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"Se você quer descrever a verdade, deixe a elegância para o alfaiate."
- Albert Einstein


A culpa era da polícia

2015-12-10
11.Dez.-17.Dez.2015 (Portugal)

Ano 1750 e mais uns quantos. Nos colégios e mosteiros da época os alunos tinham a tarefa facilitada de memorizar os constituintes do sistema solar, pois, apenas seis planetas eram conhecidos, Mercúrio até Saturno, incluindo a Terra. Graças a Johannes Kepler (1571-1630), já se conheciam as distâncias relativas dos planetas até ao Sol. As distâncias efetivas em medidas convencionais (km) apenas foram determinadas no século passado. Nestas distâncias relativas, Johann Daniel Tietze (1729-1796, sigla bibliográfica Titius) notou algo curioso e desenvolveu uma série numérica na qual as distâncias médias dos planetas tinham uma certa regularidade. A pequena formula matemática dessa série mais tarde foi designada de lei de Titius-Bode e ainda mais tarde descartada de vez como engano curioso embora bem útil, como se vai ver.

A descoberta do planeta Úrano em 1781 encaixou e parecia confirmar a dita série de números. Tietze, Bode e muitos outros astrónomos deduziram por isso, que, se a sequência de números for certa, faltava um planeta no vasto nada que reina entre Marte e Júpiter.


Ceres (esquerda) classificada agora de planeta anão. Fotografia tirada pela sonda DAWN atualmente em órbita depois de visitar o asteroide Vesta (direita em baixo) em 2011/12. A figura permite comparar os tamanhos. Crédito: NASA/JPL-Caltech/UCLA/MPS/DLR/IDA
No segundo congresso europeu da astronomia, em 1800, foi decidido realizar um rastreio sistemático para detetar quaisquer corpos celestes assumidos ou perdidos. Para o dito planeta em falta até já havia um nome preparado, Phaeton. A coordenação de vários observatórios europeus participantes nesse rastreio celeste foi assumida pelo comunicativo astrónomo Franz Xaver Von Zach. O empreendimento em si foi designado de Polícia Celeste (Himmelspolizey). Em analogia à polícia que observava atentamente as façanhas dos cidadãos, esta organização pretendia observar os vagabundos planetários elusivos.

Entra em cena a pessoa procurada na Pergunta do mês de novembro. Em 1787, o padre italiano e professor matemático Guiseppe Piazzi, incumbido de lecionar astronomia, sentiu-se obrigado estudar a astronomia prática em França e Inglaterra, onde lidou com os astrónomos mais conhecidos na época. Mal voltou para a sua terra em 1790, instalou no recém-fundado observatório de Palermo, um dos mais precisos instrumentos de medição celeste construído pelo famoso Jesse Ramsden. Palermo na ilha siciliana era então o observatório mais a sul da Europa, capaz de catalogar estrelas que no norte não subiam acima o horizonte.

Piazzi não estava particularmente entusiasmado em comprometer a elaboração do seu catálogo estelar para escrutinar a zona celeste que lhe foi atribuída pela Polícia Celeste. Porém, no dia 1 de Janeira de 1801, não se sabe se com ou sem mal-estar da passagem de ano, catalogou uma estrela raquítica no seu registo de observação, a qual na noite seguinte tinha mudado de posição. Ao longo de 24 observações Piazzi seguiu o objeto e registou a sua posição, até este se aproximar demasiado do clarão do sol. Num esforço único na Europa, os outros astrónomos da Polícia Celeste e matemáticos prolíferos conseguiram confirmar a observação ao redescobrir o novo planeta após este reaparecer por detrás do disco solar. Piazzi deu ao planeta o nome de Ceres Ferdinandina, sendo Ceres a divindade patronal da Sicília e Ferdinando IV o então rei. Ceres ficou, Ferdinando não.



Capa do livro da época sobre a descoberta de Ceres e retrato do seu descobridor e autor Guiseppe Piazzi.


O mundo dos astrónomos provavelmente estava contente, pois confirmou-se a lei acima referida. Os números não enganam, pensaram. Um ano mais tarde, circulando no mesmo espaço com Ceres, foi descoberto um planeta que recebeu o nome de Pallas, dois anos seguidos outro planeta (Juno) e em 1807 o planeta Vesta. Os alunos nos colégios e mosteiros coçaram as cabeças em desespero, pois todos os anos tinham de aprender cada vez mais nomes de planetas.

Já com a descoberta de Ceres ficou claro, que este planeta de brilho tão fraco, não podia ser do tamanho como o luminoso Marte ou Júpiter. Esses novos planetas minúsculos na mesma região orbital baralharam todo o sistema até ai conhecido.


Comunicado mensal da Polícia Celeste em Julho 1801 publicado por Von Zach (ver texto). O título lê: Notícias continuadas sobre o novo planeta principal do nosso sistema solar há muito previsto e provavelmente descoberto entre Marte e Júpiter.
Em 1846 foi descoberto o planeta Astraea. Em 1847 o planeta Neptuno, situado além de Úrano, apareceu nos telescópios. Afinal, decidiu-se, aqueles objetos pequenos com a zona de órbitas partilhada não eram planetas convencionais. Mesmo assim, Ceres constou nos livros de estudo da época como um planeta. Levou 50 anos até Ceres e consortes serem despromovidos do estatuto de planeta para planeta menor, posteriormente designado de asteroide.

Atualmente conhece-se mais de 500 mil objetos em órbita na zona entre Marte e Júpiter. Chamamo-la a cintura de asteroides. Ainda há um número enorme de asteroides por descobrir e não é preciso ser famoso, nem ter telescópio gigante. Alias, alunos nas escolas participantes em Portugal (e outros no mundo), empenharam-se e tiveram sucesso fantástico na descoberta de novos asteroides e redescoberta dos perdidos no tempo e no espaço. Os descobrimentos portugueses afinal não pararam há 500 anos, mas continuam, embora com embarcações algo diferentes.

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A solução para a Pergunta do mês passado
Conforme descreve o texto acima, a pessoa procurada era Guiseppe Piazzi.
Vencedor: Felicita Nemo.
Os nossos parabéns.