O sistema de Júpiter



Notas de Galileu sobre as suas observações do sistema Joviano
Corria o ano de 1609 quando Galileu, tendo tido notícias do desenvolvimento de um novo instrumento óptico, construiu o seu primeiro perspicillum e o utilizou para observar as maravilhas celestes. Uma das suas primeiras descobertas, em Janeiro de 1610, foi a de alguns pontos luminosos que se avistavam junto ao planeta Júpiter. Depressa o cientista italiano se apercebeu do número e das movimentações dessas luzes distantes, e concluiu que se tratavam de luas do grande planeta. Para ele, defensor do sistema copernicano, estes satélites eram uma clara prova de que nem tudo na esfera celeste se deslocava em torno da Terra.

Curiosamente, ao publicar em Março de 1610 o Sidereus Nuncis, em que anunciava ao mundo os resultados das suas observações do céu com o novo instrumento, Galileu chamou a estes novos habitantes do firmamento “Estrelas Medicianas”, já que estava a tentar obter os favores (e um emprego) da poderosa família florentina. Os nomes pelos quais conhecemos actualmente estas luas de Júpiter, a que também se chama satélites galileanos – Io, Europa, Ganimedes e Calisto – acabaram por ser atribuídos em 1614 por um outro astrónomo, o alemão Simon Marius, que os descobriu aproximadamente na mesma altura em que o italiano o fez. Os nomes vieram da mitologia, claro, e pertencem a “conquistas” de Júpiter – um deus a quem são “conhecidas” inúmeras aventuras amorosas...


Diagrama das órbitas de satélites interiores e anéis de Júpiter. Créditos: NASA
Em 1612 já Galileu tinha determinado os períodos orbitais destes quatro satélites, e conseguia prever as suas posições no céu. Chegou mesmo a propor a várias potências marítimas da época um sistema para a determinação da longitude baseado nas previsões dos eclipses das luas de Júpiter. Este sistema acabou por ser utilizado apenas em terra firme, e o problema da determinação da longitude no mar só veio a ser resolvido muitos anos depois.

Os satélites e os seus eclipses tiveram ainda um papel fundamental na primeira determinação da velocidade da luz, realizada pelo astrónomo dinamarquês Ole Römer, em 1675. Este primeiro resultado ficou um pouco abaixo do valor aceite na actualidade, mas afastou decisivamente a ideia de que a luz se propagava de forma instantânea.

Durante muito tempo, as luas de Júpiter não foram mais do que pequenos pontos de luz nos telescópios terrestres. Nos fins do século XIX, pensava-se com alguma certeza que elas se encontravam em rotação síncrona, isto é, que mantinham sempre a mesma face virada para Júpiter, tal como a Lua em relação à Terra. Mas quanto às suas superfícies, elas eram um mistério; apenas eram assinaladas algumas bandas nas superfícies de Io e Ganimedes. Já no século XX foram determinadas as massas e, com alguma margem de erro, as densidades destes grandes satélites, concluindo-se que os dois mais próximos do planeta (Io e Europa) são mais densos que os exteriores.


Diagrama das orbitas dos satélites irregulares de Júpiter. Crédito: NASA
E durante alguns séculos apenas estes quatro grandes corpos - dois dos quais (Ganimedes e Calisto) maiores que o planeta Mercúrio - foram conhecidos. Só em 1892 o astrónomo americano Barnard descobriu um quinto satélite, pequeno e próximo do planeta. Entre 1904 e 1974 foram descobertas mais oito luas, estas distantes e em órbitas inclinadas. E foi preciso esperar por 1975 para que a IAU “baptizasse” oficialmente o quinto satélite (Amalthea, uma cabra que amamentou Júpiter na infãncia) e depois os outro oito, com nomes de amantes do rei dos deuses.

Sabemos hoje que Júpiter, com a sua tremenda massa, arrasta à sua volta um enorme cortejo de satélites. Quantos, exactamente? Bem, pela última contagem... 63. A maior parte destes são verdadeiros calhaus do espaço, de reduzidas dimensões e formas estranhas, provavelmente asteróides capturados pelo gigante gasoso, e descobertos a partir da Terra graças à tecnologia CCD.

