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Arthur Clarke, um visionário da ficção científica

2008-04-18
Arthur Charles Clarke, mais conhecido como Arthur C. Clarke nasceu em Minehead, Somerset, em 16 de dezembro de 1917 e faleceu no Sri Lanka em 18 de março de 2008.

Desde jovem mostrou uma fascinação pela astronomia, a ponto de utilizar um telescópio caseiro, para desenhar um mapa da Lua. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu na Royal Air Force como especialista em radares, envolvendo-se no desenvolvimento de um sistema de defesa por radar, sendo uma peça importante do êxito na batalha da Inglaterra. Depois, estudou Física e Matemática no King's College de Londres. Foi um dos fundadores da British Interplanetary Society que presidiu durante dois períodos. Nessa época escreveu Interplanetary Flight (1950) e The Exploration of Space (1951), obras fundamentais de divulgação dos vôos espaciais.

Desde 1956, fixou residência em Colombo, no Sri Lanka (Ceilão), em virtude do seu interesse pela fotografia e exploração submarina, onde permaneceu até à sua morte em 2008.

Ficou famoso não só pelos seus romances de ficção científica, mas principalmente por dois deles levados ao cinema, 2001: Uma Odisséia no Espaço (originalmente roteiro para o filme, baseado no conto “A Sentinela”) dirigido por Stanley Kubrick (1968) e 2010: O ano em que faremos contato dirigido por Peter Hyams (1984), sendo o primeiro considerado um ícone tão importante da ficção científica mundial que especialistas lhe atribuem forte influência sobre a maioria dos filmes do gênero que lhe sucederam.

Com Carl Sagan, Paul Newman e Isaac Asimov, Clarke participou da criação da Planetary Society – entidade direcionada para a exploração do espaço, com associados em todo o mundo – que, além de editar uma revista bimestral - Planetary Report -, estimula doações aos programas espaciais que, com esse objetivo, vêm realizando pesquisas na procura de sinais de vida extraterrestre.

Satélites de telecomunicações

Sem dúvida, a sua contribuição de maior importância foi a concepção do satélite de telecomunicação. Em outubro de 1945, Clarke publicou na revista inglesa Wireless World, o artigo cientifico intitulado "Extra-terrestrial relays — can rocket stations give world-wide radio coverage?" no qual estabelecia que os satélites artificiais poderiam se usados como relays – estações de repetição – para comunicação entre diversos pontos na superfície terrestre. Até então nenhum satélite artificial tinha sido lançado, o que iria ocorrer somente em 1957. Em seu ensaio, Clarke previu que um dia a comunicação ao redor do mundo seria factível por intermédio de uma rede de três satélites geoestacionários que, além de estarem situados a uma altura de cerca de 36 000 km e espaçados entre si por intervalos iguais, circulariam no plano do equador terrestre. Aproximadamente duas décadas mais tarde, 1964, Syncom 3 tornou-se o primeiro satélite geoestacionário a satisfazer a previsão de Clarke. Nesse mesmo ano, o Syncom 3 foi usado para cobrir os jogos Olímpicos de Tóquio, quando foi possível acompanhar todos os jogos em tempo real nos Estados Unidos – esta foi a primeira transmissão de televisão a atravessar o Oceano Pacífico. Agora, existem centenas de satélites em órbita permitindo a comunicação de milhões de indivíduos ao redor do globo terrestre. Em 1954, Clarke propôs que os satélites fossem utilizados na meteorologia. Hoje não podemos imaginar a previsão meteorológica sem os satélites meteorológicos. Olhando para trás em relação a estes desenvolvimentos em How the World Was One - Beyond the Global Village (1992), Clarke escreveu:

“Às vezes, receio que o povo na Terra deixe de considerar verdadeira importância das estações espaciais, esquecendo a competência, a ciência e a coragem daqueles que as tornaram realidade. Com que freqüência você faz uma pausa para pensar que todas as nossas chamadas telefônicas a longa distância e a maioria dos nossos programas de televisão são transmitidos através de um ou outro satélite? E com que freqüência você dá todo crédito aos meteorologistas pelo fato de que as previsões do tempo não são mais uma piada como foram para os nossos avós, mas com acerto por vezes de noventa e nove por cento?”

