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Galáxia M 81 (NGC 3031) vista em infravermelho

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"... quando você tiver eliminado o impossível, seja lá o que restar, por mais improvável que seja, deve ser a verdade."
- Sir Arthur Conan Doyle


Zen, ou a arte de encarar o tempo

2016-02-11
12.Fev.- 18.Fev.2016 (Portugal)

Toda gente fala do tempo, nós também.

Aristóteles definiu o tempo como uma “medida do movimento segundo o antes e o depois", sendo mais que certo que se referiu ao tempo cronométrico.

No entanto, sentado numa esplanada e ouvindo de algures alguém aclamar que “o tempo está mau” requer contexto para ser mentalmente digerido. Será o relógio no pulso a mostrar a hora errada? Será que quem falou está em dificuldades económicas? Será que há nuvens escuras a caminho? Será que uma pauta não satisfaz os critérios musicais do falador? Será um professor de línguas discordando com a conjugação de um verbo?


Enfim, desambiguação presume-se ser mais frequentemente necessária num idioma cujas palavras mais utilizadas contém em média apenas 5 letras (10 letras sobre todas as palavras base portuguesas). Tempo é definitivamente uma dessas palavras.

A astronomia também está sujeita a esse dilema.

O primeiro dos tempos é comum para todos
Os astrónomos, pelo menos alguns e até recentemente, eram responsáveis por velar pelo nosso tempo dito cronométrico. Isto é, confirmar que a hora nos nossos relógios corresponde ao que diz o grande relógio celeste. Embora já não seja preciso astrónomo dedicado para determinar quando for meio-dia, continua ser necessário o acerto preciso entre a posição da Terra e a duração exata do ano. A própria contagem do tempo cronométrico é definida e feita em segundos e fica a cargo de uns quantos átomos de Césio e uma aparelhagem complexa e dispendiosa capaz do feito incrível de contar 1, 2, 3, 4, 5... 9 192 631 770; e pronto: um segundo. 1,2,3,4,5... Portanto, a física assegura que o tempo no relógio é contado sucessivamente em intervalos perfeitamente iguais, a astronomia ainda assegura o início da contagem no momento certo.


O sol é a única fonte de energia para a atmosfera. Esta responde através do tempo meteorológico. A variação e repetição do tempo meteorológico a longo prazo é o clima. Por consequência o sol deve ser responsável pelo clima. Se apenas fosse tão simples...
Até agora pouca desambiguação?
Ainda faltam mais dois.
Na astronomia, obviamente, depende-se também de outro tempo, o meteorológico. Mau tempo significa nuvens, significa céu encoberto, significa não ver as estrelas. Simples, mas grave, por baixo das nuvens os operadores dos telescópios pouco têm que fazer. Mesmo os radiotelescópios sofrem com mau tempo. Embora não sejam as nuvens que os deixem cegos, tempestades com relâmpagos e trovoadas interferem bastante, mesmo a grande distância. Ok, tempo cronométrico e tempo meteorológico... que outro tempo pode encher as conversas dos astrónomos?

Esse é novo.
A humanidade sempre foi inventiva, faz parte do nosso ser. Inventa coisas que precisa para a gente usar depois de comprar, como a roda ou o telemóvel. Inventa coisas que não precisa para a gente comprar na mesma, como quase tudo que não é roda ou telemóvel. Inventa coisas que não precisou, nem precisa e que definitivamente nem quereria comprar. Nesta encaixa a última das três formas de tempo relevantes na astronomia.

Desde sempre, os povos vivendo nas proximidades do círculo polar foram beneficiando por um fenómeno visual peculiar que conhecemos por aurora. Noutras latitudes mais baixas um dia alguém inventou a bússola e outro alguém notou que, ao longo do dia, a bússola se desviava do norte magnético. Poucas décadas mais tarde e vários cientistas em pesquisas sucessivas chegaram à conclusão que as auroras e problemas do magnetismo estavam relacionadas e deram-lhes o nome de tempestades magnéticas. Certa altura, um astrónomo amador muito dedicado relacionou corretamente a ocorrência dessas tempestades magnéticas com a ocorrência de manchas solares gigantes (zonas menos quentes na superfície do sol). Porém, ainda foi preciso esperar até pleno século XX para associar falhas na comunicação de rádio e dos radares com erupções no nosso sol.

Para abreviar, fora da nossa atmosfera reina o caos. Há o vento solar que é uma presença constante, há tempestades solares e ejeções de plasma solar que fazem estragos sérios e são assunto garantido. E quando não há vento solar que chegue somos, bombardeados por radiação cósmica.
Portanto, não houve aqui invenção nenhuma que se vendesse, até alguém se lembrar dar um nome e criar um novo tipo de trabalho e negócio.


Problemas com o GPS, televisão, telemóvel, avião ou outro aparelho de comunicação? Mais de 2000 satélites envolvem a Terra fornecendo os seus serviços. Basta uma erupção solar e um satélite desatento fica avariado de vez. Sem controlo, aqui um satélite russo, não resta mais do que cair. Crédito SMM/Cobb/GRM
Eis o tempo espacial ainda por acolher no dicionário português. Dá trabalho e conversa aos astrónomos, vende-se lindamente aos militares e aos operadores de satélites e aeronaves. É um potencial trauma e pesadelo assegurado para os quer-ser-astronauta-visitar-Marte. Tornou-se tema de estudo nas universidades e devia ser dor de cabeça geral para esta sociedade moderna totalmente dependente do eletromagnetismo. Basta um soluço mesmo sério do sol na direção errada, a nossa, e voltamos a viver como nos tempos medievais (ou filmes pós-apocalípticos).

Tempos estranhos, não são?

Para o tempo espacial: www.spaceweather.eu

Além destes aspetos.
No céu, os tempos não são muito famosos para quem explora apenas com a vista desarmada. A lua passa para quarto crescente no dia 15, portanto uma semana boa para observar cedo o céu noturno, desde que o outro tempo, o meteorológico, o permita. Pela hora de jantar há para os românticos e os curiosos as constelações de inverno a pairar mesmo bem alto no sul. Para madrugadores há ainda a panóplia de planetas (ver semana passada).




Pergunta do mês
Num telescópio ou luneta Mercúrio mostra-se atualmente meio iluminado, enquanto Vénus esta quase cheia. Como esta diferença de fase é possível, se ambos estão do mesmo lado da nossa estrela (oeste do Sol)?
Envie a tua resposta, diagrama ou mesmo só tentativa de explicação, para fev2016@astronomia.pt. Entre todas as respostas razoavelmente corretas é sorteado um conjunto de postais com imagens de objetos do céu profundo. (data limite 24.Fev.2016 Todas as nossas decisões são finais).