Os satélites de Júpiter são normalmente divididos em categorias: os regulares (os quatro pequenos e próximos do planeta, e os quatro grandes satélites galileanos), que seguem órbitas circulares no plano equatorial do planeta; e os irregulares, com órbitas excêntricas e inclinadas. Neste grupo ainda se distinguem os que têm órbitas retrógradas (no sentido contrário ao da rotação do planeta) dos que seguem no sentido “correcto”. Como é fácil de admitir, pouco se sabe sobre estas últimas luas – nalguns casos, nem as suas órbitas estão ainda completamente estabelecidas.


A sonda Voyager. Crédito: NASA
Mas o conhecimento humano sobre o sistema joviano só começou realmente a ampliar-se com a passagem das quatro primeiras sondas inter-estelares (uma designação que se justifica, já que as suas trajectórias as levam decididamente para fora do Sistema Solar), as Pioneer e as Voyager.

O programa Pioneer foi aprovado pelo Congresso americano em 1969, com o objectivo de reconhecer o espaço interplanetário entre a Terra e Júpiter (nenhuma sonda se arriscara ainda a enfrentar a Cintura de Asteróides), e de realizar observações sobre o planeta gigante. Foram construídas três sondas, duas das quais foram designadas para cumprir a missão. A 2 de Março de 1972, a Pioneer 10 foi lançada por um foguetão Atlas-Centaur, levando a bordo uma placa com uma mensagem da Humanidade para as estrelas. A Pioneer 11 seguiu os passos da sua irmã mais velha, mas apenas mais de um ano depois, a 5 de Abril de 1973. Desta forma, a sua trajectória podia ser modificada em face do que sucedesse à Pioneer 10. Esta teve a sua maior aproximação a Júpiter no dia 3 de Dezembro de 1973, passando a 130 000 km do topo das nuvens do planeta e obtendo as primeiras imagens com algum detalhe do maior planeta do Sistema Solar. Um ano depois, a 2 de Dezembro de 1974, a Pioneer 11 aproximou-se até apenas 34 000 km. Ambas as sondas sobreviveram ao encontro com o gigante e a sua tremenda radiação, e prosseguiram as suas missões inesquecíveis.

As observações destas duas sondas no sistema joviano foram muitas, mas relativamente pouca atenção foi dedicada aos satélites (e do que foi descoberto falaremos nas próximas semanas).


Sistema de Aneis de Júpiter. Crédito: NASA
Entretanto, a NASA planeava já a próxima missão, utilizando o conceito do “Grand Tour”, que permitia utilizar assistência gravitacional de um planeta para mais facilmente alcançar o seguinte. Embora a missão tenha acabado por ser reduzida em relação ao plano inicial (duas sondas para Júpiter, Saturno e Plutão, e outras duas para Júpiter, Urano e Neptuno!), as duas Voyager, 1 e 2, acabaram por ser lançadas em 1977 por foguetões Titan-Centaur. São duas sondas de grandes dimensões, pesando quase uma tonelada cada, e também elas prosseguem ainda hoje as suas missões em direcção ao espaço interestelar, com as suas elaboradas mensagens da Terra para o Cosmos a bordo.

Os seus encontros com Júpiter ocorreram em 1979 (5 de Março para a Voyager 1, 9 de Julho no caso da Voyager 2). As descobertas relativas ao planeta e ao seu sistema foram numerosas, incluindo novos satélites e a presença de anéis (embora dificilmente comparáveis aos de Saturno).

Mais recentemente, a sonda Galileo passou vários anos em órbita de Júpiter, resolvendo algumas questões e levantando muitas outras, como é habitual em ciência. Foi uma missão extraordinária, de grande sucesso, e as informações recolhidas formam a base do conhecimento actual sobre o grande planeta e os corpos que o acompanham na sua viagem à volta do Sol.