As três leis de Clarke

Arthur C. Clarke formulou três leis que se ocupam dos limites tecnológicos do possivel:
  • Quando um cientista de renome mas de idade avançada ou idoso [ou seja, mais experiente] estima que algo é possível, ele esta quase certamente com razão. Quando ele diz que algo é impossível, ele está muito provavelmente enganado.
  • A única maneira de descobrir os limites do possível, é aventurar-se um pouco além dele, através do impossível.
  • Toda tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da mágica.


No início, havia uma única lei, conhecida como a Lei de Clarke, enunciada no ensaio Hazards of prophecy: the failure of imagination (Os perigos da profecia: a falha da imaginação), publicado no livro Profiles of the future: an inquiry into the limits of the possible (1962, Perfis do futuro: um inquérito dentro dos limites do possível). A primeira lei vinha acompanhada de um conceito sobre o que seria a idade avançada: "Em física, matemática e astronáutica, significa acima dos trinta anos. Em outras disciplinas, a decadência senil é por vezes adiada até os quarenta anos. Claro que existem gloriosas exceções; mas, como qualquer pesquisador recém saído da faculdade sabe, cientistas acima dos cinqüenta só servem para reuniões de diretoria e devem ser mantidos fora do laboratório a qualquer custo."

Além dessa observação, existia uma menor, que na nova edição de Profiles of the future (1973, Perfis do futuro) foi reconhecida como uma segunda lei. A sugestão de transformá-la numa nova lei, agradou de tal maneira Clarke, que ele aceitou e acrescentou mais uma terceira – talvez a mais famosa – afirmando ironicamente que se os dois Isaacs consideraram suficiente três leis, ele não precisaria estabelecer mais nenhuma. Os Isaacs eram Isaac Newton e Isaac Asimov; o primeiro, o cientista inglês enunciador das Leis de Newton, e o segundo, o escritor de ficção cientifica norte-americano de origem russa que elaborou as Três Leis da Robótica.

As leis de Clarke deram origem a diversas versões, paródias e corolários. O próprio Asimov criou um corolário para a primeira lei de Clarke: "Se o público leigo apóia com fervor uma idéia considerada impossível pelo cientista de rennome e de idade avançada, este último está provavelmente certo." (Asimov's Corollary, The Magazine of Fantasy and Science Fiction, February, 1977)

No entanto, apesar de ter decidido modestamente em consideração aos Isaacs não propôr novas leis, Clarke continuou propondo algumas leis mais informais, assim como a lei : “Ler manuais de computador sem o hardware é tão frustrante quando ler manuais sobre sexo sem o software”, enunciada no apêndice 2 do livro The Odissey File (1984).

Mais tarde, o físico e escritor de ficção científica Gregory Benford (1941- ) elaborou uma versão alternativa da terceira lei: "Toda tecnologia distinguível da magia é insuficientemente avançada." (Foundation's Fear, 1997). Ironicamente, esta lei foi atribuída ao Imperador Cleon I, personagem criado por Asimov.

A terceira lei de Clarke codifica sem dúvida a mais significativa das raras contribuições à ficção especulativa. Um modelo para os outros escritores hard science-fiction, Clarke postulava por tecnologias avançadas sem se servir de conceitos equivocados da engenharia, sem explicações baseadas em ciência incorreta – característica típica da má ficção científica – e nem se aproveitava das tendências da pesquisa e da engenharia.

Elevador espacial

O conceito de elevador espacial – também batizada de torre orbital – foi apresentado ao grande publico pela primeira vez por Arthur C. Clarke no seu romance de ficção científica The Fountains of Paradise (1979). Clarke descreveu a construção a partir de uma estação espacial, de uma gigante torre destinada a constituir uma ligação fixa entre a superfície terrestre e um contra-peso em órbita geoestacionária. O equilíbrio do conjunto é assegurado pela permanência pela construção de um outro elemento da torre na direção oposta. Na realidade, o elevador espacial constitui uma sorte de funda de 36 mil quilômetros de comprimento…

Como fazia frequentemente, Clarke inspirou-se em trabalhos científicos reais, em particular no do cientista soviético Yuri N. Artsutanov. Em seu livro Dreams of Earth and Sky (1957), Artsutanov sugeriu usar um satélite geoestacionário como a base a partir da qual seria possível para construir a torre. Na realidade, a idéia é muito mais antiga, pois as primeiras reflexões sobre o assunto são de Constantin Tsiolkowski em 1885, mas este último pensou em elevar a sua torre a partir da superfície da terrestre como uma enorme torre Eiffel.

