Imagem de Júpiter obtida com um telescópio de 254mm de diâmetro e uma câmara CCD refrigerada. Quando a estabilidade da nossa atmosfera o permite, os instrumentos utilizados por amadores conseguem revelar numerosas estruturas, e a passagem das maiores, ou mais contrastadas, no meridiano central do planeta pode ser cronometrada visualmente. Em alternativa, as suas coordenadas (latitude e longitude) podem ser directamente obtidas a partir de imagens utilizando software como “JUPOS”, já referido ha duas semanas. Estes projectos de monitorização, de âmbito mundial, permitem detectar rapidamente o surgimento novas formações atmosféricas em Júpiter, e seguir ao longo do tempo a sua deriva em longitude relativamente aos sistemas I, II e III de rotação. Tal possibilita avaliar continuamente a velocidade das correntes atmosféricas nas várias latitudes Jovianas, as quais são normalmente mais intensas nas interfaces entre zonas e cinturões, e que até agora têm mostrado grande estabilidade ao longo dos anos. Clique na imagem para activar uma pequena animação numa nova janela, a qual mostrará a fracção da atmosfera de Júpiter acessível, devido à rotação do planeta, numa sessão de observação de algumas horas. Crédito: António Cidadão.
Como sucede com os outros “gigantes gasosos”, Júpiter é um mundo sem topografia onde a atmosfera se continua gradualmente com o interior líquido do planeta. Tal como já foi referido há duas semanas atrás, Júpiter possui cerca de meia dezena de correntes atmosféricas relevantes em cada hemisfério, situação muito mais complexa do que a vigente na nossa própria atmosfera, e apresenta padrões meteorológicos (tempestades) que se podem manter activos durante séculos e alcançar dimensões que ultrapassam a do nosso planeta. Os ventos que caracterizam a circulação atmosférica Joviana são ainda cerca de 3 a 4 vezes mais intensos do que os habitualmente observados na Terra.

Tal como uma noção correcta da dinâmica da nossa atmosfera não se consegue analisando uma única imagem produzida por um satélite meteorológico, também as intensas circulações que têm lugar na atmosfera Joviana podem passar facilmente despercebidas quando da observação esporádica do planeta, ou da obtenção ocasional de imagens. Nestes casos, a rápida rotação do planeta e os movimentos dos satélites galileanos são, de longe, os fenómenos mais evidentes. Para a dinâmica da atmosfera de Júpiter se revelar minimamente é necessária a acumulação temporal de dados posicionais referentes às mesmas estruturas, a qual permite a subsequente elaboração de gráficos que demonstram as suas derivas, quer umas em relação às outras quer relativamente aos clássicos sistemas I a III de rotação, já referidos. Tais derivas ocorrem basicamente em termos de longitude, dado que as correntes atmosféricas que determinam o aspecto “em bandas” do disco planetário também impõem grandes constrangimentos ao desvio em latitude de uma dada formação atmosférica.

Exemplos de algumas das formações atmosféricas Jovianas cujo aparecimento, posicionamento, e alterações ao longo do tempo devem ser monitorizados. 1- surgimento de “plumas” equatoriais, nuvens brancas, brilhantes, que normalmente seguem as projecções azuladas do NEBs; 2- morfologia e posição de ovais anticiclónicas do STB, por vezes de grande dimensão mas podendo exibir um baixo contraste; 3- surgimento de pequenas ovais, brilhantes ou escuras que, quando se colocalizam nas mesmas latitudes, são potenciais alvos de interacção ou mesmo fusão; 4- surgimento, morfologia e posicionamento de formações ciclónicas do NEBn designadas “barcaças”, que também podem interagir mutuamente; 5- visibilidade, cor e contraste de bandas a nível das zonas, neste caso concreto a NTrZB, as quais não devem ser confundidas com cinturões situados a latitudes próximas e por vezes atenuados; 6- NTB atenuado, mas apresentando alguns sectores com contraste mantido, dos quais as coordenadas das extremidades “p.” e “f.” devem ser determinadas. Crédito: António Cidadão.
Normalmente, a obtenção de resultados precisos está dependente da análise e tratamento estatístico de um grande número de imagens, sendo tal tarefa efectuada a nível das organizações (associações, clubes) que gerem as bases de dados amadoras para onde devemos enviar o resultado das nossas observações. Dado que é virtualmente impossível um indivíduo ou uma pequena organização local dedicar-se, em simultâneo, à monitorização das inúmeras facetas do dinamismo atmosférico de Júpiter, a contribuição será muito mais eficaz se o seu esforço se centrar num determinado aspecto particular do problema (ex. análise das variações da cor dos cinturões ou zonas, ou da própria GRS; monitorização de potenciais interacções entre anticiclones situados do SSTB, etc.). A elaboração e divulgação destes pequenos “planos de trabalho” associativos pode, por sua vez, cativar um maior número de contribuições observacionais por parte dos seus membros. Do meu ponto de vista, tais iniciativas devem ser acarinhadas.

