O templo de Hator em Dendera: uma porta para os céus
"O Zodíaco de Dendera representa uma carta do Céu, tendo como base as constelações do Zodíaco."
in, Le Zodiaque d’Osiris, S. Cauville
O Zodíaco de Dendera,peça mais importante do departamento das antiguidades egiptologias do museu do Louvre, entusiasma o espírito humano desde décadas.
Descoberto em 1799 pelo general Desaix, tendo sido Vivant Denon o primeiro a estudar o Zodíaco com exactidão, dele obteve desenhos e figuras. No entanto teria que esperar alguns anos para que pudesse decifrar o significado dos seus hieróglifos, pois Jean-François Champollion ainda não tinha descoberto a chave para a leitura dessa escrita tão característica.
A peça foi levada para França por Le Lorain com autorização de Méhémet-Ali, chegando ao porto de Marselha em 1821 e por fim a Paris em 1822. Vendido a Louis XVIII foi inicialmente exposto no Louvre, passando para a Biblioteca nacional entre 1823 e 1919, data a qual regressa ao Louvre.
O santuário de Dendera foi concebido para o culto da deusa Hathor, deusa que falaremos mais tarde.
Uma cópia foi posta no lugar original no sítio de Dendera em 1920… uma cópia!
Dendera: um lugar carregado de historia
Diversas campanhas de escavações realizadas no sítio de Dendera (Figura 4.1), em particular a realizada por Fliders Pétrie no final do século XIX, demonstram a existência de diversas sepulturas, datadas para algumas da época arcaica. Dendera fica perto dos locais pré-dinasticos de Nagada e Maghara o que ajuda a suster a teoria da existência de actividade desde a época pré-dinastica. Foram encontradas provas de varias passagens da historia do antigo Egipto, como uma estatueta do faraó Pepi I ( 2270 a. C) e construções feitas no reinado de Tutmósis III (1450 a. C).
Desde da sua descoberta, diferentes estudiosos especularam sobre a datação do templo e do seu Zodíaco, para alguns datava de 15 000 a.C. para outros 12 000, hipóteses que levantaram guerras com o clero, pois consoante a tradição bíblica o mundo existia desde 4 000 a.C.
É evidente que esta euforia inicial deixou lugar a um estudo mais aprofundado e científico sobre a datação do mesmo. O templo do nascimento de Isis (Figura 4.2) construído no reinado de Augusto ( 30 a. C) está construído sobre as fundações de um templo da época ptolemaica do reinado de Nectanébo I (381 a. C) e acabado por Ptolomeu X Alexandre I (107 a. C.), este ultimo apresenta uma orientação Oriente-Ocidente, por sua vez o templo da época de Augusto tem orientação Norte-Sul idêntica a orientação do grande templo de Hathor. No entanto entre um e outro existe uma ligeira inclinação de cerca de 2º30’.
Doze séculos depois de Ramsés II, Ptolomeu Aulete manda construir um novo templo em Dendera o 16 de Julho 54 a.C. no entanto este morre em 51 a.C. Depois da morte do pai Cleópatra segue César para Roma e volta depois do assassinato deste ultimo, associando como co-regente do trono o seu filho Cesarião, nascido a 27 Junho 47 a.C. durante esta co-regencia e desde 51 a.C, os cartuchos reais não foram preenchidos com o nome do faraó. No templo onde foi encontrado o Zodíaco, também não existem cartuchos reais escritos. Era portanto lógico o Zodíaco datar dessa altura.
Figuras 4.1 e 4.2 – Sítio de Dendera e templo do nascimento de Isis.
É. Aubourg procurou neste lapso de tempo, 51 a 43 a.C, o lugar dos planetas no ceio das constelações do zodíaco, é de relembrar que os planetas circulam numa zona chamada de eclíptica, por vezes alguns planetas ultrapassam a nossa terra, outros são ultrapassados durante o período de translação a volta do sol.
Colocar a data de 54 a.C num software de astronomia, permite-nos ter uma listagem de algumas estrelas no seu nascimento nocturno ou helíaco.
