O Período de Rotação de Vénus



Figura.1: Observação de Vénus por Jean-Dominique Cassini entre Fevereiro e Abril de 1667. “Até ao vigésimo oitavo dia de Abril, não fui capaz de identificar nenhuma parte brilhante semelhante àquela que havia já observado, mas nesse dia, um quarto de hora antes do Sol se levantar, pude novamente observar sobre o disco deste Planeta, do qual metade ou quase estava então iluminada, uma parte brilhante situada perto da secção”.
Devido à espessa camada de nuvens que cobre a superfície do planeta Vénus, o seu período de rotação (tempo que leva a efectuar uma volta completa em torno de si próprio) permaneceu durante muito tempo um mistério. A descoberta da mancha vermelha de Júpiter e de estruturas mais ou menos definidas na superfície de Marte entre 1664 e 1666 permitiram a Jean-Dominique Cassini (1625-1712) determinar com boa precisão o período de rotação destes planetas. Contudo, o mesmo tipo de exercício revelou-se bem mais complicado para Vénus: apesar de se encontrar mais perto da Terra do que qualquer outro planeta, Vénus é dificilmente observável durante várias horas seguidas e não apresenta nenhuma estrutura particular na sua atmosfera que possa ser identificada a partir da Terra. As primeiras observações de Jean-Dominique Cassini entre 1666 e 1667 sugeriram-lhe um período inferior a um dia. Alguns anos mais tarde, após observações realizadas entre 1726 e 1727, Francesco Bianchini (1662-1729) propõe um período de 24 dias e 8 horas, enquanto que Jacques Cassini (1677-1756) determina ser de 23h 15' após uma nova análise das observações do seu pai. Este resultado é aliás confirmado por Francesco de Vico (1805-1848) que obtém um valor incrivelmente preciso de 23h 21m 21.934s, após uma campanha de observações realizada entre 1839 e 1841. A controvérsia iria durar ainda durante mais de um século dividindo-se entre os apoiantes de Cassini, que defendiam um período próximo das 23 horas, e os apoiantes de Bianchini, que preferiam ver o planeta rodar em torno do seu eixo em 24 dias.

Em contrapartida, Giovanni Virginio Schiaparelli (1835-1910), durante as suas observações efectuadas de 1877 a 1878, não constata nenhuma variação sensível na rotação do planeta, e conclui que o seu período de rotação não pode ser de 23 h, mas sim bastante mais longo. Propõe então em 1890 um período de rotação de 224,7 dias, correspondente a uma rotação síncrona com o movimento orbital em torno do Sol (tal como a Lua efectua uma rotação sobre si própria no mesmo tempo que efectua uma órbita em torno da Terra). A proposta de Schiaparelli renovou a controvérsia e as observações de Vénus prosseguiram. Camille Flammarion vai observar o planeta entre 1887 e 1894 e publica as suas conclusões ainda nesse ano. Diz não conseguir determinar com precisão a duração da rotação, mas conclui "que ela não está muito distante das 24 h". Diz mesmo conseguir observar calotes polares em Vénus o que lhe permite concluir ainda que o eixo do planeta está um pouco inclinado1.

Na realidade, o verdadeiro período de rotação de Vénus só será descoberto em 1962, graças às observações de radar efectuadas a partir da Terra pelo Jet Propulsion Laboratory (NASA, EUA) que permitiram "furar" a densa camada de nuvens que cobre o planeta e assim observar pontos na sua superfície (ver cp. III). Estas observações mostraram, para enorme espanto dos astrónomos, que este planeta possui uma rotação retrógrada (no sentido dos ponteiros do relógio) com um período de 243,0 dias (Goldstein, 1964, Carpenter, 1964). A surpresa foi tanto maior, uma vez que todos os outros planetas ou satélites maiores do Sistema Solar (à excepção de Urano que roda "deitado") rodam no mesmo sentido que a Terra. Este período de rotação combinado com o período orbital de 224,7 dias resulta num dia Venusiano igual a 116 dias terrestres, onde o Sol se levanta a oeste e se põe a este!



1A temperatura média à superfície de Vénus é cerca de 460°C (cp. III) pelo que a existência de calotes polares não pode passar de uma ilusão.