Júpiter e os seus quatro satélites galileanos, tal como podem ser fotografados através de um pequeno telescópio amador. Clique na imagem para activar uma breve animação numa nova janela, a qual mostrará a rotação Joviana e a verdadeira “dança” dos satélites determinada pelo seu movimento orbital. Como seria de esperar, a rotação de Júpiter dá-se da esquerda para a direita (ou seja no sentido f. para p.). Apenas um dos satélites (Europa; seta verde) apresenta um movimento aparente no mesmo sentido, e dentro de pouco tempo transitará sobre o disco Joviano. Todos os outros satélites encontram-se em posições orbitais que os colocam mais afastados do que Júpiter quando observados a partir da Terra. Io (seta azul) e Calisto (seta amarela) foram já ocultados pelo planeta, e Ganimedes (seta vermelha) selo-a dentro de algum tempo. Verificar-se-á também que Calisto (seta amarela) desaparece durante a animação, devido ao facto de ter entrado no cone de sombra projectado por Júpiter e, deste modo, ter sido eclipsado. Esta animação foi obtida após a oposição, e tal como a sombra dos satélites os segue por tal altura, também o cone de sombra projectado por Júpiter segue o disco planetário. Precisamente o oposto sucede antes da oposição e, por altura da oposição, pode mesmo tornar-se impossível observar eclipses de alguns dos satélites (devido ao facto de eles apenas ocorrerem quando o satélite está simultaneamente a ser ocultado por Júpiter). Crédito: António Cidadão.
Descobertos em 1610 por Galileo Galilei, os quatro maiores satélites de Júpiter (1) expandem as oportunidades observacionais que os amadores podem alocar a este “gigante gasoso”. O seu brilho, cor e diâmetro aparente variam, e tal pode ser confirmado com o auxílio de um telescópio de boa qualidade e, principalmente, numa noite de estabilidade atmosférica adequada. Io é ligeiramente amarelado em observação visual, Europa branco, e tanto Ganimedes como Calisto apresentam, do meu ponto de vista, tonalidade acinzentada, sendo o último nitidamente menos brilhante. Ganimedes, o maior e mais brilhante satélite galileano, e que orbita em torno de Júpiter em pouco mais de 7 dias, é simultaneamente o maior satélite natural do sistema Solar, sendo inclusivamente maior que planetas como Mercúrio e Plutão.

Frequentemente, os satélites passam sobre o disco de Júpiter, e a isso chamamos trânsitos. Dependendo da data do evento, relativamente à data da oposição, a sombra que o satélite projecta sobre o planeta quando do trânsito pode preceder ou seguir o satélite. Cronometrar o início e fim dos trânsitos, assim como o aparecimento (“ingresso”) e desaparecimento (“egresso”) da sombra do satélite é ainda um interessante exercício, que testa a nossa acuidade visual e pode ser comparado com efemérides publicadas (2), ou obtidas a partir de software apropriado já referido na passada semana.

Neste conjunto de três imagens, obtidas há alguns anos quando o polo Norte de Júpiter estava ligeiramente inclinado para nós (quando da observação daquele planeta a partir da Terra), o satélite galileano Ganimedes está prestes a ser ocultado (esquerda) e está em trânsito (direita). Ao centro, para comparação, mostra-se a sombra de Ganimedes projectada sobre o disco de Júpiter. Tal como o satélite em trânsito, a sua sombra apresenta-se sob a forma de um disco escuro, mas exibe um contraste relativamente às nuvens Jovianas muito maior que o do próprio satélite. Notar o posicionamento simétrico de Ganimedes em relação ao equador de Júpiter, especificamente quando o satélite se encontra em trânsito e prestes a ser ocultado. Para cada satélite, este desvio do equador aumenta com a inclinação do plano equatorial do planeta quando este é observado a partir da Terra. Para uma determinada data, ou seja uma mesma inclinação relativa do plano equatorial de Júpiter, o desvio aumenta paralelamente ao raio da órbita do satélite. Crédito: António Cidadão.


