Um mapa da radiação cósmica de fundo, pelo satélite COBE. A faixa central (vermelha) corresponde à radiação galáctica e não cosmológica. Para comparação, mostra-se também uma simulação de um mapa da superfície da Terra com uma resolução equivalente. Crédito: COBE-DMR Science Team/NASA.
O modelo padrão da cosmologia é o chamado modelo do Big Bang Quente. Começou a ser desenvolvido em 1927, e tornou-se quase universalmente aceite a partir de 1965. Fornece uma descrição observacionalmente testada da evolução do Universo desde o seu primeiro centésimo de segundo até ao presente. No entanto, deixa ainda questões em aberto. Por exemplo, nada nos diz sobre as condições iniciais, e em particular sobre a origem das estruturas que nele existem. Para isso, é necessário recuar ainda mais no tempo. Faremos isso um pouco mais tarde.

O modelo assenta basicamente sobre três pilares. O primeiro é o chamado "Princípio Cosmológico" (também chamado de Copérnico ou da mediocridade), que sustenta que em escalas suficientemente grandes, o Universo é homogéneo (ou seja, não há qualquer ponto privilegiado) e isotrópico (ou seja, não há qualquer direcção privilegiada). O segundo é a Teoria da Relatividade Generalizada (de Einstein), que descreve a dinâmica do Universo. O terceiro é a hipótese de que o conteúdo do Universo pode ser descrito como um gás perfeito clássico, também chamado gás de Maxwell (isto corresponde essencialmente a supor que a pressão exercida pelo gás é directamente proporcional à sua densidade).

Quais são então as consequências do modelo? A primeira a ser comprovada observacionalmente é que o Universo está em expansão (um resultado conhecido por Lei de Hubble). De facto, as galáxias afastam-se umas das outras com uma velocidade que é proporcional à distância entre elas (salvo pequenas correcções). Note-se que isto não significa que a nossa galáxia seja o centro do Universo. De facto, uma vez que o Universo é homogéneo e isotrópico em larga escala, não pode existir qualquer centro de expansão em 3D. A maneira mais simples de entender este facto é através da já célebre analogia da superfície 2D de um balão a encher. Para uma criatura 2D não existe terceira dimensão, no entanto ela pode facilmente concluir que se encontra num espaço curvo: se se deslocar em linha recta, acaba por voltar ao ponto de partida (além disso, a soma dos ângulos internos de um triângulo é superior a 180 graus). Repare-se que para um ser 2D não faz sentido falar em interior, exterior ou centro do balão; da mesma forma, não faz também sentido falar em interior, exterior ou centro de expansão do Universo.

Convém ainda salientar que a expansão do Universo é uma expansão do próprio espaço, e não uma expansão das galáxias num espaço que já existe. De facto, o espaço é "criado" à mediada que o Universo se expande. Além disso, também não é correcto imaginar o começo do Universo como uma explosão em algum ponto do espaço, primeiro porque não existe qualquer ponto privilegiado (o Universo é homogéneo) e segundo porque o conceito de explosão está associado a um gradiente de pressão (e o Universo é isotrópico). Em particular, o Universo pode expandir-se tão depressa quanto quiser: a velocidade de expansão não está limitada pela velocidade da luz, porque não existe qualquer transporte de energia nessa expansão.

Com estas hipóteses, há apenas três possibilidades para a geometria local do Universo: pode ser esférico (a analogia 2D é a superfície de uma esfera), plano (que pode ser formalmente entendido como uma esfera de raio infinito) ou hiperbólico (a analogia 2D é, localmente, a superfície interna de uma esfera). Note-se que no primeiro caso o Universo é espacialmente limitado, enquanto nos restantes é ilimitado (isto é, continuará a expandir-se indefinidamente). A geometria do Universo depende essencialmente da quantidade total de matéria (e energia) que contém. Isto é uma quantidade difícil de obter observacionalmente, pelo que não há ainda dados absolutamente conclusivos. No entanto, o Universo hiperbólico parece fortemente desfavorecido.

Se o Universo se está a expandir, foi outrora mais pequeno e denso. Vale pois a pena lembrar alguns momentos cruciais da história do Universo. Presentemente, a idade do Universo é de cerca de 13,7 mil milhões de anos, e a sua densidade média é de apenas 3 átomos por metro cúbico. Quando o Universo tinha cerca de 380 000 anos, os electrões combinaram-se com os núcleos, e o Universo tornou-se electricamente neutro. A esmagadora maioria destes núcleos formaram-se quando o Universo tinha apenas 3 minutos, e as abundâncias de cada elemento podem ser calculadas a partir do modelo (revelando um excelente acordo com os resultados observacionais). Assim, o Universo é composto por cerca de 75% de hidrogénio, 24% de hélio e 1% dos restantes elementos (a que em Cosmologia se chama simplesmente "elementos pesados"); destes, apenas o deutério (um átomo por cada dez mil de hidrogénio) e o lítio (um por cada dez mil milhões) foram sintetizados nesta altura. Os restantes, a partir do carbono, foram sintetizados muito mais tarde, nos núcleos das estrelas e em explosões de supernovas. Finalmente, no limite de aplicabilidade do modelo do Big Bang, quando o Universo tinha apenas um centésimo de segundo, era composto por um gás extremamente quente e denso (mil toneladas por metro cúbico) contendo um número aproximadamente igual de fotões, electrões, neutrinos e as antipartículas destes, para além de um pequeno número de protões e neutrões (apenas um por cada mil milhões de fotões).