Para uma tradução visual da dinâmica da atmosfera de Júpiter, a abordagem de maior impacto é sem dúvida a elaboração de animações a ritmo acelerado, normalmente centradas na longitude Joviana onde um determinado evento irá potencialmente ocorrer. A intervalos coincidentes com um dos clássicos sistemas de rotação do planeta, que em todos os casos ronda as 10 horas, são obtidas imagens que depois se utilizam como fotogramas para construir a referida animação. É uma tarefa que pode ser difícil de conseguir a partir de uma única posição geográfica, devido ao período de rotação da Terra (24 horas) e, fundamentalmente, pelas incertezas associadas à transparência e estabilidade da nossa própria atmosfera. Os resultados obtidos pelos amadores não se comparam em resolução (tanto espacial como espectral) ou cobertura contínua (em períodos de tempo muito limitados) aos até agora acumulados por sondas espaciais, nomeadamente Cassini 1 e Voyager 2. No entanto, a comunidade amadora é globalmente muito extensa, e é formada por observadores motivados que têm acesso a numerosos instrumentos e abundante “tempo de observação”, algo de precioso e que tem de ser gerido criteriosamente a nível dos instrumentos profissionais. Por todas estas razões, a contribuição amadora na monitorização de fenómenos, por vezes de estabelecimento muito rápido, pode ser relevante.

Imagens de Júpiter, obtidas com 3 dias de intervalo, mostrando alguns aspectos da evolução de um dos eventos mais dinâmicos que pode ser observado a nível do NEB. Uma perturbação (“rift”) de nuvens brilhantes que habitualmente evolui de N para S no cinturão, e deriva em longitude muito mais rapidamente que outras estruturas situadas no NEBn, neste caso duas ovais anticiclónicas e três pequenas “barcaças”. Clique na imagem para activar uma pequena animação numa nova janela, a qual mostrará o fenómeno e confirmará que, na interface S do NEB, a perturbação progrede segundo o sistema I de rotação característico nas projecções azuladas do NEBs. Na imagem da esquerda, Calisto encontra-se próximo do limbo seguidor do planeta, e na da direita Io encontra-se em trânsito sobre o SEB projectando a sua sombra neste cinturão. Crédito: António Cidadão.


Imagens de Júpiter obtidas, à mesma escala, num período de 3 meses. A diminuição do diâmetro aparente do planeta deve-se ao facto da data das várias observações se afastar, progressivamente, da data da oposição, na qual a distância que o separa da Terra na prática se reduz ao mínimo. Quando várias formações atmosféricas situadas a distintas latitudes se concentram numa dada longitude do planeta, tornam-se muito notórias as diferenças existentes entre os seus períodos de rotação, uma inequívoca demonstração de que não estamos a ver uma superfície “sólida” mas sim a atmosfera de um planeta gasoso. Nesta sequência de imagens, a oval anticiclónica “BA” situada no STB (seta) alcança e ultrapassa a GRS, e é por sua vez ultrapassada pelo grupo de pequenas ovais anticiclónicas situadas mais a Sul, no SSTB. Clique na imagem para activar uma pequena animação numa nova janela, a qual mostrará o dinamismo do evento em projecções cilíndricas do disco Joviano, nas quais a posição da oval BA foi mantida fixa. Além das derivas relativas, em sentido contrário, da GRS e ovais do SSTB, é evidente a evolução de perturbações no NEB e o movimento de progressão muito rápido de uma pequena mancha escura do NNTB. A partir da Terra, as velocidades das correntes atmosféricas de Júpiter inferem-se a partir de dados posicionais de estruturas (ex. manchas ou ovais) a elas associadas. Crédito: António Cidadão.
Exemplos de fenómenos atmosféricos Jovianos de surgimento brusco e/ou evolução rápida são as perturbações do NEB e as interacções com eventual fusão entre ovais anticiclónicas ou entre formações ciclónicas. Existem eventos de evolução mais lenta, na maior parte dos casos previsíveis, como as derivas diferenciais de formações localizadas a latitudes distintas. Existem padrões cíclicos ainda mais lentos, desta vez melhor avaliados ao longo de aparições sucessivas e não em poucos meses ou dias, como alterações da cor das zonas e cinturões, ou GRS, e modificações na espessura em latitude de um determinado cinturão.

A disponibilidade de filtros que transmitem bandas específicas no infravermelho próximo e demonstram selectivamente névoas e nuvens localizadas a diferentes níveis da atmosfera dos planetas gasosos, nomeadamente Júpiter, expandiu ainda mais a possibilidade da contribuição dos amadores, desta vez no que diz respeito à monitorização da constituição vertical da atmosfera Joviana. Esta temática, e genericamente a monitorização de Júpiter no infravermelho próximo, interessa-me especialmente, sendo possível detectar nuvens de desenvolvimento vertical muito rápido em áreas-chave do planeta, nomeadamente na perturbação caótica que segue a GRS e, num âmbito mais alargado, a nível dos cinturões 3.










