Pedras do Céu



Fotografia do meteoro de Lost City tirada em 3 de Janeiro de 1970 por uma máquina com uma janela em rotação, facto que leva a que o rasto do meteoro seja sucessivamente interrompido, permitindo que a sua velocidade de entrada possa ser determinada. Métodos de trigonometria esférica, associados a outra fotografia do evento, permitem que seja possível determinar o afélio da órbita do meteoróide e as coordenadas aproximadas do local de queda do meteorito (cortesia do Smithsonian Astrophysical Observatory).
Vimos na primeira parte deste artigo que demorou cerca de dois mil anos até ser aceite que rochas que caiam na Terra eram efectivamente pedras vindas do céu, melhor dizendo do espaço interplanetário que preenche o espaço entre os planetas do nosso sistema solar. Com efeito, foi só em 1807 que o físico Jean Baptiste Biot apresentou à Academia de Ciências de França o seu relatório sobre uma “chuva” de pedras caídas em 26 de Abril de 1803 na aldeia de l’Aigle, na Normandia francesa, eram realmente meteoritos, pedras procedentes do Espaço Exterior. Mesmo assim, muitos teimaram a aceitar esta ideia e durante alguns anos ainda permaneceram forte dúvidas. O presidente norte-americano Thomas Jefferson, uma espécie de George W. Bush da época, disse “preferir acreditar nas palavras mentirosas de um índio às das de dois professores norte-americanos que diziam que os meteoritos eram pedras do céu”.

Hoje sabe-se que antes de colidirem com a Terra, os meteoritos movem-se em órbitas elípticas à volta do Sol, acabando por intersectar o percurso do nosso planeta. Estas órbitas possuem periélios mais próximos do Sol que a Terra e afélios para lá da órbita de Marte.

A partir de meados deste século, fotografias simultâneas, tiradas de diferentes pontos sobre a Terra, dos meteoros que antecederam a queda de três meteoritos- o Pribram (Checoslováquia), o Lost City (E.U.A.) e o Innisfree (Canadá) demonstraram que estes corpos se deslocavam seguindo trajectórias elípticas, cujos pontos mais distantes (os afélios) se situavam sempre entre Marte e Júpiter. Todos estes três meteoritos indicavam nitidamente uma origem na cintura de asteróides.

Os asteróides movem-se em volta do Sol numa larga região compreendida entre as órbitas de Marte e de Júpiter. Provavelmente, existem centenas de milhares de asteróides nessa cintura, embora tenham sido descobertos pelos astrónomos cerca de 5000. O maior é Ceres, cujo diâmetro é aproximadamente de 900 Km e constitui 30% da massa de todos os asteróides combinados. Vesta e Palas têm diâmetros superiores a 400 Km e todos os outros são menores. Contrariamente ao que antes se pensava, os asteróides não são os restos de um planeta que explodiu. O que hoje se sabe é que estes fragmentos nunca se juntaram para formar um planeta, porque a atracção gravitacional de Júpiter perturbava os respectivos movimentos, fazendo com que colidissem repetidamente uns com os outros, interrompendo o processo de acumulação num simples corpo planetário de grandes dimensões. Alguns asteróides foram empurrados ou puxados gravitacionalmente para órbitas que cruzam a trajectória da Terra. São os asteróides dos grupos Apollo e Amor que originam a maior parte dos meteoritos que colidem com o nosso mundo.



Órbita dos três meteoros fotografados de duas estações distanciadas permitindo definir o afélio e o ponto de queda dos meteoritos. Note-se que o afélio dos três exemplos se situa na cintura de asteróides mostrando que os meteoritos, pelo menos a sua maior parte são provenientes dos corpos rochosos desta cintura – os asteróides.



Fotografia do meteorito de 12 kg caído em Lost City no dia 3 de Janeiro de 1970 (cortesia do Smithsonian Astrophysical Observatory).
Também a mineralogia dos meteoritos é indicadora da ausência de fases de elevadas pressões, tais como o piropo e a clinopiroxena jadeítica, o que elimina a filiação em corpos celestes de dimensões planetárias. O aparecimento de diamantes em alguns meteoritos férreos e nos ureilitos foi explicado pelo efeito de metamorfismo de impacto devido a choques na própria cintura de asteróides.

A verdade é que é possível estabelecer uma relação entre os diferentes tipos de meteoritos e eventuais grupos de asteróides. Apesar de apenas poucos asteróides – Gaspra, Ida, Matilde e Eros - terem sido estudados directamente por sondas automáticas, o conhecimento profundo que se possui destes astros é feito com o recurso a um conjunto de técnicas remotas de observação no visual, UV, IV, radar, fotometria, polarimetria e radiometria.


Fotografia do asteróide Eros tirada pela sonda NEAR assinalando-se o local onde esta sonda se despenhou a 12 de Fevereiro de 2001, tendo antes conseguido realizar 69 imagens de pormenor da superfície do asteróide (cortesia NASA/JPL/John Hopkins University Applied Physics Laboratory).
A técnica da fotometria remota multiespectral tem sido usada em centenas de asteróides e alguns mostram espectros muito semelhantes aos espectros, medidos em laboratório, de alguns meteoritos. A técnica consiste na análise da fracção de luz reflectida na superfície do asteróide que obviamente expressa o carácter do mineral ou minerais lá existentes. É assim possível formar uma ideia, à distância, da mineralogia dos asteróides, permitindo uma correlação entre estes e os meteoritos.

Com esta técnica dividiram-se os asteróides em alguns grupos, de acordo com o seu espectro e albedo, características que permitem traçar uma possível mineralogia. Distinguem-se vários grupos, sendo mais significativo o grupo C, de muito baixo albedo e com uma composição aparentada com os condritos carbonáceos; o grupo S, de albedo moderado, mostra uma mineralogia de silicatos com algum metal, podendo ser os corpos parentais dos condritos ordinários; o grupo M parece ser composto apenas por metal, sendo a possível fonte dos meteoritos metálicos. Um grupo singular, o V, apenas representado pelo asteróide Vesta, parece possuir uma composição bastante diferenciada, sendo a fonte provável dos acondritos basálticos do grupo HED.


