas. Com duas missões previstas nos próximos anos para estudar a atmosfera marciana, este mistério será, espera-se, definitivamente clarificado.