Júpiter e dois dos seus satélites, Io e Europa, fotografados no infravermelho com um telescópio de 254mm de diâmetro e uma câmara CCD refrigerada. Clique na imagem para activar uma animação numa nova janela (5,8MB), a qual mostra a rotação de Júpiter, o trânsito completo de Io e sua sombra no disco planetário, e um “fenómeno mútuo” entre Io e Europa (Europa é parcialmente ocultado por Io). Crédito: António Cidadão
Igualmente frequentes são os fenómenos nos quais os satélites são ocultados, ou seja “escondidos” da nossa observação durante o período de tempo em que, devido ao seu movimento orbital, eles passam por trás do planeta. Antes ou depois das ocultações, mais uma vez dependendo da altura do evento relativamente à data da oposição, um dado satélite pode atravessar o cone de sombra projectado por Júpiter, desaparecendo temporariamente num fenómeno a que chamamos eclipse. Tal como referido anteriormente, cronometrar as ocultações e eclipses é um exercício interessante, mas observa-los é seguramente uma oportunidade a não perder numa noite de boa estabilidade. Nestas circunstâncias, será notório que o início e fim das ocultações, assim como a entrada e saída do satélite do cone de sombra Joviano são acontecimentos graduais, onde o pequeno disco do satélite em questão se vai progressivamente transformando num fino crescente, até finalmente desaparecer, e vice-versa. Além da boa estabilidade da nossa atmosfera, que é obrigatória, um telescópio de excelente qualidade, independentemente do seu tipo, ajuda muito, e o uso de grandes amplificações é necessário.

Duplo trânsito de Io e Ganimedes, observado em imagens obtidas num intervalo de 45 minutos. Na imagem da direita, obtida em último lugar, já se observa a sombra de Io projectada sobre o planeta. Notar o menor diâmetro aparente de Io, e o seu mais rápido movimento aparente. Ganimedes apresenta-se ligeiramente mais brilhante que a atmosfera Joviana apenas devido ao facto de estar a transitar na região polar Sul do planeta, onde o escurecimento do limbo é marcado. Crédito: António Cidadão.


Imagem 3D de Júpiter, mostrando o maior de todos os satélites galileanos, Ganimedes, pouco tempo depois de este ter surgido por trás do limbo “seguidor” do planeta. Para visualizar a imagem, utilize óculos com um filtro (ex. celofane) vermelho para o olho esquerdo e azul para o direito. Clique na imagem para activar uma pequena animação numa nova janela, a qual mostrará o evento referido, concretamente o fim da “ocultação” de Ganimedes pelo disco planetário de Júpiter. Crédito: António Cidadão.
Com períodos orbitais variando desde cerca de 1,5 dias no caso de Io, de todos o mais próximo de Júpiter, até um pouco mais de 16,5 dias para Calisto, o mais distante do planeta, os quatro satélites galileanos apresentam pois inúmeras possibilidades de demonstrar o seu dinamismo, modificando rapidamente as posições relativas entre si e com o planeta. Por exemplo, pelo referido anteriormente, é compreensível que algumas vezes nem todos os quatro satélites podem ser observados quando de uma avaliação rápida com um binóculo. Dois ou mais podem exibir posições aparentes muito próximas, confundindo-se com um único satélite, um ou mais do que um podem estar realmente invisíveis devido a uma ocultação ou eclipse, ou ainda estar parcialmente “mascarados” devido a um trânsito. Embora raros, há mesmo ocasiões em que todos os satélites galileanos parecem estar ausentes, obviamente por uma combinação dos factores já referidos. Há ainda outras ocasiões em que o nosso esforço observacional, é premiado com um evento múltiplo, por exemplo o trânsito simultâneo de mais de um satélite. Reforço o facto destes eventos serem previsíveis, pelo que a consulta de efemérides impressas ou utilização de software próprio permite que o amador esteja antecipadamente “a postos” para um dado evento.

Júpiter, e o seu maior satélite, Ganimedes (seta). Em noites de boa estabilidade atmosférica, os satélites galileanos visualizam-se como pequenos discos, nitidamente maiores que os discos de difracção estelares. Nestas condições, além de diferenças de brilho e cor, pode ser possível observar detalhes na superfície dos satélites. A ampliação de Ganimedes, enquadrada em baixo à direita, mostra a formação mais escura conhecida como “galileo regio”. Crédito: António Cidadão.
Vista a partir da Terra, a complexidade da “dança” dos satélites de Júpiter expande-se devido ao facto do plano orbital comum dos satélites ser apenas um pouco inclinado relativamente ao nosso ponto de observação. Isto faz com que dois ou mais satélites, apresentando posições aparentes muito próximas, possam estar de facto muito afastados, em locais simétricos das suas órbitas. Nestes casos, a sua deslocação aparente será em sentidos opostos, e o satélite que se deslocar no sentido da rotação de Júpiter estará posicionado na metade da sua órbita que o intercala entre Júpiter e a Terra. Neste caso, mais cedo ou mais tarde o satélite transita sobre o disco planetário, e no caso contrário é ocultado ou eclipsado por Júpiter. Se a inclinação do plano orbital comum dos satélites relativamente à Terra for a maior possível, então satélites mais afastados de Júpiter, nomeadamente Calisto, podem passar entre este planeta e a Terra e não transitar sobre o disco planetário (passam a N ou a S do planeta) ou, alternativamente, não ser ocultados ou eclipsados.

