Esta é a ultima parte duma série de artigos sobre o instrumento Near Infrared Mapping Spectrometer (NIMS), a bordo da sonda espacial americana Galileu, que se encontra em órbita do planeta Júpiter.

Figura 6: Imagens de Júpiter a 1,6 m (esquerda) e a 2,16 m (direita)
Veremos agora uma observaçãode Júpiter feita por NIMS que ilustra a capacidade do instrumento como camera.

As figuras mostram cinco imagens de Júpiter obtidas simultaneamente em Setembro de 1996, em cinco comprimentos de onda diferentes. É notória a grande diferença entre elas e estas diferenças ensinam-nos sobre a estrutura vertical da atmosfera.

A primeira imagem (na figura 6 à esquerda) corresponde a um comprimento de onda de 1,6 m onde há pouca absorção. Vemos a luz solar reflectida pelos topos das nuvens de amoníaco. Existem muitas estruturas e vê-se claramente onde há mais e menos nuvens. Também se nota a grande mancha vermelha.

Na segunda imagem (Figura 6 à direita) vemos um Júpiter escuro,excepto na zona da grande mancha vermelha. Esta imagem foi obtida a um comprimento de onda de 2,16 m, numa banda de absorção intensa de hidrogénio molecular. Aqui vemos a luz solar reflectida por particulas que se situam em zonas altas da atmosfera a uma pressão de 0,04 bar aproximadamente (o que corresponde a 100 km por cima dos topos das nuvens de amoníaco). Observam-se neblinas no cimo da grande mancha vermelha. Também se observa neblina, embora mais fraca, na banda equatorial norte.

Figura 7: Imagem de Júpiter a 2,73 m
A terceira imagem (Figura 7), a 2,73 m, é muito parecida com o primeira, o que não é de estranhar, porque também neste comprimento de onda a absorção é pouca. Vemos que as zonas escuras são mais escuras que as a 1,6 m. Isto acontece porque neste comprimento de onda as particulas mais pequenas das nuvens, que dão o aspecto de pouca nitidez à primeira imagem, já não se observam.

A quarta imagem foi observada a 3,0 m (Figura 8 à esquerda), um comprimento de onda com alguma absorção de amoníaco. Vemos aqui a luz solar reflectida por cima das nuvens de amoníaco mas não tão alto como na segunda imagem.

A quinta imagem mostra Júpiter a 5,0 m (Figura 8 à direita). É uma zona no espectro em que vemos radiação que provem de níveis de pressão entre 4 e 8 bar (aproximamente 70 km abaixo das nuvens de amoníaco). Comparando com a terceira imagem observamos uma correlação: a imagem a 5,0 m parece o negativo da de 3,0 m. Isto não é de estranhar, já que onde há nuvens espessas (o branco na terceira imagem) a radiação debaixo não atravessa estas nuvens e por isso não vemos radiação na imagem a 5,0 m. As estruturas brancas na imagem a 5,0 m são chamadas "pontos quentes". Falarei mais adiante sobre estas zonas tão particulares.

Veremos agora em mais pormenor um espectro NIMS de Júpiter. As Figuras 9 e 10 mostram um espectro que foi obtido durante a primeira passagem de Galileo em Junho de 1996. Podemos dividi-lo aproximadamente em 2 partes:

  • <3 m; parte onde domina a luz do Sol reflectida pelas nuvens. Existem muitas bandas que absorvem a luz solar. A energia assim captada é transformada em calor (aumentando o movimento das moléculas que constituem a atmosfera) o que influencia a estrutura térmica principalmente na estratosfera (ver Figura 5 no capítulo sobre o perfil térmico da atmosfera).
  • >3 m; na parte térmica do espectro vemos principalmente a radiação proveniente da atmosfera propriamente dita. Entre 3,2 e 3,9 m encontramos fortes bandas de metano que absorvem quase toda a radiação. Entre 3,9 e 5,2 m e sobretudo a partir de 4,5 m existe a chamada janela de 5 m. Esta zona é uma dádiva da natureza por ser das poucas em todo o espectro electromagnético de Júpiter em que sondamos níveis de pressão que rondam os 8 bar (ver Figura 5 no capítulo sobre o perfil térmico da atmosfera).

    A Figura 10 mostra uma ampliação desta zona (traço contínuo) comparada com um modelo teórico (a tracejado, veja também a explicação na primeira parte desta série de artigos). Estão indicadas as moléculas que dão origem às bandas de absorção que se observam. A intensidade no geral, nesta janela, está enfraquecida pela presença de camadas de nuvens a 0,5 e 1,5 bar. Quanto mais finas forem estas camadas mais transparentes serão à radiação. As zonas com elevada transparência mostram grandes intensidades na janela de 5 m e por isso sâo chamadas "pontos quentes". Estas "aberturas" na cobertura das nuvens são mais frequentes numa cintura equatorial com 15o de largura (ver Figura 8). O módulo de entrada penetrou num destes pontos quentes e por isso mediu pouca nebulosidade.