Fotografia feita pela sonda NEAR pouco antes se despenhar na superfície do asteróide. Note-se os calhaus que formam o rególito do asteróide. São estes calhaus e parte da superfície dos asteróides que se soltam, após impactos, libertando-se da fraca gravidade dos asteróides e entrando em rotas elípticas que mais tarde acabam por entrar em rota de colisão com a Terra sendo depois recolhidos como meteoritos que ornamentam as salas de mineralogia dos museus de História Natural (cortesia NASA/JPL/John Hopkins University Applied Physics Laboratory).
Nos últimos anos, com as pesquisas realizadas na Antárctida, descobriram-se alguns meteoritos (brechas anortosíticas e acondritos do grupo SNC) cujas características mineralógicas, texturais , isotópicas e geocronológicas apontam para uma origem em corpos planetários. Para o primeiro caso sugere-se a Lua como corpo parental. Os outros acondritos - cuja idade de cristalização é de 1,3 mil milhões de anos e que apresentam um conteúdo de gases raros semelhante ao determinado pelas sondas Viking na atmosfera marciana - são filiados com Marte. As dificuldades para explicar a sua libertação daqueles planetas, atendendo à velocidade de escape necessária, são consideráveis mas tem sido sugerida a possibilidade de choques meteoríticos, de grande inclinação, sobre a Lua e Marte com a consequente libertação e escape de material da superfície daqueles dois astros. Estes meteoritos, porém, formam menos de 1% de todos os meteoritos até agora recolhidos.

Queda e Achado

Desde há muito, está estabelecido que o nome dado a um meteorito é o da localidade, aldeia ou vila, mais próxima do local da queda ou do achado. Aqui também é importante definirmos o que se entende por queda ("fall") e achado ("find"), designações de uso muito corrente. Uma "queda" corresponde a um meteorito que tenha sido visto cair e posteriormente recolhido. Como exemplo, referimos o meteorito de Chaves, caído em 3 de Maio de 1925, próximo daquela cidade. Já o meteorito de S. Julião de Moreira de Lima, encontrado em 1877, no decurso de trabalhos agrícolas, é um "achado", pois a sua queda não foi presenciada.


Foto do maior fragmento do meteorito de Ourique onde está bem presente a crusta negra externa de fusão com notáveis marcas de ablação (foto de Fernando Barriga, colecção do Museu Nacional de História Natural, Universidade de Lisboa).
Sempre que os meteoritos são apanhados pouco depois de terem caído, é provável que estejam suficientemente frios para serem manuseados à vontade. O calor não penetrou muito nos seus interiores frios, durante o breve percurso através da atmosfera, e o material fundido é na maioria dos casos, arrastado da sua superfície. Mas a característica notável de grande parte dos meteoritos é a crusta fina, vítrea e geralmente escura, habitualmente designada por "crusta de fusão". É formada pelo material fundido que não foi arrastado, e que solidificou rapidamente perto do fim do percurso através da atmosfera. A superfície é muitas vezes irregular, sendo aprofundada nos lugares onde os materiais mais moles se derreteram mais depressa e levantada noutros sítios onde caíram e solidificaram os salpicos derretidos.

As “partidas” dos meteoritos

Como seria de esperar, as quedas de meteoritos são perfeitamente aleatórias, no tempo e no espaço, sendo de esperar que mais de 70% colidam nos oceanos e por isso nunca venham a ser recuperados. Dos que caem nos continentes, muitos ficam perdidos para sempre acabando por se alterar e transformar em solo. No entanto, se exceptuarmos as buscas sistemáticas na Antárctida e nos desertos quentes, são recuperados por ano entre 11 e 20 meteoritos cuja queda foi presenciada. Mais raramente, embora não haja razão para preocupação, alguns meteoritos atingem bens, pessoas e animais. Ainda este ano, na Austrália, perto de Sidney, um meteorito furou o telhado de uma casa e colidiu com um sofá onde poucos minutos antes uma senhora esteve a descansar. Casos destes são raros mas conhecem-se algumas referências que aqui se registam.

Imagine que estaciona calmamente o seu carro em frente do portão da sua moradia, entra em casa e, passados poucos minutos, após um silvo estridente, ouve um enorme estrondo. O que pensaria de imediato? Vinha-lhe logo à ideia que algum doido das velocidades se teria estampado contra o seu carro e rapidamente sairia porta fora para ver os estragos e preparar-se para contactar a seguradora. Olha para o carro e não vê nada de anormal. Dá uma vista de olhos pelas redondezas e não encontra nenhum acidente. Interroga-se, aproxima-se da viatura e repara num grande calhau enegrecido, ainda quente. O que poderia ser? Algum acto de vandalismo?
Não! A sua vizinha que se encontrava no quintal conta-lhe o sucedido. O seu carro tinha sido atingido por uma pedra caída do céu – um meteorito.

Isso foi precisamente o que aconteceu em 9 de Outubro de 1992 em Pekskill, Nova Iorque, ao carro da jovem Michell Knapp, um bonito cadillac de 1980. Proveniente da cintura de asteróides, uma zona de corpos rochosos compreendida entre as órbitas de Marte e Júpiter, um fragmento de um meteorito vulgar (um condrito do grupo H, constituído essencialmente por silício, magnésio, oxigénio e ferro) entra na atmosfera terrestre, produz um fenómeno luminoso surpreendente, acompanhado de um silvo, e o material que sobra do corpo inicial, um meteorito de 12 quilos, choca com o cadillac da menina Knapp. Aliás a queda de Pekskill produziu uma verdadeira “chuva” de meteoritos e o fenómeno foi gravado por vários vídeos amadores. Um filme disponível pelo Ames Research Center da NASA pode ser visto aqui.


