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"Os problemas mais importantes não podem ser solucionados com o mesmo nível de pensamento com o qual os criamos."
- Albert Einstein


As mulheres na Astronomia

2007-03-29
Os registros mais antigos de mulheres voltadas para as práticas astronômicas remontam a 6.000 anos a.C. No entanto, foi necessário esperar pela dinastia do imperador babilônico Sargão I, o Grande (2334-2279), da Acádia para identificar com precisão a primeira astrônoma da história: En-Hedu-Anna, que viveu por volta de 2.300 a.C.

Além de ter sido a primeira princesa na história a ocupar o posto de grande sacerdotisa servidora de Nanna – o deus-lua sumeriano –, uma das mais importantes divindades mesopotâmicas, na cidade de Ur. En-Hebu-Anna é freqüentemente identificada como filha do rei Sargão da Acádia; mas, tal atribuição não significa que fosse, de fato, sua descendente. Trata-se, mais provavelmente, de um título honorifico a respeito do qual os historiadores ainda especulam. En-Hedu-Anna é geralmente considerada portadora de enorme erudição. Ela dirigiu os observatórios babilônicos.

Lamentavelmente, as tábuas com os seus conhecimentos sobre astronomia desapareceram, só restando os seus poemas. Em conseqüência, ficou mais conhecida como a autora de 42 hinos relativos aos templos acádios em diferentes cidades e três hinos (em sua maioria poemas narrativos). A primeira prova arqueológica de sua existência consiste num disco de alabastro (hoje no Museu da Universidade de Pensilvânia, nos Estados Unidos), descoberto por Sir Leonard Woolley em 1925.

A egípcia Aganike (cerca de 1878 a C.) ficou conhecida pelos seus talentos como filósofa e astrônoma durante o reinado de seu pai Sésostris (século XIX a.C.). Todavia, foi depois da grega Aglaonike ou Aglaonice de Thessalia (século V a.C.), que explicou os eclipses de Lua, que a situação das mulheres astrônomas começou a ser discutida pela sociedade. Segundo Apolônio de Rhodes, Aglaonike viveu na Grécia, onde era considerada uma bruxa em virtude das suas previsões sobre os eclipses. Uma cratera em Vênus foi batizada com seu nome.

A situação crítica da mulher alcançou seu paroxismo trágico por ocasião do assassinato da astrônoma, matemática e filósofa Hipátia (370–415 d.C), residente em Alexandria, Egito. Escreveu e comentou sobre as obras de Diofanto, Cláudio Ptolomeu e Apolônio de Perga. Foi reconhecida como a principal mente da escola filosófica neoplatônica de Alexandria. Sua eloqüência, beleza e dotes intelectuais atraíam uma grande quantidade de alunos. Foi convidada a tomar lugar na cadeira que Plotino ocupava na Biblioteca de Alexandria. Inventou o hidrômetro, aparelho que mede a gravidade específica de um líquido, e o astrolábio, aparelho usado para localizar astros no céu. Sobre ela escreveu Sócrates, o Escolástico:

"Havia em Alexandria uma mulher chamada Hipátia, filha do filósofo Theon, que fez tantas realizações em literatura e ciência que ultrapassou todos os filósofos de seu tempo. Tendo progredido na escola de Platão e Plotino, ela explicava os princípios da filosofia a quem a ouvisse, e muitos vinham de longe receber seus ensinamentos." A Vida de Hipátia, em História Eclesiástica."


Hipátia simbolizou o aprendizado e a ciência, que os primeiros cristãos identificaram com o paganismo. Por este motivo foi cruelmente assassinada por uma turba de cristãos fanáticos, formados por monges e seguidores do bispo Cirilo.

O único nome que emergiu do período medieval foi a da erudita astrônoma alemã Hildegarda de Bingen (1098-1179). Neste período, as mulheres versadas em astronomia estiveram sempre associadas às bruxas, sendo a maioria delas condenadas e queimadas vivas nas fogueiras. A oposição à atividade feminina na observação astronômica se prolongou até o Renascimento.

A partir de 1600, os nomes das mulheres começaram aparecer com regularidade nos anais da astronomia. No entanto, todas viveram à sombra dos homens, pai, irmão ou cônjuge cientistas a quem ajudavam em seus trabalhos, colaboravam na redação, nos cálculos e nas classificações. Em geral, prosseguiram as pesquisas e as tarefas dos seus maridos, depois da morte, completando-as com paciência e precisão. Infelizmente, elas tiveram que lutar para ter acesso aos conhecimentos assim como os seus direitos reconhecidos.