Em 1975, um outro norte-americano Jerome Pearson, propôs o emprego de uma estrutura em forma de uma longa fita, cuja extremidade teria o mesmo papel de um contra-peso. Durante um grande período, a idéia pareceu utópica, pois não existia um material bastante resistente. No entanto, com o aparecimento de um material bem resistente de grande estabilidade mecânica – os nanotubos de carbono –, a idéia do seu uso tornou mais factível a sua realização e deu mais credibilidade ao projeto. Em conseqüência, a Agência Espacial Européia (ESA) e a NASA passaram a se interessar mais seriamente no projeto. O elevador espacial poderá tomar a forma de um longo cabo dentro do qual circulariam os ônibus espaciais.

O norte-americano Brad Edwards, da fundação Californiana Eureka Scientific, descreveu em detalhe o método possível da construção do tal elevador. Primeiro, deveria se lançar um veículo espacial em órbita geoestacionária. Em seguida, a partir desse veículo, seria enviada para a Terra uma fina faixa (de um mícron de espessura), que apresentasse as características mecânicas especiais de resistência e leveza. À medida que esse cabo descesse, o veículo se afastaria da Terra para manter o equilíbrio, atingindo assim a uma distância de 91 mil quilômetros. Uma vez o primeiro cabo fixado a superfície terrestre, seria usado para colocar outros e, ao todo constituiriam o cabo definitivo.

O interesse potencial deste sistema consiste no seu baixo custo e funcionamento. A energia de freagem da cabine descendente pode até mesmo ser recuperada para deslocar a cabine ascendente. Seu inconveniente principal é a sua vulnerabilidade aos meteoritos, ao lixo espacial, aos engenhos aéreos e até mesmo as catástrofes naturais.

Se compararmos esse conceito a um outro, o do trilho metálico, que parecia impossível há dois séculos, teremos a estrada de ferro, que não era considerada factível.

Autobiografias

Independentemente da ficção, Clarke escreveu duas autobiografias: Ascent to Orbit (1984) foi o título que ele deu a sua autobiografia científica e Astounding Days, a sua autobiografia de ficção científica. Toda a sua vida – plena de atraentes idéias inteiramente voltadas para o futuro da humanidade num contexto cósmico – fazem destes dois livros motivos de uma apaixonante leitura. A maior parte dos seus ensaios escritos entre 1934 e 1998 está reunida em Greetings, Carbon-Based Bipeds! (2000), bem como a maior parte dos seus romances, em The Collected Stories of Arthur C. Clarke (2001). Estas coletâneas constituem uma excelente seleção das obras de ficção de Clarke, muito interessante mesmo para aqueles que conhecem quase toda sua obra.

Em reconhecimento, o asteróide 4923 foi batizado com o nome de Clarke, assim como uma espécie de dinossauro Ceratopsiano, o Serendipaceratops arthurclarkei, descoberto em Inverloch, Austrália.

Arthur Clarke – o mago da ficção científica e homem da ciência – traduziu a grandiosidade das descobertas espaciais na frase dirigida aos membros da Bristish Interplanetary Society, Londres, 1946, e que mais tarde reproduziu no The Challenge of the Spaceships, New York, Harper and Row, 1955:

"Nossa civilização não é mais do que a soma de todos os sonhos das idades anteriores. E tem que ser assim, pois se os homens deixarem de sonhar, se voltarem as costas às maravilhas do universo, acabará a história da nossa raça".


Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, astrônomo, criador e fundador do Museu de Astronomia e Ciências Afins, autor de mais de 85 livros, dentre eles: Nas Fronteiras da Intolerância. Consulte a homepage.