O cadillac de Michell Knap, agora comprado pela Smithsonian Institution, em exposição no “Jardin des Plantes” na grande exposição “Météorites!” que decorreu em Dezembro de 1996 nas galerias de mineralogia. Notar o rocha negra que furou a mala, um condrito ordinário do tipo H (foto do autor).
Não tema que isso lhe possa acontecer. A probabilidade de sermos atingidos por um meteorito é tão pequena que quase não merece ser considerada. Todavia, alguns registos históricos mostram-nos que, para além de bens, propriedades, casas, celeiros, animais e algumas pessoas têm sido vítimas destes fascinantes objectos do sistema solar.

Em finais de 1992, um meteorito, com 24 cm de comprimento maior e um peso de 6,5 quilogramas, caiu em Mihonoseki, no Japão, na residência de um quadro superior de uma empresa, tendo perfurado o telhado e o soalho da casa sem causar danos pessoais. A análise de alguns isótopos da superfície do meteorito permitiu concluir que o corpo se soltou do asteróide há 61 milhões de anos, pouco depois de os dinossauros se terem extinto aqui nas Terra, andando todo este tempo a vaguear pelo espaço interplanetário, antes de colidir com a Terra.


A senhora Hodges, junto do seu médico, na cama do hospital do Alabama, Estados Unidos, depois de ter sofrido um “ataque” de um meteorito na noite de 30 de Novembro de 1954 (cortesia do American Meteorite Laboratory).
A 7 de Abril de 1990, na Holanda, um meteorito com um comprimento aproximado de 25 cm, penetrou no telhado da vila de Enschede, indo cair num quarto de dormir – felizmente não ferindo ninguém. A mesma sorte não teve a senhora Hodges que, em 30 de Novembro de 1954, quando repousava tranquilamente na sua sala, no Alabama, Estados Unidos, foi ferida por um meteorito que furou o telhado de sua casa, ricocheteando no chão junto do aparelho de televisão, e acabou por lhe bater no peito quando assistia calmamente à sua novela preferida, tendo de imediato que sofrer tratamento hospitalar.

São conhecidos muitos casos de bens atingidos por meteoritos. Um episódio muito curioso deu-se em 28 de Junho de 1911, em Nakla, no Egipto, quando um meteorito matou um infeliz cachorro que vivia no oásis de Fayoun, no alto Egipto, uma das poucas zonas agrícolas daquele país de sonho. O caso apresenta maior curiosidade, pois os estudiosos encontraram, ao estudar o meteorito, fortes evidências de ele ser proveniente de Marte, tratando-se assim do primeiro ser vivo a ser atingido por um “projéctil” vindo do Planeta Vermelho.


Foto de um fragmento do meteorito Nakla, proveniente de Marte e que em 28 de Junho de 1911 matou um cão no Egipto (cortesia BMNH).
O falecido geofísico e professor Lincoln La Paz, num magnífico artigo de 130 páginas, publicado em 1957, apresenta os efeitos sérios da queda de meteoritos sobre a Terra, incluindo as suas acções em habitantes, casas e satélites artificiais. É um admirável e raro trabalho, onde ficamos a saber que foi maior o número de seres humanos atingidos por meteoritos.

Em 14 de Janeiro de 616, uma “pedra vinda do céu” caiu numa carroça, na China, matando 10 homens. Um monge franciscano foi brutalmente assassinado por uma chuva de meteoritos que caiu em Cremona, Itália, em 14 de Setembro de 1511. Em Milão, no ano de 1950, outro monge foi morto por um meteorito. Esta incidência causal de meteoritos sobre homens da igreja talvez tenha inspirado o artista italiano Maurizio Cattelan que participou na inauguração da Tate Modern, em Londres, com uma sala “La Nono Ora” em que o Papa João Paulo II tinha sido morto na sua residência no Vaticano atingido por um meteorito, uma obra de arte que causou elevada polémica junto da Igreja e que foi vendida na Christies de Nova Iorque pela módica quantia de 620 mil libras inglesas.


Escultura artística e provocatória de Maurizio Cattelan representado a morte do Santo Padre, João Paulo II, ao ser atingido por um meteorito a cair no Vaticano. Esta escultura ocupou uma sala em 1999 aquando da inauguração da moderna Tate Modern, em Londres (foto do autor).
Em meados do século XVII, dois marinheiros foram mortos por um meteorito que caiu na ponte do seu barco. Um outro fragmento, caído na Índia Britânica, em 16 de Janeiro de 1825, matou um homem e feriu seriamente uma mulher quando estes faziam amor.

Não vale a pena, porém, ficarmos a olhar para o céu a olhar à espera que uma pedra nos atinja. Das poucas quedas de meteoritos ocorridas no nosso país, a última deu-se a 28 de Novembro de 1998, na Aldeia de Palheiros, Ourique, Baixo Alentejo. É do tipo condrítico e a sua história será contada mais adiante na parte em que tratarmos dos meteoritos portugueses.

Metal e Rocha

A classificação tradicional dos meteoritos é feita nos seguintes três grupos: metálicos, férreos ou sideritos; petro-férreos ou siderólitos; e pétreos ou aerólitos. Como os nomes indicam, esta classificação é baseada nas proporções relativas de metal e de rocha (material silicatado) que o meteorito apresenta. Muitos meteoritos pétreos são caracterizados por possuírem pequenos agregados esferoidais (com um diâmetro de um milímetro), de natureza silicatada, denominados côndrulos. Os meteoritos pétreos com côndrulos são denominados condritos, e os que não os têm são os acondritos.

Uma classificação mais sugestiva e correcta do ponto de vista genético deveria considerar dois grandes grupos: os condritos e os não-condritos, em que os elementos do segundo grupo seriam derivados dos do primeiro, devido a diversos processos secundários de diferenciação. Porém, de acordo com vários estudiosos, o uso das quatro grandes divisões (condritos, acondritos, petro-férreos e férreos) é ainda de enorme valor, permitindo a sistematização e a semelhança mineralógica de tipos, objectivos desejáveis a qualquer classificação petrográfica.