Imagens de Júpiter obtidas em quatro aparições sucessivas mostrando alterações significativas, mas de estabelecimento lento, que se vão ciclicamente sobrepondo ao padrão clássico de bandas claras e escuras. Em 1999-2000, por exemplo, Júpiter exibia numerosas projecções azuladas do NEBs, muito contrastadas, e uma NTrZ ampla devido à retracção do limite N do NEB. Já em 2000-2001 assistiu-se a um esbatimento considerável das projecções azuladas do NEBs e uma expansão para N do NEB, este último conseguido à custa do estreitamento da NTrZ. Em 2001-2002 a EZn ganhou uma coloração amarelada, mantendo-se atenuadas as projecções do NEBs. Observou-se ainda o início de mais um ciclo de retracção do NEBn, visível na imagem a nível do sector do cinturão que segue a “barcaça” (notar que a NTrZ é mais espessa a partir daí). Por outro lado, a partir de 2002-2003 esbateu-se a tonalidade amarelada da EZn, atenuou-se progressivamente o NTB e intensificou-se o contraste da NTrZB. Embora os limites, em latitude, dos cinturões e zonas possa variar com o tempo, o posicionamento das correntes atmosféricas parece ser muito estável. De igual modo, embora a dimensão e o contraste das projecções do NEBs varie consideravelmente, o seu número total parece não sofrer grandes alterações. No entanto, quando se analisam os padrões atmosféricos de datas muito anteriores, algumas alterações mais dramáticas podem ocorrer. A título de exemplo, no século XIX as projecções azuladas surgiam do SEBn e não do NEBs, e a GRS tinha uma extensão em longitude cerca do dobro da observada presentemente. Crédito: António Cidadão.


Na última quinzena de Março de 2002 ocorreu a fusão de duas ovais anticiclónicas do SSTB, situadas aproximadamente à latitude 40ºS, as quais se encontravam presentes em Júpiter há longos anos. Este tipo de eventos costuma ser rápido, e pode ser desencadeado pela acumulação de perturbações exercidas sobre o par de ovais em interacção por formações atmosféricas próximas. Neste caso concreto, a fusão deu-se quando as duas ovais anticiclónicas estavam simultaneamente em conjunção com a GRS, tendo além disso sido pouco tempo antes ultrapassadas pelo anticiclone “BA”, situado imediatamente a Norte, no STB. Medições posicionais efectuadas durante o evento indicaram que a oval assinalada pela seta amarela sofreu uma desaceleração brusca da sua deriva em relação à pequena oval que a seguia, aproximando-se dela e posicionando-se temporariamente um pouco mais a Norte imediatamente antes da fusão. A previsão e acompanhamento deste tipo de acontecimentos, interessantes e dinâmicos, está perfeitamente ao alcançe de amadores, desde que exista adequada estabilidade atmosférica para a visualização das ovais, e rotinas observacionais que atempadamente detectem alterações do seu posicionamento relativo, concretamente uma aproximação mantida. Clique na imagem para activar uma pequena animação numa nova janela, a qual mostrará o dinamismo do evento em projecções cilíndricas do disco Joviano. Será também evidente a evolução de perturbações no NEB. A imagem de 21 de Março mostra a sombra de Europa no disco planetário, e a de 21 de Março Calisto terminando o seu trânsito. Crédito: António Cidadão.


A utilização concertada de filtros de infravermelho de banda larga (em cima) e de filtros da “banda de metano” (no meio, ampliado na fila de baixo), permite abordar a estrutura vertical da atmosfera Joviana. Nesta pequena sequência de imagens, obtida de dois em dois dias, assiste-se ao surgimento (seta vermelha) e subsequente desaparecimento de uma pequena nuvem brilhante na perturbação caótica que segue a GRS. O filtro da “banda de metano”, que demonstra selectivamente as neblinas e nuvens mais altas, confirma que se trata de uma formação que no seu desenvolvimento atingiu as regiões da atmosfera onde existe uma pressão inferior a 0,5bar. Nas imagens obtidas a 29 de Janeiro de 2002 Ganimedes está iniciar um trânsito. Clique na imagem para activar uma pequena animação numa nova janela, a qual mostrará o surgimento da nuvem em imagens obtidas com o filtro infravermelho de banda larga e, simultaneamente, muitos outros aspectos do dinamismo da atmosfera de Júpiter. Crédito: António Cidadão.




1 Portal “Ciclops”, onde se concentram as imagens e animações obtidas pela sonda Cassini, referentes à sua missão científica dedicada ao planeta Júpiter, efectuada conjuntamente com a sonda Galileo. Cassini encontra-se presentemente rumo ao seu destino final, o planeta Saturno e respectivos satélites: http://ciclops.lpl.arizona.edu/diary/diary-jupiter.html

2 Endereço onde se concentram numerosos filmes de índole astronómica, nomeadamente animações aceleradas efectuadas pelas sondas Voyager: http://image.gsfc.nasa.gov/poetry/movies/movies.html

3 Portal do projecto Galileo, onde se concentram os resultados científicos acumulados por aquela sonda, durante a sua extensa missão: http://galileo.jpl.nasa.gov/images/jupiter/lightning.html