A Estrela de Belém



A Adoração dos Magos – Díptico Bargello– (1380-90) – Artista desconhecido – Museo Nazionale del Bargello, Florença. Crédito: © Web Gallery of Art
Vem aí o Natal.

Os contadores de histórias já chegaram, como costuma acontecer todos os anos por esta altura. Pararam na praça principal, em frente à igreja, e ao anoitecer acenderam um lume de chão. Está frio e já um grupo de pessoas se reuniu à sua volta procurando o calor do fogo e das vozes vivas. Aproximo-me também e, aos poucos, começo a ouvir o que elas dizem:

Dizem que uma estrela surgiu uma vez no Oriente e guiou três Reis Magos, Gaspar, Melchior e Baltazar, até Jerusalém. Dizem que nessa cidade vivia um rei orgulhoso que não sabia de nada. Dizem que quando os Magos perguntaram a esse rei onde tinha nascido outro Rei, mais importante, ele ficou em cuidados. Dizem que o rei orgulhoso, por sugestão dos seus conselheiros, mandou os Magos para Belém. Dizem que a estrela foi com eles. Dizem que ao chegar a Belém a estrela parou por cima de um curral, onde tinha nascido um Menino. Dizem que o Menino estava deitado nas palhinhas. Dizem que o acompanhava sua mãe, Maria, e também José. Dizem que havia ainda dois animais, um burro e uma vaca, que ajudavam a aconchegar o Menino. Dizem que os Magos reconheceram nesse Menino o Rei e que lhe prestaram homenagem. Dizem que lhe ofereceram ouro, incenso e mirra. Dizem que um anjo foi depois avisar os pastores e também eles vieram, trazendo os cordeiros consigo. Dizem que os pastores cantaram Glória a Deus, porque tinha nascido o Salvador do Mundo...

Os contadores de histórias continuam a contar histórias, que as crianças escutam com ouvidos atentos e os olhos arregalados, mas eu vou andando, que se faz tarde. Não acredito em tudo o que eles contam, já ouvi esta e outras histórias muitas vezes, mas mesmo assim detenho-me sempre um bocadinho, não consigo evitar.

No adro da igreja, Natal após Natal, faz-se o presépio. E pairando sobre a cabana, que representa o curral onde Maria teria dado à luz o Menino, suspende-se uma estrela.

Em tempos, lá em casa, também havia um presépio e uma estrela que era a peça mais bonita do conjunto, simplesmente porque era a mais brilhante. Todavia, nem sempre fora assim. Tinha começado por ser apenas uma estrela pintada de amarelo, bonita, mas não excepcional. Só que um dia, num descuido, deixei-a cair para o chão e partiu-se.

Porquê? As estrelas não se partem!

Partem sim. E explodem. E nascem e morrem, como todos nós, mas na altura eu não sabia nada disso. Acreditava, porque alguém assim me tinha dito, que a estrela era a representação de um espírito divino, que é eterno, e por isso nada de grave lhe poderia acontecer... Mas depois chegou a mãe, com um tubo de cola, tinta prateada e uma caixa de minúsculas contas brilhantes e ajudou a consertar o estrago, com tanta habilidade que o resultado foi admirável e toda a gente confiou que era uma estrela nova.

Nesse dia descobri que as estrelas do presépio se podem reconstruir. Mais tarde percebi que também as estrelas reais se "restauram", se tivermos ao nosso alcance o equipamento e a técnica adequados, para vermos o que não podemos e até onde não chegamos. Umas quantas lentes gigantescas, umas pinceladas de luz visível, outras de ultravioleta ou de infravermelho, uns salpicos de raios-X e eis a realidade, tão bela quanto queiramos que seja. O resto é só um conjunto de números, equações e teorias matemáticas.

Olho para o céu e observo as estrelas à vista desarmada. Parecem apenas pequenos pontos brilhantes, mas já nos guiaram até lugares bem distantes, tanto na Terra como no espaço exterior, e acredito que ainda nos farão transpor muitas fronteiras desconhecidas. Viro-me para trás, observo os contadores de histórias e esboço um sorriso... mesmo que seja apenas uma lenda, percebo a razão de ser do conto da Estrela de Belém, que eles não se cansam de repetir. Há quanto tempo o contarão? Dizem que há dois milénios, o que não deixa de ser muito tempo, pelo menos para nós humanos. Certamente não o terão contado sempre da mesma maneira... Fiquei curiosa e acho que vou experimentar conhecer melhor as diferentes versões desta história. Não, não estou à espera de descobrir alguma verdade absoluta, vou antes deixar-me envolver por uma sequência de conjecturas que devem ser bem curiosas.

Pois então, vou para casa ler umas coisas! Mas, não... não se vão embora. Prometo que volto para vos contar o que tiver aprendido.

Ao longo das próximas semanas vamos apresentar os seguintes temas:


Autoria:

Teresa Direitinho
www.teresadireitinho.com

Referências:

Bíblia
Ferguson, Diana - The Magical Year - Labyrinth Publishing (UK) Lda., 1996
Heródoto de Helicarnaso - http://www.herodotuswebsite.co.uk/
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Kepler, Johannes - De Stella nova in pede Serpentarii - Praga, 1606
Kidger, Mark - The Star of Bethlehem: An Astronomer's View - Princeton University Press, 1999
Latham, Ronald - The Travels of Marco Polo - Penguin Books, 1958
Marco Pólo - The Travels of Marco Polo - Projecto Gutenberg - http://www.gutenberg.net/etext/10636
Martin, Ernest L. - The Star that Astonished the World - Associates for Scriptural Knowledge, Portland, 1996
Molnar, M.R. - The Star of Bethlehem: The Legacy of the Magi - Rutgers University Press, 1999
Moore, Patrick - The Star of Bethlehem - Canopus Publishing Limited, Bath, 2001
O Novo Testamento em Grego http://dubitando.no.sapo.pt/NT.htm
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Whiston, William - The Works of Flavius Josephus - http://www.ccel.org/j/josephus/JOSEPHUS.HTM
Sigismondi, Costantino - Mira Ceti and the Star of Bethlehem - http://www.quodlibet.net/sigismondi-mira.shtml
Sinnott, R.W. - Computing the Star of Bethlehem - Sky & Telescope, 72, 1986
Star of Bethlehem - http://www.bethlehemstar.net/