Duas amostras do condrito de Olivenza mostrando as típicas estruturas esféricas, designadas por côndrulos (foto do autor).
Os condritos, que correspondem a 85% das quedas observadas, são meteoritos pétreos compostos por uma fracção granulosa (os côndrulos) e uma fracção de grânulos finos (a matriz). Os côndrulos, cujo tamanho varia entre 0,1 e l mm, são esféricos e encontram-se envolvidos pela matriz. São compostos por olivina, piroxena , feldspato e vidro. Nos condritos mais primitivos os pequenos grãos da matriz são formados pelos mesmos minerais que os côndrulos. Excepções verificam-se em alguns condritos carbonáceos onde os grãos finos são predominantemente de magnetite e de um silicato hidratado, similar em estrutura à serpentina. Os outros minerais importantes nos condritos são a troilite e uma liga metálica de Fe-Ni, sendo ambos encontrados como inclusões nos côndrulos silicatados e dispersos como grãos irregulares, finos e grossos, na matriz. Outras curiosas e importantes particularidades destes meteoritos são as inclusões ricas em cálcio e alumínio que parecem nada ter a ver com os côndrulos, pensando-se que correspondam aos condensados primordiais nestes meteoritos.


Côndrulo de dimensões próximas de um milímetro do meteorito de Ourique observado ao microscópio petrográfico (foto do autor).
A fina matriz de muitos condritos carbonáceos, nos quais se encontram os côndrulos e as inclusões, consistem em filossilicatos hidratados de baixas temperaturas que contrastam com a elevada temperatura de formação dos minerais que compõem os côndrulos e as inclusões. Um outro componente da matriz é importante: tratam-se de complexos compostos orgânicos, nos quais já foram encontrados hidrocarbonetos e aminoácidos, que representam 5% do peso total.

De uma forma genérica, a classificação dos condritos é baseada na sua química e mineralogia, sendo desta forma possível criar três grandes grupos: os condritos enstatíticos, os condritos ordinários ou hipersténicos (eles próprios divididos em três tipos, sendo de todos os condritos os mais abundantes) e os condritos carbonáceos, os mais primitivos em composição.


Foto do condrito carbonáceo de Allende mostrando os côndrulos e as inclusões de elevada temperatura (CAI’s), caído no México em 1969, antes das primeiras amostras lunares chegarem à Terra. Este meteorito, pelas suas características primitivas e pouco alteradas apresenta-se como uma verdadeira pedra de Roseta para os cosmoquímicos (cortesia NASA/JSC).
Os acondritos e os meteoritos petro-férreos são relativamente reduzidos em número, mas muito diversos nas suas propriedades e história genética. Todos experimentaram processos intensos de diferenciação, incluindo fusão, que virtualmente obscureceu a sua história primitiva na nébula solar, indicando, todavia, a grandeza e o tipo de processos ígneos que ocorreram no sistema solar inicial. Qualquer que tenha sido a sua origem, os acondritos (9% das quedas) constituem um grupo químico e texturalmente distinto da maior parte dos meteoritos pétreos. Também os petreo-férreos (apenas l% das quedas conhecidas) fornecem-nos informações sobre a fronteira manto-núcleo dos corpos parentais e respectivo tempo de acreção.

Os palasitos, um dos tipos mais comuns entre os petro-férreos, consistem numa malha de ligas de Fe-Ni contendo fragmentos angulares ou arredondados de olivina com 4 a 5mm de tamanho. São nitidamente de origem ígnea e provavelmente são formados na interface de um corpo metálico em fusão (que forma o núcleo de um asteróide) e uma grande câmara magmática onde a olivina é formada e migra para a base.


Aspecto de fatia polida de um palasito onde se notam os cristais verdes-amarelos de olivina rodeados por uma liga ferro-niquélica. O cubo tem 1 cm de aresta. (cortesia da University of New Mexico).
Três tipos de acondritos (eucritos, diogenitos e howarditos) e os petro-férreos piroxeno-plagioclásicos (mesosideritos) estão extremamente relacionados. Os eucritos e os diogenitos são rochas magmáticas, enquanto os outros dois tipos são brechas. No caso dos mesosideritos, uma considerável componente metálica encontra-se presente, enquanto os howarditos podem conter fragmentos de composição eucrítica e diogenítica. A maioria dos estudiosos defende que o material parental para estes quatro tipos é condrítico, reflectindo as suas variadas texturas e composições, diferenças na história de arrefecimento, geralmente complicadas pelo metamorfismo e pelos processos de impacto.

Os shergotitos, nakilitos e chassinitos, colectivamente designados pela sigla SNC, são meteoritos que pertencem nitidamente à classe dos acondritos. A sua composição global, os gases raros retidos e a sua relativa idade jovem (cerca de 1,25 mil milhões de anos), assim como muitas outras evidências, sugerem que eles são provenientes de Marte. Uma brecha anortosítica encontrada na Antárctida forma um grupo isolado dentro dos acondritos. Os estudos efectuados mostraram que a sua composição, idade e petrologia só é compatível com uma origem lunar. Mais oito acondritos lunares foram posteriormente encontrados, correspondendo todos eles a brechas anortosíticas de rególito, formadas pela aglutinação de fragmentos rochosos no solo lunar.



A - Acondrito do tipo eucrito, possivelmente proveniente do asteróide Vesta (cortesia American Meteorite Laboratory). B - Aspecto do acondrito de Chaves – uma brecha basáltica polimítica - estudado e reclassificado em howardito pelo autor (foto do autor).


As outras grandes classes de acondritos são os aubritos e os ureilitos. Os primeiros podem ser condritos do tipo enstatítico parcialmente fundidos, mas o assunto ainda não está esclarecido. Os ureilitos são meteoritos magmáticos com um significativo teor em carbono e material volátil. Tem sido sugerido que a sua formação resultou de um impacto que levou à fusão e posterior diferenciação de um asteróide com a composição de um condrito carbonáceo. Essa é também a razão para compreender a enorme abundância de diamante neste grupo de meteoritos, formado pelo choque induzido no carbono quando dos numerosos impactos.