A lista de estrelas da qual possivelmente se basearam os antigos egípcios para orientação do templo de Hathor e do templo de Augusto, é a seguinte:
Alpha Canis Majoris (m=-1,44) - Sirius : Céu nocturno
Beta Orionis (m=0,18) - Rigel: Aparecimento heliaco
Kappa Orionis (m=2,07) - Saiph: Aparecimento heliaco
Delta Scorpii (m=2,29): Céu nocturno
Beta Corvi (m=2,65): Aparecimento heliaco
Beta Aquarii (m=2,90): Aparecimento heliaco
Epcilon Aquarii(m=3,78): Céu nocturno
Devido a grande magnitude visual de Sirius e Rigel, é muito provável que seja esta a orientação de construção do templo.
Por sua vez, a parte ptolemaica do templo do nascimento de Isis em Dendera, com orientação Este-Oeste, está direccionada para o nascer helíaco de Sirius naquela época, isso acontecia no dia 15 de Julho em 54 a. C. a esta orientação é dado o nome de orientação ramesida, devido a Ramsés II e ao Ramaseum. Cientistas encontraram blocos do tempo do Império Novo nos blocos da parte ptolemaica e nas suas fundações. Estas fundações levam a querer que o templo de orientação ptolemaica foi portanto construído por cima de ruínas do período do Império Novo.
Mais dados para a datação do Zodíaco
Através dos fenómenos astronómicos a datação pode surgir em diferentes fases:
No Zodíaco de Dendera vemos a representação de um eclipse lunar ao lado da constelação do Peixe, é por isso normal acreditar que a sua datação é dessa época.
Existe também um eclipse do Sol:
Portanto, é evidente que o Zodíaco representa os acontecimentos celestes desse determinado período na história Egípcia a contar do período Ptolemaico.
A Deusa Hathor:
A Deusa Hathor "moradia celeste de Horus", deusa do céu, é frequentemente representada como divindade com orelhas de bovino, símbolo da fecundidade. É ela a regedora do amor divino, humano e da alegria. O seu local de maior culto era em Dendera.
O céu escrito:
O circulo celeste, representado pelo Zodíaco, é suportado por doze deuses, quatro femininos e oito de joelhos (Figura 4,3). Os deuses com cabeça de falcão simbolizam a eternidade, dando assim um princípio intemporal a cena celeste. As deusas dão o quadro espacial, cada uma indica um ponto cardinal perfeitamente orientado. Ao lado de cada deusa está escrita em hieróglifo o seguinte ritual:
"Suporto o céu sobre o cimo da minha cabeça, sem me deslocar cada dia que passa, o Horizonte do meu mestre, este circula enquanto Sah (Orion) na sua mãe Nut "
Outro texto, trás ainda mais precisão acerca do significado de tal monumento:
"O céu de ouro, o céu de ouro, é Isis a grande, mãe de Deus,
mestre do monte primogénita onde nasceu a deusa que toma lugar em Dendera,
é o céu de ouro.
Os grandes deuses são suas estrelas:
Harsiesis, seu deus da manha (Vénus)
Sokar, a sua via láctea
O Jovem Osíris, a sua estrela visível (Canope)
Osíris, a Lua
Orion, seu deus
Sothis, sua deusa (Sirius)
Entram e saíam para os mortos no vale infernal. "
Paradoxalmente, embora este monumento seja sobejamente conhecido, nenhum estudo desta tradução foi feito ao longo dos tempos, ficando desta forma diferentes figuras hipoteticamente mencionadas, é o caso de Sokar e de Canope.
É.Aubourg (Astrofísico) e S. Cauville (Arqueóloga) deslocaram-se até o local e observaram as estrelas no céu de Outubro, pouco antes do nascimento do sol depois do "afundamento" da ursa maior identificaram a via láctea, Vénus, Orion, Sirius e Canope. Todos esses elementos estão desenhados no Zodíaco.
Mas antes de passar a visualização "tintin-por-tintin" do zodíaco, convêm referir mais alguns dados:
Características:
2,55 x 2,55 m
Orientação cardinal
Existência das 12 constelações do zodíaco.
Existência dos 5 planetas conhecidos.
A Divisão do Zodíaco:
Os Planetas:
Mercúrio: O deslocamento de Mercúrio aparece rapidamente e algo difícil de observar ao olho nu. Mercúrio surge tanto no Oeste depois do por do sol, como a Este antes do nascer e sempre próximo do horizonte. Um dos nomes Egípcios de Mercúrio era "O Inerte", como se os antigos astrónomos egípcios quisessem demonstrar a sua preguiça em viajar mais acima na abobada celeste.
