Meteor Crater, no Arizona (EUA): a primeira cratera de impacto reconhecida na Terra
Há dez anos atrás, numa estrada australiana, perdia a vida um homem cujo nome ficou imortalizado num dos mais famosos cometas dos tempos modernos, o Shoemaker-Levy. Por muitos considerado o principal cientista planetário do século passado, Eugene Shoemaker foi uma daquelas pessoas cujo papel na história da exploração da nossa vizinhança cósmica é incontornável. Um dia, meio a brincar, afirmou que, seduzidos pelos seus novos instrumentos e tecnologias, os astrónomos do século XX tinham abandonado o Sistema Solar. Tinham-se aventurado cada vez mais longe, em busca das respostas às grandes questões: a origem das estrelas, das galáxias, do próprio Universo. E tinham esquecido o cantinho que naquele ocupavam. Mas um outro grupo de cientistas tinha ocupado o seu lugar. Geólogos e geofísicos debruçavam-se agora sobre os milhentos corpos do Sistema Solar, e tinham feito deste terreno órfão o seu campo de estudo.
Gene Shoemaker em 1965, com um modelo da superfície lunar
Esta pequena história, relatada por Richard Preston num livro de 1987, First Light, ilustra bem o que foi o percurso deste geólogo. E que lugar melhor para começar do que na famosa Meteor Crater, no Arizona? Durante muito tempo foi debatida a origem desta estrutura, que alguns atribuíam à actividade vulcânica. Foi Gene Shoemaker quem fez a cartografia detalhada da área, na preparação do seu doutoramento em Princeton, nos finais dos anos 50. Depois de comparar a morfologia da cratera com as formas deixadas por explosões (particularmente as de origem nuclear), chegou a uma conclusão clara: a de que a cratera se devia a um impacto, ao choque com a Terra de um corpo vindo do espaço, com cerca de 30 metros de diâmetro, viajando a perto de 20 km/s (portanto, muito mais depressa do que o som); este processo libertou uma tremenda quantidade de energia e escavou o terreno, deixando a forma que ainda hoje se pode observar. Uma outra prova desta origem era a presença de um mineral, a coesite, que apenas se forma sob pressões colossais. Alguns anos depois, foi também Shoemaker quem o descobriu em rochas na região de Ries, na Alemanha (de facto, o mineral foi encontrado nas pedras de que é feita uma igreja local), o que permitiu concluir que também essa misteriosa estrutura se devia a um impacto meteorítico.
Colisão dos fragmentos do cometa Shoemaker-Levy com Júpiter, em 1994 (visão artística)
O seu trabalho fez com que ele mesmo e outros cientistas se apercebessem da importância deste tipo de fenómenos na história geológica da Terra. E o registo de milhares de milhões de anos de bombardeamento cósmico estava bem evidente na superfície do satélite natural da Terra. Era preciso explorá-la – era preciso conhecer a geologia da Lua. Gene Shoemaker queria estar envolvido nessa tarefa, tão de perto quanto possível; queria ser o primeiro geólogo na Lua. Mas o seu corpo não o permitiu: um problema médico afastou-o desse sonho que alimentava desde os 20 anos. Sem desanimar, veio a desempenhar um papel fundamental na aceitação pela NASA de objectivos científicos para as missões lunares (que ele próprio ajudou a definir), treinou os astronautas no campo e estudou as amostras lunares que eles trouxeram para a Terra, ajudou a fundar a secção de Astrogeologia do USGS (Serviços Geológicos americanos), envolveu-se a fundo em várias missões de exploração dos corpos do Sistema Solar, e dedicou-se ainda à busca telescópica dos asteróides e cometas que cruzam a órbita da Terra (o que o levou, em 1993, à co-descoberta do Shoemaker-Levy, cujos impactos em Júpiter teve ocasião de testemunhar, vendo assim amplamente confirmadas as suas ideias sobre a energia libertada em impactos deste género). E nunca deixou de estudar as crateras na Terra, por todo o planeta. Acompanhado, como sempre, pela sua esposa e colaboradora, Carolyn. Era isso o que fazia na Austrália, no dia 18 de Julho de 1997.
Bevan M. French, outro bem conhecido cientista planetário, escreveu um mais do que apropriado tributo ao amigo desaparecido, em forma de poema. Aqui fica “O Homem que passava a caminho da Lua”, mesmo sem tradução...
Mosaico da face visível da Lua, feito com imagens obtidas pela sonda Clementine (NASA)
The Man Passing by on his way to the Moon
He was born in a Basin
that’s now called LA
He decided quite early
That he wouldn’t stay.
The Moon shone down on him,
there were rocks all around.
And in that combination,
his life’s work was found.
He’d lie is his cradle
and smile at his mother,
with a hammer in one hand
and a rock in the other.
And late in the evening,
you might hear him croon,
“I’m just passing by
on my way to the Moon.”
He started with field work
like all Survey hands,
but salt and uranium
were not in his plans.
It was Meteor Crater
and all of its kin
that changed our whole view
of the world that we’re in.
Then he hooked up with NASA
and worked with Apollo,
‘cause where astronauts went,
geologists could follow.
And in conference or meeting,
he’d sing the same tune,
“I’m just passing by
on my way to the Moon.”
So all young geologists
who are new on the scene,
if you want to do well,
take your lessons from Gene.
Stay close to your field work,
but leave your mind free,
and don’t sit at home when
there’s new worlds to see.
For the young are not finished
with the worlds that we know.
They’ve heard all our stories,
and they are eager to go.
It won’t be next August,
or the following June,
but one day they’ll pass by
on their way to the Moon.
Em 1999, quando a sonda Lunar Prospector se despenhou no pólo sul da Lua, no fim da sua missão, levava a bordo um pequeno contentor com cinzas de Gene Shoemaker.
...where astronauts went, geologists could follow.