A classificação tradicional dos meteoritos férreos (5% das quedas, mas mais de 50% dos achados, o que se justifica considerando a dificuldade de alteração destes meteoritos e a sua fácil separação das rochas envolventes) é melhor percebida em termos de relações de fases do sistema ferro-níquel. A elevadas temperaturas (900º C) a taenite octaédrica é a fase estável de todas as composições. Durante o arrefecimento, a kamacite concentra-se nas faces do cristal octaédrico. Se o conteúdo em Ni descer a 6% todo o metal converte-se em kamacite pura, a baixas temperaturas. Os meteoritos compostos somente por kamacite, são designados de hexaedritos. Se o conteúdo de Ni exceder os 6%, alguma taenite persiste e a estrutura geral mantém a forma octaédrica (daqui o grupo dos octaedritos). A concentração de kamacite depende do conteúdo de Ni. Para baixos valores de Ni, a kamacite domina e forma grandes cristais; para elevados teores de Ni, a kamacite diminui, assim como o tamanho dos cristais. Isto é visível na estrutura de Widmanstatten que consiste em lamelas de kamacite debruadas por taenite. Outros meteoritos férreos, com outras texturas e maior teor de Ni, são designados por ataxitos, como o que caiu em 14 de Novembro de 1968 no Alandroal e se encontra guardado no Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa. Um significante número de meteoritos férreos contêm abundantes e diversas inclusões de silicatos.



Várias amostras de meteoritos férreos ou sideritos, constituídos predominantemente por ligas de ferro e níquel. As amostras 2, 3 e 4 estão cortadas e polidas. A foto 2 mostra uma estrutura típica dos octaedritos – a estrutura de Widmanstätten (fotos do autor).


Uma questão de idades

Há quatro distintos períodos de tempo ou idades que são significativas na história de uma meteorito: a idade terrestre; a exposição aos raios cósmicos; a idade de formação; e o intervalo de formação.

A idade terrestre é o tempo contado a partir da queda do meteorito na superfície da Terra. Conhecido para as quedas observadas, o problema é mais complicado para os achados, cuja queda pode ter ocorrido desde tempos pré-históricos. Quando em órbita em torno do Sol, um meteoróide é bombardeado pela radiação cósmica. Depois de ter caído na Terra o meteorito fica protegido desta radiação pela atmosfera e os isótopos instáveis da radiação cósmica começam a decair. É conhecido das quedas observadas a quantidade normal destes produtos quando os meteoritos atingem a Terra. Um meteorito achado deve possuir uma quantidade menor desses produtos, sendo a diferença relacionada com o tempo desde que o meteorito caiu sobre a Terra. Alguns isótopos, como o Ar-39, o C-14 e o Cl-36 são utilizados para determinar a idade terrestre dos meteoritos.

Esta idade geralmente não ascende a mais de algumas dezenas de anos, mas alguns meteoritos encontrados na Antárctida caíram há mais de 500 mil anos permanecendo em óptimas condições de preservação. Até ao momento apenas dois meteoritos "fósseis" são conhecidos. Ambos são condritos encontrados em calcários Ordovícicos na Suécia. A sua idade terrestre é derivada da idade dos fósseis presentes nos sedimentos onde os meteoritos colidiram, respectivamente há 480 e há 485 milhões de anos.

A segunda idade de um meteorito corresponde ao tempo durante o qual ele orbitou o Sol como um pequeno fragmento arrancado do corpo parental. Quando uma rocha ou um fragmento de Fe-Ni se encontram no espaço interplanetário a radiação cósmica reage com alguns átomos do meteorito, produzindo átomos secundários perfeitamente identificáveis em laboratório. A quantidade de átomos secundários, produzidos desta forma, depende da composição química do meteoróide e do intervalo de exposição aos raios cósmicos. As medidas da abundância do gás neon indicam que os meteoritos pétreos têm idades de exposição aos raios cósmicos de alguns milhões de anos até algumas dezenas de milhões de anos. Parece que muitos meteoritos pétreos sobreviveram aos processos de pulverização, após a destruição colisional do corpo parental, por períodos que vão até 40 milhões de anos. Os meteoritos férreos, por outro lado, apresentam idades de exposição, para um corpo que pode atingir o tamanho de um metro, que chegam a atingir os mil milhões de anos.

A idade de formação é o tempo entre o presente e o último maior evento de alta temperatura passado na história do meteorito. Esta idade para os acondritos basálticos, por exemplo, é o intervalo de tempo desde a sua cristalização a partir de um magma até à actualidade. Embora tenham sofrido uma fusão posterior, a maioria dos condritos foram quentes e formaram vários minerais logo após a sua génese. A sua idade de formação é o tempo decorrido a partir da cristalização, quando os seus grãos minerais constituintes foram produzidos. As idades de formação para ambos os tipos são próximas dos 4,55 mil milhões de anos. Os métodos utilizados para a determinação destas idades são as técnicas radiométricas para medir a idade das rochas terrestres, particularmente com o recurso ao método urânio-chumbo.

A última idade, ou intervalo de formação, é o tempo entre a formação dos elementos químicos nas estrelas e a sua incorporação no corpo parental dos meteoritos. Quase todos os elementos, com a excepção do hidrogénio e do hélio, foram formados em estrelas de vários tipos. Isto é verdade, não apenas para os meteoritos, mas para tudo na Terra incluindo os elementos que formam os nossos corpos.

Muitos meteoritos pétreos contêm os produtos de fissão do plutónio. Este elemento é instável e decai muito rapidamente, com uma meia-vida de 82 milhões anos. Em função disto, todo o plutónio originalmente presente no sistema solar decaiu completamente há cerca de 4000 milhões de anos e não ocorre mais, na sua forma natural, quer na Terra, quer no sistema solar. As medidas dos produtos do decaimento de plutónio nos meteoritos mostram que o intervalo de formação para aquele elemento foi de 150 milhões de anos. Isto significa que o plutónio foi formado numa estrela precisamente 150 milhões de anos antes da formação do Sol e dos planetas.