Algumas características tidas como femininas - habilidade manual, dedicação, paciência e persistência – ajudaram-nas muito no trabalho científico. É nisso que as mulheres levam vantagens em relação aos homens. No entanto, foi a paixão e a persistência que as salvaram do ostracismo.

A astrônoma dinamarquesa Sophie Brahe (1556?-1643) era assistente científica muito silenciosa e brilhante do seu irmão, o astrônomo Tycho Brahe (1546–1601). Sua atividade como astrônoma foi relatada pelo astrônomo francês Pierre Gassendi (1592–1655) em De Tychonis Brahei Vita:Tychonis Brahei Vita: "ela foi uma perita em matemática e astronomia, estudos aos quais se dedicou com grande entusiasmo".

A astrônoma silesiana Maria Cunitz (1604-1664), além de tradutora dos trabalhos de Kepler, dedicou-se à melhoria das tábuas astronômicas. Com a obra Urania propitia (Oels-Silesia, 1650), Cunitz conseguiu uma simplificação das Tabuas Rudolphianas de Kepler e ganhou uma enorme reputação na Europa. Alem de aperfeiçoar as efemérides, encontrou uma solução mais elegante para o problema de Kepler.

A astrônoma polonesa Elizabeth Hevelius (1646-1693), segunda esposa do astrônomo alemão Johann Hevelius (1611-1687), publicou dois catálogos estelares importantes. Após o falecimento do marido, publicou Firmamentum Sobiescianum (1690), último catalogo e atlas com 56 folhas, realizado com base em observações feitas a olho nu, no qual foram traçadas sete novas constelações até hoje em uso.

A astrônoma alemã Maria Margareth Kirch ou Maria Margareth Winckelmann (1670-1720) aprendeu astronomia com o fazendeiro alemão Christoph Arnold (1650-1695), um apaixonado pela pesquisa astronômica que, além de ter descoberto o grande cometa de 1863, observou o trânsito de Mercúrio pelo disco solar em 31 de outubro de 1690. Em 1686, o astrônomo alemão Gottfried Kirch (1693-1710) então viúvo instalou-se na cidade de Leipzig, onde conheceu Maria Margareth com quem se casou. Mais tarde, ela descobriu o cometa de 1702.

Caroline Herschel (1750-1848), apaixonada pela astronomia, especializou-se no polimento dos espelhos dos telescópios construídos pelo seu irmão – o famoso músico e astrônomo inglês de origem germânica, William Herschel, descobridor do planeta Urano - para ajudá-lo. Ela também fabricava os tubos dos telescópios em papelão. Trabalhadora incansável, ela descobriu um cometa em 1786, o primeiro dos nove que descobriu em onze anos. Foi a primeira mulher a receber uma remuneração pelos seus trabalhos.

A tolerância em relação às astrônomas começou a mudar um pouco com Mary Fairfax Grieg Somerville (1780-1872) – famosa pela tradução para o inglês da obra Traité de mécanique celeste (1799-1825, Tratado de mecânica celeste) do matemático e astrônomo francês Pierre Simon de Laplace,(1749-1827) -, que liderou as primeiras lutas "feministas" de seu tempo, a favor dos direitos das mulheres.

É nessa época que surgem as sátiras contra as mulheres, como por exemplo,Les Femmes savantes (As mulheres sábias ,1672) do escritor francês Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molière (1622-1673) Até o século XVII, as grandes descobertas eram tratadas através dos tratados científicos. Porém, a partir da revolução científica surgiram as grandes edições de obras com objetivo de popularizar a ciência. Por exemplo, a obra Entretiens sur la pluralité des mondes (A pluralidade dos mundos habitados, 1686) do escritor francês Bernard Le Bouyer de Fontenelle (1657-1757), era dedicada às damas.

No século XVIII apareceram as primeiras enciclopédias específicas para as mulheres em ciências naturais e medicina. Assim por exemplo, o astrônomo francês Jérôme de Lalande (1732-1807), em sua Astronomie des Dames (1786) desenvolveu o gênero da literatura científica chamada “para as damas”, na qual incluiu uma breve história sobre as astrônomas. Talvez essa tenha sido a primeira história da ciência, na qual a contribuição das mulheres para a ciência não foi esquecida.