Note-se que estes fotões estão presentes ainda hoje. A radiação produzida no início do Universo tem obviamente que estar em algum lado, simplesmente porque não existe "lado de fora" do Universo. E está, de facto, em todo o lado, formando um mar de fotões (com uma densidade de cerca de 413 milhões por metro cúbico). À medida que o Universo se expande vai arrefecendo, e a temperatura característica desses fotões vai diminuindo. A sua temperatura característica actual é de 2,726 K (isto é, 2,726 graus acima do zero absoluto, ou cerca de 270 graus centígrados negativos), e foi prevista teoricamente com base no modelo do Big Bang cerca de 20 anos antes de ser observada; a sua detecção em 1965 constituiu o passo decisivo para a consolidação do modelo do Big Bang. Obviamente que existe matéria à nossa volta muito mais quente. Isto sucede porque à medida que se expande o Universo vai-se afastando progressivamente do estado de equilíbrio térmico.

Apesar deste e muitos outros sucessos, o modelo tem também algumas deficiências. Estas não devem ser vistas como falhanços do modelo, mas mais como questões pertinentes às quais o modelo não consegue dar resposta, em parte por não ter sido construído para esse fim. Todas estas deficiências estão de alguma forma ligadas às condições iniciais do Universo. Discutiremos apenas duas delas.

A primeira está precisamente relacionada com a radiação cósmica de fundo. Há cerca de 380 000 anos, quando se formaram os átomos, esse mar de fotões deixou praticamente de interagir com a restante matéria do Universo, e tem-se mantido quase inalterado desde então. Por incrível que pareça, isto permite-nos reconstruir uma imagem do Universo nessa altura (ou seja, quando tinha apenas 380 000 anos), o que foi feito pela primeira vez em 1992, a partir de observações por satélite (COBE, ou seja COsmic Background Explorer), e sucessivamente melhorado desde então. O que se observa são pequenos desvios à homogeneidade (de cerca de uma parte em cem mil), que se traduzem em pequeníssimas flutuações de temperatura. Estas flutuações de temperatura correspondem a flutuações de densidade, e são de facto impressões digitais das tais flutuações primordiais que desencadearam a formação das galáxias.

Estas flutuações de densidade foram posteriormente amplificadas pela força gravítica, até originarem as estruturas que hoje podemos ver. A questão é então, o que deu origem a estas flutuações? Há actualmente dois paradigmas (cada um dos quais contém uma série de modelos particulares) que podem eventualmente explicar este processo. Quer a inflação quer os defeitos topológicos têm as suas próprias qualidades e defeitos, e a situação actual não é totalmente clara. Por um lado, as previsões de muitos modelos inflacionários parecem estar de acordo com os dados observacionais, mas nem um único destes modelos está bem motivado sob o ponto de vista da física de partículas. Por outro lado, os modelos com defeitos topológicos surgem naturalmente em modelos da física de partículas, mas as suas previsões são mais difíceis de reconciliar com os dados observacionais. Importa ainda dizer que há varias situações em que os dois tipos de modelos co-existem e contribuem para a criação das flutuações primordiais.

Outra questão importante a que o modelo do Big Bang não responde é, surpreendentemente, a do conteúdo do Universo. Obviamente só podemos ver directamente matéria que emita luz, mas sucede que a maior parte da matéria do universo não o faz. Por exemplo, pensa-se que a parte visível das galáxias está rodeada por halos de matéria escura, com um tamanho que pode ser até 30 vezes maior do que o da parte visível. Se toda esta matéria fosse visível, o céu nocturno seria muito parecido com um célebre quadro de Van Gogh.

Assim sendo, há apenas evidência observacional indirecta para a existência de matéria escura, mas apesar disso há uma ideia razoável das suas propriedades. Cerca de 5% da matéria do Universo é visível. Outros 5% são matéria escura normal, ou seja essencialmente bariões (protões e neutrões). Esta encontra-se muito provavelmente sob a forma de MACHOS (Massive Compact Halo Objects), como anãs brancas e castanhas, estrelas de neutrões e possivelmente buracos negros. Cerca de 25% da matéria do Universo é matéria escura fria, ou seja partículas exóticas pesadas e não-relativistas, como axiões ou WIMPS (Weakly Interacting Massive Particles). A matéria escura fria tende a agregar-se, em particular formando os halos galácticos e arrastando consigo os bariões durante o colapso.

Finalmente, cerca de 70% da densidade de energia do Universo está sob a forma de uma constante cosmológica (ou seja, energia do vácuo), ou de algo cujo efeito gravitacional lhe é muito semelhante. Ao contrario da matéria escura fria, esta componente nunca se agrega. Pelo contrário, forma uma distribuição homogénea e tende a acelerar a expansão do Universo. De facto há alguma evidência observacional para uma fase de expansão acelerada do Universo, que começou muito recentemente. É interessante notar que um período de expansão acelerada no futuro, apesar de não pôr quaisquer problemas do ponto de vista cosmológico, é problemático para a teoria de supercordas.

Estes ingredientes são necessários para construir modelos cosmológicos. Começando com um paradigma teórico, adiciona-se um determinado conjunto de parâmetros cosmológicos (idade, conteúdo, etc) e determinam-se as consequências observacionais relevantes. A comparação com os dados observacionais ditará o futuro de cada modelo.