A observação de isótopos-filhos de decaimento de outros elementos químicos mostra que alguns destes elementos foram formados num tempo próximo da génese do sistema solar, um assunto a que voltaremos na próxima semana.

Meteoritos caídos em Portugal


Distribuição dos meteoritos portugueses conhecidos: quedas (+); achados (*) e paradeiro presente das amostras desconhecido (.).
Como se disse, a primeira referência à queda de um meteorito em Portugal data de 1797 e deve-se a Robert Southey, um poeta e homem de letras britânico, que um ano antes tinha percorrido algumas regiões de Portugal e Espanha. A sua descrição é simples, esclarecendo-nos de que às 14 horas do dia 19 de Fevereiro de 1796, em Tasquinha, perto de Évora-Monte, uma pedra de cerca de 5 Kg caiu do céu limpo, tendo sido precedida por fortes explosões. Refere-nos ainda que "a sua cor era de chumbo", o que nos leva a pensar tratar-se de um siderito, sendo o paradeiro da amostra totalmente desconhecido, tratando-se inequivocamente do primeiro registo a um meteorito português.

Em finais de Setembro de 1843, próximo de Picote (Miranda do Douro) caíram três pedras meteoríticas, duas das quais foram descritas pelo Prof. António Macedo Pinto em 1845 num periódico local. Pesavam respectivamente 1125 g e 440 g, com a densidade 3,45 e 3,61, possuindo uma crusta exterior escura e rugosa, de "textura granosa" e de cor cinzenta carregada com algumas partículas de ferro metálico. Pela descrição dada, tratavam-se de meteoritos pétreos, não sendo possível porém saber se correspondiam a condritos ou acondritos, embora a observação de pequenas partículas metálicas advogue em favor da primeira hipótese. Também aqui, apesar de várias diligências feitas, desconhece-se completamente o paradeiro das amostras.

Em 1877, no decurso de trabalhos agrícolas, foi encontrado em S. Julião de Moreira, perto de Ponte de Lima, enterrado na camada superficial do granito desagregado, um meteorito ferro-niquélico que em 1883 foi levado para Lisboa. Com a forma mais ou menos esférica, tinha 0,91 m de circunferência mínima e 1,07 de circunferência máxima. A queda tivera, sem dúvida, lugar há muito, pois a parte exterior estava muito alterada, com aspecto ferruginoso. Quando foi descoberto e recuperado, o meteorito pesava 162 kg.

Desconhece-se o paradeiro da maior parte do meteorito de S. Julião de Moreira, encontrando-se diversas amostras dispersas por museus de todo o mundo. Em Portugal, existe no Instituto Superior Técnico um fragmento com 0,49 Kg, havendo ainda pedaços (granalha) com o peso total de 0,11 Kg. Embora sem etiqueta de identificação, existe um fragmento, em tudo semelhante ao primeiro, com pouco mais de 2 Kg.

A amostra foi estudada por vários especialistas. John Wasson, do Departamento de Ciências da Terra e do Espaço da UCLA, em 1969, efectuou uma análise detalhada do meteorito que possibilita classificá-lo na moderna terminologia dos sideritos. Obteve a percentagem de 6,1 de Ni e os valores, em ppm, de 46,2 para gálio, 107 para germânio e 0,012 para irídio, o que permite dizer que se trata de um meteorito férreo do tipo II-B. Na classificação estrutural de Buchwald, trata-se de um octaedrito grosseiro com bandas de kamacite de largura superior a 3,3 milímetros.

Um caso duvidoso é-nos relatado por Rui de Serpa Pinto em 1933 sobre a queda de um bólide na margem esquerda do Tejo. Cita Stanilas Meunier, autor de um livro sobre meteoritos, que reproduz uma carta de Paul Choffat na qual é dito que em 31 de Julho de 1884 caíra um bólide em Palença-di-Taixo (Palença de Baixo) na margem Sul do Tejo, dividindo-se em dois, de que não ficaram vestígios. Trata-se muito possivelmente da referência ao fenómeno meteoro ("bólide" significa simplesmente bola de fogo muito luminosa que se desloca velozmente no ar) sendo bem possível que se tenha volatilizado completamente sem atingir a superfície.


Diferentes tipos de clastos e a textura rególitica do howardito de Chaves ao microscópio petrográfico (foto do autor).
Em finais de 1924 ocorreu uma chuva de meteoritos na zona fronteiriça de Olivença. Alguns dos fragmentos caíram em localidades portuguesas, tendo um fragmento caído mesmo em Castelo de Vide, estando guardado no Museu Mineralógico da Universidade de Coimbra. Outros fragmentos menores encontram-se nos museus de Elvas, da Universidade do Porto e da Universidade de Lisboa. Os maiores fragmentos caíram em Espanha. Trata-se de um condrito ordinário do tipo LL 5, rico em hiperstena, olivina e feldspato sódico. Pobre em Fe-Ni, o meteorito possui, ainda merrilite e cromite. Os côndrulos são pouco distintos.

A 3 de Maio de 1925, em Vilarelho da Raia, cai o meteorito de Chaves, 8 Km a N desta cidade. Quatro fragmentos são conhecidos, numa massa total de 2900 gramas. A caracterização mineralógica e petrográfica efectuada por nós, assim como os estudos petro-químicos realizados, mostram-nos que o meteorito de Chaves é um acondrito do tipo dos howarditos. Trata-se de uma brecha com fragmentos pétreos distintos, possivelmente provenientes do mesmo corpo parental, aglutinados por uma matriz fina de natureza regolítica.