    O espectro da Figura 10 é de um ponto quente. O modelo foi calculado com um programa de computador e mesmo a observação não sendo da mesma zona de entrada do módulo, foi utilizado o mais possível as medidas do módulo como parâmetros de entrada do programa (perfil de temperatura, quantidades de gases, níveis de pressão das nuvens, etc). A correspondência é boa, o que indica que o modelo utilizado funciona bem e que os parâmetros utilizados descrevem razoavelmente a estrutura física da atmosfera da zona onde foi obtido o espectro.

Figura 8: Imagens de Júpiter a 3,0 m (esquerda) e a 5,0 m (direita)
Na janela de 5 m podemos medir, a partir dos espectros NIMS, a quantidade de vapor de água na atmosfera entre 4 e 8 bar, assim como a transparência da camada de nuvens que se situa por cima de 2 bar. O grande poder de NIMS consiste em obter muitos espectros próximos uns dos outros e construir assim mapas de zonas escolhidas (ver segunda parte desta série de artigos).

Neste momento dispomos de milhares de espectros da zona em volta do equador, entre outras. Estes espectros permitem medir as variações espaciais de vapor de água e transparência das nuvens. A distribuição espacial de vapor de água traça o movimento atmosférico.

Os resultados mostram que a atmosfera de Júpiter é muito seca nas zonas dos pontos quentes (menos que 10% de humidade de água, o que é bastante mais seco do que o que se encontra nos desertos terrestres) e têm pouca nebulosidade. Neste momento, existem várias teorias que tentam explicar este efeito. Uma delas diz que os pontos quentes correspondem a braços descendentes de células de conveçcão. Os braços ascendentes destas células ao subir condensam os vapores formando nuvens (por exemplo, água, amoníaco), como acontece na Terra. Esta teoria é a mais popular mas ainda há muito trabalho a fazer no sentido de saber se ela corresponde realmente à realidade joviana.

Já existem bastantes resultados interessantes obtidos da analise dos dados NIMS. No entanto, ainda há muitos mais dados para serem analisados e re-analisados, fornecendo trabalho científico para os próximos anos.


Figura 9: Espectro completo NIMS de um ponto quente parecido com o local na atmosfera onde entrou o módulo. Vemos diferentes absorções de amoníaco e metano na parte reflectida do espectro. As bandas intensas de absorção de metano entre 3,2 e 3,9 m fazem com que quase não escape radiação nesta parte do espectro. Na janela de 5 m (4,5 e 5,2 m), entre fortes absorções de metano à esquerda e amoníaco à direita, observamos radiação térmica da atmosfera por baixo das nuvens.


Figura 10: Um ampliação da Figura 9, na janela de 5 m. O traço contínuo mostra a observação e o a tracejado o cálculo teórico. Este cálculo demorou aproximadamente 2 horas num computador bastante poderoso. Vê-se a boa correspondência dos dois traços indicando que o modelo teórico utilizado representa bastante bem a realidade física.

De NIMS a VIMS

Nesta série de artigos vimos o grande poder da espectroscopia no infravermelho para o estudo dos planetas do sistema solar. O aparecimento de espectrómetros de imagens, como NIMS, dá novos meios para uma melhor compreensão destes mundos distantes. Porém, não devemos perder de vista as suas limitações técnicas e físicas, como por exemplo a profundidade limitada de atmosfera que pode ser medida por estes métodos, a resolução espectral e espacial dos instrumentos, as incertezas no processo de interpretação da informação que nos chega. Numa atmosfera existem imensos processos complexos e interligados dos quais apenas percebemos um pouco.

A missão oficial de Galileo terminou em Dezembro de 1997 mas devido ao bom estado da sonda resolveu prolongar-se a missão. No final a Galileo fez bem mais de três vezes aquilo que estava previsto. Neste momento, a maior parte dos instrumentos foram desligados. A sonda Galileo vai ser enviado para dentro da atmosfera de Júpiter em 2003, e desaparecerá para sempre.

A próxima missão a um planeta gigante, a Cassini, encontra-se a caminho de Saturno onde chegará em Julho de 2004. A bordo encontra-se, entre outros instrumentos, VIMS (Visible and Infrared Mapping Spectrometer) um irmão melhorado de NIMS. Cassini leva também um módulo, Huygens, que entrará na atmosfera de Titã, o maior satélite de Saturno. Este módulo tem também um espectrómetro de imagens, DISR (Descent Imager-Spectral Radiometer).

A aventura da investigação planetária está apenas no seu início.

Mais informações sobre a missão Galileo e o progresso da missão Cassini podem ser obtidas em:

  • www.jpl.nasa.gov/galileo
  • www.jpl.nasa.gov/cassini