Realmente, com o Renascimento e, em seguida, com a Revolução científica, foi o interesse das mulheres pela ciência se generalizou. Muitos são os fatores que intervêm, entre eles o clima no qual se discutia sobre a educação da mulher, que se estendeu por quase 200 anos aproximadamente.

Convém recordar que, a partir do século XVI, ocorreu uma mudança com respeito à Idade Média. A opinião clerical ensinava que o ensino das ciências à mulher adicionaria a maldade “à malícia natural que elas tinham”. Acreditavam que isso constituiria uma ameaça à ordem constituída e conduziria a uma displicência das tarefas domésticas e, finalmente, à discórdia nos casamentos.

Esse modo de ver conduziu a idéia de que a mulher não estava preparada para os assuntos científicos. Apesar das mulheres demonstrarem, desde a revolução científica, interesse na participação dos estudos de “filosofia natural”, que incluía praticamente todas as ciências excluindo a matemática e a astronomia, quem se dedicava a essas disciplinas eram os “sábios” amadores. Não se empregava o termo “cientista” para designar o profissional até o século XIX.

Na segunda metade do século do XIX, nos Estados Unidos, o preconceito contra as mulheres era ainda forte na comunidade científica. Ele só começou a cessar diante do talento e da qualidade do trabalho feminino. De início, as astrônomas dedicaram-se à astronomia de posição, à astrofotografia, à fotometria e, mais tarde, especialmente, à espectroscopia. As mulheres, como Maria Mitchell (1818-1889) começaram a ensinar a astronomia em 1876. Os observatórios, como o de Harvard, começaram a contratar algumas mulheres como Annie Jump Cannon (1863-1941), que teve grande sucesso ao classificar mais de 400.000 estrelas em nove catálogos, sem falar de seus outros trabalhos. Mas foi necessário esperar quase um século para ver as mulheres adquirindo uma quase-paridade econômica e acadêmica com os colegas masculinos.

No mundo da astronomia moderna, o casal Shoemaker ocupou um lugar privilegiado. Os seus trabalhos são quase inseparáveis. Eugène Shoemaker (1928-1997) confiou à sua esposa Carolyn Jean Spellman Shoemaker (1929- ), a observação do céu, em particular, a pesquisa de asteróides e cometas. Em 1982, Carolyn descobriu um NEO - Near Earth Object (Objeto próximo à Terra) -, um asteróide assim denominado por passar relativamente perto da Terra. Desde então, a paixão pelos cometas e asteróides não a abandonou. Em onze anos de trabalho, ela identificou 32. O conjunto dos trabalhos realizados por Carolyn e Eugène valeu ao serem recompensados pela NASA o título de "Cientistas do Ano" em 1995.

A astrônoma Vera Rubin (1928-) que estudou os movimentos e rotações das galáxias, foi a primeira mulher que conseguiu trabalhar no Observatório do Monte Palomar, Vera Rubin foi também a primeira mulher que conseguiu sucesso ao conciliar sua profissão de astrônoma com suas responsabilidades caseiras. Vera Rubin teve uma mestra excepcional, Margaret Peachery Burbridge (1919- ), pioneira na medida da velocidade de rotação das galáxias. Apaixonada pelos "quasares", Margaret Burbridge formou com seu marido Geoffrey Ronald Burbridge (1925- ) e os amigos William Alfred Fowler (1911-1995) e Fred Hoyle (1915-2001), o Quarteto B2FH, a quem se deve, desde 1964, a idéia de "colapso o núcleo de buraco negro maciço". As últimas descobertas cosmológicas não impediram que os Burbridges se opusessem, por razões estritamente científicas, à idéia do Big Bang.

Margaret Burbridge, Vera Rubin e depois dela também, Susan Jocelyn Bell Burnell (1943-) - especializada em astronomia no infravermelho e a quem se deve à descoberta dos pulsares -, foram precedidas por numerosas astrônomas que lhes abriram o caminho. Especializadas nestes “objetos complexos”, elas desenvolveram a espectroscopia. No entanto, como a análise espectral não fosse suficiente para permitir entender a organização das estrelas compreende-se que era necessário também classificá-las, ferramenta essencial da astronomia moderna, a classificação estelar remonta à Antigüidade, com os catálogos de Hiparco e Ptolomeu (c. 120 a.C).