Clastos monominerálicos de piroxena do howardito de chaves fotografados ao microscópio petrográfico. Estes clastos foram possivelmente formados em profundidade no asteróide Vesta (foto do autor).
Os clastos mais abundantes são de uma rocha praticamente monominerálica, com a composição de um ortopiroxenito, no qual os valores de piroxena são extremamente regulares. Implicam uma origem em profundidade a partir da consolidação de um magma básico. São fragmentos típicos de diogenito. Outros clastos, pela textura e composição aparentam-se com alguns doleritos e mostram ter arrefecido relativamente depressa, próximo da superfície. A sua composição mineralógica filia-os nos eucritos. É possível que ambos os fragmentos tenham consolidado do mesmo magma, formando camadas superficiais e mais internas do mesmo asteróide. Foram os fenómenos de impactismo, bem evidenciados na textura cataclástica e na presença de vidros e veios vítreos de fusão, os responsáveis pela mistura das duas componentes que ficaram envolvidas por um material mais fino, de composição semelhante, que os aglutinou. Os estudos mineralógicos, químicos e a determinação da sensibilidade TL, mostram ainda estarmos na presença de um dos howarditos mais empobrecidos em alumínio o que implica um reduzido teor de feldspatos, isto é, uma grande "contaminação" da fracção diogenítica.


Foto de um clasto dolerítico de textura ofítica com minerais de augite e plagioclase feita com o microscópio electrónico de varimento SEM/EDX. Este clasto foi certamente formado depressa e à superfície do asteróide Vesta (foto do autor).
No dia 23 de Agosto de 1950 deu-se a queda de um meteorito em Monte das Fortes, no concelho de Santiago do Cacém. A queda foi acompanhada de forte explosão seguida de outras menores e deu-se uma hora antes do pôr-do-Sol. Possivelmente, em virtude do tempo nebuloso que se fazia sentir, não foram observados fenómenos luminosos. Os fragmentos do meteorito dispersaram-se entre Alvalade e Ferreira do Alentejo. Vários destes foram recolhidos na área entre Aldeia dos Ruins, Monte das Fortes, Boizão-Velho e Boizão-Novo, numa área de mais de 6 quilómetos quadrados, dos quais 5 fragmentos se encontram conservados no Museu dos Serviços Geológicos de Portugal, pesando no conjunto 4,885 kg. Os fragmentos estão recobertos por uma crusta negra, grumosa, com cerca de 0,5 mm de espessura. A densidade média é de 3,451.

Do ponto de vista mineralógico, o condrito do Monte das Fortes contém essencialmente olivina, bronzite, diópsido, clinobronzite e, como acessórios, plagioclase sódica, merrilite, cromite, troilite e Fe-Ni. De acordo com a composição determinada, é possível incluir este meteorito no tipo L dos condritos ordinários. Uma observação microscópica dos côndrulos e da quantidade de vidro presente leva-nos a pensar tratar-se de um condrito L-3, mas só uma investigação mais detalhada permitirá esclarecer o assunto.

Quadro síntese dos meteoritos portugueses
NomeDataObservações
Tasquinha19 de Fevereiro de 1796Queda; 4,8 kg; perdido
PicoteSetembro de 1843Queda, 3 peças; perdido
S. Julião de Moreira1877Achado; 162 kg; octaedrito
Olivenza19 de Junho de 1924Queda; várias; condrito
Chaves3 de Maio de 1925Queda; 2,9 kg; howardito
Monte das Fortes23 de Setembro de 1950Queda; 5 kg; condrito
Alandroal (Juromenha)14 de Novembro de 1968Queda; 25 kg; ataxito
Ourique28 de Dezembro de 1998Queda; 25 kg (?); condrito


A penúltima queda de um meteorito registada em Portugal deu-se a 14 de Novembro de 1968. Segundo um relatório do então Serviço Meteorológico Nacional, a queda deu-se na Herdade de Tenazes, concelho do Alandroal, a cerca de 3 Km de Juromenha. Segundo testemunhas da região, o meteoro que antecedeu a queda foi visto às 18 horas e 55 e o clarão luminoso durou de 1 a 3 segundos. O meteorito foi encontrado cerca de 10 minutos depois da queda, com dois pontos incandescentes, afastados 20 centímetros, que se extinguiram pelas 23 horas. O meteorito foi encontrado inteiro e retirado ainda quente no dia 15 de Novembro às 11 horas. A terra da cratera que cavou ao embater no solo também se encontrava quente. O terreno no local da queda era solo arável e tinha sido lavrado, existindo poucas árvores. A profundidade da cratera deixada foi aproximadamente de 80 centímetros.

A amostra tem a forma grosseiramente elipsoidal, um pouco achatada, com as dimensões de 30 x 20 x 10 cm e pesa 25,250 kg. A superfície é lisa a ondulada e apenas em parte se apresenta coberta por crusta. A mineralogia é simples, revelando kamacite, taenite e schreibersite. A análise química revelou 8,7% de níquel, 0,52% de cobalto, 0,3% de fósforo, 21 ppm de gálio, 40 ppm de germânio e 0,24 ppm de irídio, o que permite classificá-lo dentro do tipo III AB dos sideritos. O seu razoável teor em níquel e a ausência de uma estrutura macroscópica visível permite incluí-lo no grupo dos ataxitos.


Meteorito metálico do Alandroal: um meteorito que após a queda esteve preso na cela pelas autoridades locais, antes de ser transportado para o Centro de Geologia da Universidade de Lisboa (foto Fernando Barriga, MNHN).
No dia 28 de Dezembro de 1998, perto da uma hora da manhã ocorreu a queda de um meteorito no Monte Carapetel, Aldeia de Palheiros, a sul de Ourique, distrito de Beja. Muitos dos habitantes locais ouviram os estrondos e viram o clarão, quando da passagem do bólide, na baixa atmosfera e embate do meteorito no solo. Segundo relatos recolhidos no local por elementos da Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores, o clarão iluminou o céu como se fosse dia durante uns 10 segundos, (indicador de uma magnitude superior a - 14, Lua Cheia), segundo uma testemunha que se encontrava no momento a entrar em casa. Foram numerosos os testemunhos de dois estrondos, um primeiro forte, seguido de outro mais fraco após alguns segundos, o que pode perfeitamente indicar o estampido na baixa atmosfera e o som do impacto. Não está, contudo, excluída a hipótese da queda de dois ou mais fragmentos, visto os dois sons terem sido ouvidos em localidades muito afastadas, desde Vila Nova de Milfontes até Ourique.