De 6 em 6 anos, ou seja duas vezes em cada período orbital de Júpiter, ou “ano Joviano”, a Terra e o Sol passam pelo plano orbital comum dos satélites galileanos. Quando tal sucede, ocorrem os denominados “fenómenos mútuos” (3), em que um dado satélite pode ser ocultado por, ou eclipsado pelo cone de sombra de outro satélite, o qual, por sua vez, poderá ser ocultado ou eclipsado por um outro. Durante estes eventos, podem ser realizados estudos astrométricos ou fotométricos, perfeitamente ao alcance de amadores que possuam câmaras de vídeo e, volto a salientar, um sistema que permita atribuir aos dados obtidos referência temporal suficientemente precisa.

Imagens de Júpiter obtidas com alguns minutos de intervalo, primeiro através de um filtro da “banda do metano” (em cima) e subsequentemente com um filtro infravermelho de banda larga (em baixo). Observam-se dois satélites, Calisto (à direita) e Io (à esquerda do disco planetário). A sombra deste último está projectada sobre Júpiter e, como é característico de uma data antes da oposição, a sombra precede o próprio satélite. É evidente a diferença de brilho entre os dois, sendo Io o mais brilhante. É também o que exibe um movimento aparente mais rápido devido ao facto de ter uma órbita mais próxima do planeta, a que corresponde um menor período orbital. O movimento aparente dos satélites coincide com o sentido da rotação do planeta (de f. para p.), precisamente o que sucede quando eles estão posicionados, na sua órbita, entre Júpiter e a Terra, preparando-se para transitar, ou tendo acabado de transitar, sobre o disco Joviano. O oposto acontece quando os satélites estão posicionados de modo a serem ocultados por Júpiter, situação em que exibem um movimento aparente contrário ao da rotação do planeta. Quando da obtenção das imagens, o plano equatorial de Júpiter apresentava-se ligeiramente inclinado relativamente ao plano de observação a partir da Terra, pelo que a posição dos satélites se afasta do equador Joviano. Tal desvio é muito maior para Calisto do que para Io, dado que o primeiro tem uma órbita muito mais afastada de Júpiter. Notar que o brilho dos satélites relativamente ao disco Joviano é maior na imagem obtida com o filtro da “banda de metano” (o qual isola comprimentos de onda onde Júpiter é cerca de 10 vezes menos brilhante devido à forte absorção da luz por parte do metano presente na sua atmosfera). Com este filtro os satélites continuam perfeitamente visíveis quando em trânsito, e a sua ocultação por Júpiter é melhor estudada. O mesmo acontece relativamente à ocultação de estrelas pouco brilhantes por Júpiter. Crédito: António Cidadão.


Nestas duas imagens de Júpiter, obtidas por altura da oposição (esquerda) e algum tempo depois da oposição (direita) Io encontra-se em trânsito (seta) e a sua sombra está projectada sobre o disco planetário. Perto da oposição, o satélite e a respectiva sombra apresentam posições aparentes muito próximas, e após a oposição é característico o satélite preceder a sua sombra. Devido ao escurecimento do limbo Joviano e ao brilho dos satélites, estes são muito mais perceptíveis quando perto do início ou do fim do trânsito. Perto do meridiano central, o brilho e tonalidade do satélite podem tornar difícil a sua discriminação relativamente a um cinturão (especialmente no caso de Io, de cor amarelada) ou a uma zona (situação frequente no caso de Europa, de cor branca). Pelo contrário Ganimedes, e principalmente Calisto, quando em trânsito apresentam-se como pequenos discos mais escuros que as nuvens Jovianas, principalmente se o seu contraste for exagerado por processamento de imagem. É clássico observadores pouco experimentados confundirem Calisto em trânsito com uma sombra de um satélite. Crédito: António Cidadão.


Imagens de Júpiter, obtidas com um intervalo de 15 minutos uma da outra, mostrando o satélite galileano Io com a sua sombra projectada sobre o disco planetário. Notar a cor amarelada do satélite e o grande contraste exibido pela sombra relativamente à brilhante zona equatorial de Júpiter. Quando os satélites estão posicionados perto do limbo planetário ou próximos uns dos outros, bastam poucos minutos para serem evidentes mudanças na sua posição aparente. Crédito: António Cidadão.


1 Portal do “NASA's Planetary Photojournal”, que contém inúmeras imagens e hiperligações relacionadas com os planetas do sistema Solar, nomeadamente de Júpiter e seus satélites: http://photojournal.jpl.nasa.gov/index.html

2 Página sobre “eventos Jovianos”, que contém inúmera informação disponível: http://www.physics.sfasu.edu/astro/jupiter.html

3 Página no servidor do “Le Bureau des longitudes”, em França, contendo informação sobre a última campanha de fenómenos mútuos dos satélites de Júpiter, que decorreu em 2003: http://www.bdl.fr/Phemu03/phemu03.html