Vénus: Vénus é o astro mais brilhante do céu, depois do Sol e da Lua. O seu brilho pode atingir até 12 vezes o de Sirius. A semelhança de Mercúrio, Vénus parece viajar muito próximo do Sol. Na iconografia Egípcia, Vénus tem duas caras, talvez se referem aqui a uma visão diurna e outra nocturna. Para os Egípcios Vénus era o filho de Osíris – Harsiesis, mas também em alguns casos personificava Isis.
Marte: A Ideia de Marte deus da guerra foi concebida um milénio antes dos gregos pelos Egípcios, para eles era Horus o Vermelho, o guerreiro, vingador de seu pai (lenda de Osíris).
Júpiter: Júpiter foi assimilado pelos Egípcios como deus Osíris, isto é, o Deus mais querido dos Egípcios. Para eles Osíris representava o poder supremo, e era depositado nele toda a lei do Maat e a regência dos deuses.
Saturno:Horus, o touro.
Em suma, temos a representação dos cinco planetas conhecidos na época, com as suas apelações e atributos divinos. Para os antigos Egípcios a visualização destes planetas nos céus nocturnos e a sua representação no zodíaco de Dendera permitia um determinado domínio sobre os seus inimigos, pois a ciência era algo dado apenas a quem tinha domínio sobre os outros.
Figura 4.3 – Zodíaco de Dendera
As Constelações:
Figura 4.4 – representação da eclíptica
Figura 4.5 – representação das constelações do zodíaco do Zodíaco de Dendera
As outras constelações:
É aqui que se encontra a maior ligação entre a astronomia do tempo de Ramsés e Seti I e a época Ptolemaica, a figuração, apesar de ter sofrido alguma evolução, permanece no seu geral idêntica a figuração antiga. Aqui voltamos a ver o hipopótamo a representar a constelação actual do Dragão, a pata do bovino a representar Mesketiu (a ursa maior). No entanto, é em relação a ursa menor que houve uma maior evolução na concepção do universo para os antigos Egípcios. Pois, como vimos no artigo anterior, na época das pirâmides a ursa menor não representava o pólo Norte, e era uma constelação de menor importância… agora, na época Ptolemaica, ela apodera-se da posição mais importante no zodíaco - a posição central, o que lhe dá o titulo de "indicadora do pólo Norte" (Figura 4.6).
A Cassiopeia é aqui representada na região Norte (como deveria ser) com a figura de babuíno. O Cisne, a Lira e o Boieiro também constam nesse novo mapa estelar.
Na região Equatorial, temos Oficus, que é considerada como a 13ª constelação do zodíaco, normalmente ela representa um homem com uma serpente, mas neste caso representa o deus Rá sentado num trono com a serpente a servir de barca.
Orion, é aqui representado como sempre o foi, desde o texto das pirâmides (cerca de 2300 a. C.) Orion é o condutor das estrelas no céu do Sul e é considerado a alma de Osíris.
Figura 4.6 – As constelações Norte no Zodíaco de Dendera.
Sirius esta colocado ao lado da constelação de Orion, assimilada a Sothis – imagem de Isis, na região de Assouão. Esta estrela importantíssima para os egípcios em relação ao calendário, era também ponto de partida para o posicionamento e orientação dos templos egípcios, assim sendo, em 54 a.C. o eixo sagrado do templo de Hathor em Dendera é dado pela orientação de Sirius depois do azimute do nascer a 108º40’.
No Zodíaco também estão representadas constelações do hemisfério Sul, entre as quais: Canope e a coroa astral.
Conclusão:
Em suma, o Zodíaco situado em Dendera, é a representação mais fiel dos céus datada da época Ptolemaica, dele podemos reter algumas conclusões acerca da vivência e modos de encarar os céus dos antigos egípcios. Existem ainda muitas perguntas acerca da astronomia dos antigos egípcios, da sua concepção do cosmo, e da sua relação perante ela.
É de facto importante estudar-mos o nosso passado, pois através dele entendemos melhor o nosso presente e prepara-mos melhor o nosso futuro.
Bibliografia
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