No local da queda (estrada rural de terra batida) foi produzida uma pequena cratera alongada (60 x 30 x 15 cm) de azimute 115º (aproximadamente W-E). Após o impacto o corpo fragmentou-se em vários pedaços e muitas partes do meteorito ficaram expostas em leque, para Leste, até pelo menos 55 m, posição onde foi colhido o maior fragmento recuperado de 2,6 Kg. No interior da cratera ficaram alguns pedaços. O meteorito foi encontrado pelo Sr. António Silva, dois dias depois da queda, que estranhou aquelas pedras anómalas no caminho e um cheiro intenso a enxofre. Logo relacionou o achado com o evento que toda a população tinha ouvido e viu tratar-se de “pedras caídas do céu". Depois disso vários populares visitaram o local da queda e recolheram amostras como recordação.

Embora sendo difícil, se não mesmo impossível, um recenseamento de todos os fragmentos - alguns chegaram mesmo a ser oferecidos e vendidos a turistas que se deslocavam para o Algarve - calcula-se que o diâmetro original do corpo deverá ter sido da ordem dos 25 centímetros, o que corresponde a uma massa na ordem dos 30 Kg - possivelmente a maior queda registada no nosso país. O Departamento de Geologia da Universidade de Lisboa conseguiu recuperar quatro fragmentos significativos, sendo o maior (de 2,6 Kg) depositado no Museu Nacional de História Natural, por vontade expressa do Sr. Manuel de Brito, um habitante da Aldeia de Palheiros. Fragmentos menores - com menos de 1 cm - foram ainda recuperados no local da queda.


Fragmento maior do meteorito de Ourique oferecido ao autor pelo agricultor Manuel de Brito, da Aldeia de Palheiros, com a vontade expressa de que fosse depositado no “museu do Prof. Galopim de Carvalho” (foto do autor).
O meteorito mostra uma cor cinzenta, ligeiramente esverdeada, com a típica crusta de fusão negra, por vezes acastanhada e de aspecto vítreo. Nesta são visíveis estruturas de ablação em que se destacam as típicas formas em "impressões de dedos", conhecidas por regmaliptus, desenvolvidas durante o voo do meteorito na atmosfera. Macroscopicamente, são visíveis os côndrulos que não ultrapassam os 2 mm, as olivinas e ligas metálicas. O meteorito é facilmente atraído pelo imã. Nota-se ainda a textura em brecha, coexistindo clastos mais escuros no seio de fragmentos cinzentos mais claros - um aspecto típico dos condritos ordinários e correspondendo a brechas de rególito. A densidade de massa do meteorito é de 3,5 g/cm3.

Das quatro lâminas polidas estudadas em microscopia óptica de reflexão e de transmissão verificou-se estarmos na presença das características texturais do grupo 4 dos condritos ordinários: côndrulos bem desenvolvidos numa matriz opaca a muito fina, com matéria amorfa em desvitrificação, abundantes olivinas e ortopiroxenas do tipo bronzite. Os opacos encontrados são essencialmente troilite e ligas de Fe-Ni, sendo estas muito mais abundantes. Um estudo em microscopia electrónica de varrimento, com sistema de análise EDX, mostrou que algumas destas ligas apresentam teores variáveis de níquel, com uma zonação caracterizada pelo aumento deste elemento do centro para a periferia, um assunto que importa detalhar com vista a conclusões sobre as taxas de arrefecimento do corpo parental do meteorito.

Os côndrulos são abundantes e distintos, apresentando-se alguns bordeados por um fino anel de recristalização. Todos os tipos geralmente encontrados nos condritos ordinários estão presentes: porfiríticos, radiados, finamente granulares, barrados e vítreos. Alguns côndrulos apresentam bordaduras parciais de Fe-Ni.


Aspecto microscópico dos diferentes tipos de côndrulos na matriz do condrito de Ourique (foto do autor).
Um estudo à microssonda electrónica mostrou que a olivina apresenta uma composição muito constante de (18 a 19% molar de faialite) e uma composição média da piroxena de 16% molar de ferossilite, permitindo classificar este condrito no grupo dos bronzíticos (tipo H). Com base nas características observadas classificámos o meteorito de Ourique no tipo H4 da classificação petrográfica de Van Schmus e Wood, que corresponde ao segundo grupo de condritos mais abundantes com as fronteiras dos côndrulos distintas a pouco apagadas, com vidro raro e silicatos próximos do equilíbrio. Estudos químicos e isotópicos, bem como uma detalhada descrição das populações de clastos estão ainda em curso pelo autor. Este meteorito associa-se aos asteróides do tipo S, uma população frequente na parte mais interior da cintura de asteróides e o grupo mais abundante dentro daqueles que se aproximam e cortam a órbita da Terra. A submissão do nome e apresentação das características e classificação com vista à sua aceitação internacional foi feita à Comissão do Meteoritical Bulletin no dia 4 de Fevereiro de 1999 às 12:46:5 UTC e confirmada a recepção, no dia seguinte, como "new meteorite fall", sendo, até agora, a primeira queda de um meteorito em Portugal a ser classificada por um geólogo português.

Bibliografia:

  • Galopim de Carvalho, A & Monteiro, J.F. (1999) A propósito do meteorito de Ourique. Museu Nacional de História Natural, Lisboa.
  • Hutchison, R. (2004) Meteorites: a Petrologic, Chemical and Isotopic Synthesis. Cambridge University Press, Cambridge.
  • Monteiro, J.F. (2003) El Vulcanismo en el cinturón de Asteroides. In “Crónicas del Sistema Solar” Ed. Francisco Anguita & G. Castilla. E. Sirius, Madrid.

  •