O grande desenvolvimento desta ciência deve-se ao astrônomo norte-americano Edward Charles Pickering (1846-1919), diretor do Observatório de Harvard (HCO), que cercou-se de uma equipe feminina – que ficou conhecido como o harém de Pickering. capaz de realizar tarefas exigentes repetitivas.

Entre as mais famosas dentre elas, encontravam-se Williamina Fleming (1857-1911), Antonia Maury (1866-1952) e Annie Cannon (1863-1941), todas as três astrônomas responsáveis pelos novos sistemas de classificação das estrelas utilizados até hoje.

Henrietta Swan Leavitt (1868-1921), nomeada por Pickering como chefe do departamento de fotometria estelar e de classificação estelar, foi quem estabeleceu a relação período-luminosidade das Cefeídas. Henrietta Leavitt deveria ter recebido o prêmio de Nobel. Em 1925, quando a Academia das Ciências da Suécia anunciou que iria propor seu nome descobriu-se que ela já havia falecido há quatro anos, pois a sua morte ocorrida em 1921 teve pouca repercussão.

A astrônoma Cecília Helena Payne-Gaposchkin (1900-1979), primeira mulher nomeada chefe do departamento de astronomia da Universidade de Harvard, em 1956, dedicou-se à pesquisa das três ou quatro mil estrelas variáveis das Nuvens de Magalhães.

Convém lembrar que Vera Rubin teve que esperar anos antes que lhe permitissem, em 1965, observasse ao telescópio de 5 metros do Monte Palomar, porque, aparentemente era proibido que uma mulher fizesse trabalhos de observação. Cecília Payne Gaposhkin (1900-1979), uma das grandes entre todas as astrônomas do século, só alcançou cátedra em Harvard depois de trinta anos de trabalho e ensino.

Na América Latina, existe uma quantidade considerável de mulheres na astronomia, cerca de 30 a 40% do total. O mesmo acontece na Espanha, França e Itália. Elas são minorias nos países anglo-saxônicos, onde ainda existe um pouco de discriminação.

No Brasil, a primeira astrônoma profissional foi Yeda Veiga Ferraz Pereira (1925-), que trabalhou no Observatório Nacional, na década de 1950. Mais tarde, a partir dos anos 1980, com a criação dos cursos de astronomia na Universidade do Brasil e o maior incentivo à pesquisa astronômica, o número de astrônomas cresceu de maneira notável.

Uma delas é Rosaly M.C. Lopes-Gautier que depois de estudar na Inglaterra, atualmente faz parte do programa Galileo de exploração do planeta Júpiter.

Astrônoma brasileira Beatriz Barbuy(1950- ), após estagiar no Observatório de Meudon, doutorou-se pela Universidade de Paris, em 1982. Dedica-se à astrofísica estelar, em particular, ao cálculo dos espectros moleculares nas estrelas, no Instituto Astronômico e Geofísico, da Universidade de São Paulo. Em seus estudos das estrelas de fraco teor metálico, com o objetivo de explorar a formação da Via-láctea, fez valiosas contribuições com relação às estrelas do núcleo da nossa Galáxia. Como pesquisadora e professora na USP, teve um importante papel no desenvolvimento da astrofísica no Brasil, assim como na formação de numerosos jovens pesquisadores, alguns deles de reputação internacional. Atualmente é vice-presidente da União Astronômica Internacional.

Hoje, muitas mulheres se dedicam às carreiras científicas, mas foram necessários muitos anos de lutas nessa direção. No entanto, ainda permanecem muitos preconceitos que precisam ser combatidos e eliminados. Com a sua persistência, o seu trabalho e a sua preocupação em ultrapassá-los vão se transformar em líderes tão competentes e tão qualificadas quaisquer outros astrônomos.

Tão logo essas astrônomas de renome mundial se juntaram ao mundo estelar que as absorveu durante toda a vida, numerosas são as que, hoje novamente, continuam inspecionar a abóbada celeste até os confins do universo interrogando as estrelas para nós.

(*) Astrônomo, criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, escreveu mais de 85 livros, entre outros, Anuário de Astronomia e Astronáutica 2007. Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com