Figura 2: Efeito de maré gravitacional exercida pelo Sol em Vénus.
A rotação inabitual de Vénus resulta de um estado de equilíbrio entre duas forças
de efeito de maré (Gold e Soter, 1969), uma conhecida por maré gravitacional e
outra por maré térmica. No caso das marés gravitacionais, o Sol deforma o
planeta e cria um achatamento na sua direcção e na direcção oposta. Devido à
inelasticidade do planeta, esta deformação não é instantânea. Como o planeta
roda sobre si próprio mais rápido que na sua órbita, surge um desfasamento
angular
δ (Fig. 2) entre a
deformação e a direcção do Sol. Em consequência, este último exerce um momento
de forças de restituição sobre a deformação do planeta para tentar orientá-lo
segundo a sua direcção. Estas forças contrariam o movimento normal de rotação de
Vénus em torno do seu eixo, pelo que a velocidade de rotação diminui. Este
efeito dura até que o período de rotação iguale o período orbital, i.e., quando
existir um sincronismo entre os dois movimentos (caso da Lua e da maior parte
dos satélites dos demais planetas). Se o efeito de maré gravitacional fosse o
único presente em Vénus, a previsão de Schiaparelli estaria correcta.
Figura 3: Efeito de maré térmica exercida pelo Sol sobre a atmosfera de Vénus.
Quando um planeta possui um atmosfera densa como Vénus, um segundo efeito de maré está
presente, conhecido por maré térmica, resultante de um aquecimento diferencial
da atmosfera (Fig. 3). O Sol aquece preferencialmente as zonas da atmosfera que
se encontram segundo a sua direcção (ponto subsolar), induzindo variações
importantes de pressão na atmosfera. Em resposta, observa-se uma redistribuirão
da massa atmosférica das zonas quentes para as zonas frias, no sentido de
equilibrar a pressão, com uma importante componente perpendicular à direcção do
Sol. Da mesma forma que acontecia com a maré gravitacional, a resposta da
atmosfera à perturbação provocada pelo Sol não é imediata. Surge assim
igualmente um desfasamento
δ
entre a orientação da deformação da atmosfera e a perpendicular à direcção do
Sol. Contrariamente à maré gravitacional, devido a esta deformação ser
perpendicular à direcção do Sol, o momento de forças exercido por este último
na deformação atmosférica vai favorecer o aumento da rotação do planeta. Para
atmosferas densas como a de Vénus, este efeito torna-se suficientemente
importante para ser capaz de contrariar a desaceleração provocada pela maré
gravitacional. O estado de equilíbrio correspondente à sincronização deixa de
ser possível, mas duas novas configurações de equilíbrio surgem (Correia e
Laskar, 2001): uma retrógrada (no mesmo sentido dos ponteiros do relógio) e
outra prógrada (rotação no mesmo sentido que a Terra).