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NGC 6888 - Nebulosa do Crescente

Ditos

"Na ciência tenta-se explicar às pessoas, de uma maneira perceptível por todos, algo que ninguém sabia antes. Na poesia, é exactamente o oposto."
- Paul Dirac


Coisas do verão

2016-07-21
22.Jul.- 28.Jul.2016 (Portugal)

Dia de encontro familiar ou de amigos com a família.
A tarde avança. Tempo de férias, ou o que for, quando não é preciso ir trabalhar. O quintal está cheio de gente, ainda bem que é grande. Crianças correm, saltam, guincham. Jovens, silenciosos, desconectados do que os rodeia estão no seu mundo paralelo, 100% telemovelopendentes.

Junto do grelhador, já se vai na quarta tentativa de acender o carvão. Inicialmente, só um, agora, já são vários os homens de garrafa de cerveja na mão a rodear o único objeto remotamente tecnológico no meio da natureza envolvente.
Será um comportamento gregário por instinto ou induzido pela TV?” – a mente não parece querer dar resposta à sua própria pergunta.

Dos lados do grelhador, ouvem-se diversos comentários e opiniões fortes sobre a teoria de criar fogo. Pelo que parece sair da discussão, devem ser todos licenciados e mestres da UCAF - Universidade de Churrascos e Assados na Fogueira.
Já não há papel de jornal, nem de revista, até um rolo de papel higiénico foi à vida em fumo, tudo em vão. Por fim, uma alegre exclamação... uma chama... finalmente. Aparentemente, não há ramo, cartolina ou carvão que consiga resistir a 1 litro de gasolina.
Outra vez, sem ser chamado, o pensamento pergunta: “O que pensariam disto os primeiros homens que descobriram a forma de fazer fogo?

A mesa grande está posta, saladas variadas, batatas fritas, arroz, pão, azeitonas, bebidas... e mais saladas. O céu da tarde dá lugar ao céu de final de tarde.
Tenho fome, imensa fome” lamenta-se o cérebro instigado pelo vazio borbulhante no estômago. O carvão arde, mas a fome arde mais...não há tempo para esperar pelas brasas ou as crianças irão entrar em rebelião, decide o grémio dos eruditos graduados na dita universidade.



Crédito: shirtzshop.de


Mais tarde, chega o momento para todos os outros – comida, finalmente comida.
Quem pôs a mesa teve consideração. O lado curto da mesa bem comprida aponta para onde o Sol está a desaparecer. Ninguém fica encandeado, todos podem ver o pôr-do-sol ao virar a cabeça. “Ótimo.
Mmm, boa salada...” diz alguém.
Preto por fora, sangue vivo por dentro... mesmo ao meu gosto” comenta outro, perante o aspeto do seu bife grelhado.
Estás a falar de mim?” pergunta o amigo oriundo de Guiné-Bissau, expondo, com o seu sorriso enorme, duas filas de dentes brancos a brilhar na quase escuridão.

A conversa anima-se enquanto a comida vai desaparecendo juntamente com a última luz do entardecer. Velas são acesas, o ambiente torna-se contemplativo. Todos descansam inevitavelmente... não se deve comer tanto depois de uma longa espera pela comida.

Olhem, as estrelas!
Pronto, nada a fazer, esta exclamação ou outra semelhante raramente falta neste tipo de eventos.
Esse deve ser Vénus” profere a voz do autointitulado chefe do churrasco.

(Para fins de orientação: o ombro direito deve apontar para onde o Sol desapareceu, hora em torno das 22, válido para estes sete dias e mais alguns)
Todas as cabeças se viram para a ponta da mesa onde, uma hora antes, brilhava o Sol, depois o olhar coletivo sobe.
Vénus. Sim... deve ser... tão brilhante que é... a estrela da tarde” diz alguém.
Devo corrigir? Dizer algo? Ehhh...” mas sai mesmo: “Por sinal, esse aí, brilhante e um pouco acima do horizonte, é Júpiter.
O silêncio instala-se por uns instantes.
Reprovado” goza uma voz mental em acentuada ironia.


Uma das crianças aponta e pergunta “E aquelas ali? Quais são? Sabes?
Seguindo o braço da criança, vêm-se três luzes mais destacadas em relativa proximidade acima do horizonte. A mais brilhante, alaranjada, do lado direito... ”Este é Marte.
Ouve-se um singular “oooh”, o único comentário.
As outras duas estrelas estão uma por cima da outra... “E à esquerda, a de cima, é Saturno.
Ena”, “Uau”, “Aiiii é?” Parece que houve alguns que acordaram de um mini sono digestivo.
Como sabes isso?” pergunta uma das meninas mais novas.
Outra voz, ao fundo da mesa, refere: “Acho que há uns dias vi na TV que uma sonda acaba de aterrar em Júpiter, ou algo assim.
Eu sou Sagitário” paira ao ouvido uma voz fraquinha de (serão já?) 90 aninhos, a mais idosa de todos os reunidos e dona do quintal agora cheio de gente.

Esta seria talvez a melhor altura para se ficar calado, mas custa deixar enganos a propagarem-se pelo futuro e pelo mundo fora.
Infelizmente, nada consegue aterrar em Júpiter. O planeta é gasoso. A sonda apenas está em órbita.” E uma voz soa, de dentro: “Vá lá...mais um pouco.” Cedendo à vozinha interior, vai por acréscimo: “Em todos aqueles três planetas há atualmente equipamento terrestre em órbita a fazer pesquisas e exploração. Em Marte, até há ainda alguns robôs sobre rodas a escrutinar lentamente a paisagem.” E a mente complementa a ideia: “Consultar o Portal do Astrónomo – um: Ir à Universidade de Churrascos e Assados na Fogueira – zero.”

Acham que há vida, outros seres, por aí fora?” questiona um rapaz, demonstrando que algum interesse o fez despertar.
Não há lua...que estranho!” exclama outra voz, vinda do grelhador... há quem tenha sempre apetite. “Permafome.

Não é só a história que se repete. Aparentemente, isso também acontece com as conversas à volta da fogueira - ou, como neste caso, ao lado do churrasco.

Nota: Logo com o pôr-do-sol há também Vénus (mais brilhante) e Mercúrio ainda rente ao horizonte, mas ambos desaparecem antes das 22:00h.

Fenómenos da semana
26.7. 05:00 Lua perto de 18 Melpomene (1° ENE, Melpomene mag. 9,7)
26.7. 07:01 Lua perto de Úrano (3,0° N – observar antes nascer do sol)
26.7. 23:59 Lua em quarto minguante

Contacto para as crónicas sobre a vida por baixo do céu atual: ceu@astronomia.pt