Olha, que estranha está a Lua!


Há muitos anos observei, junto com alguns amigos confortavelmente sentado no jardim da minha casa, um eclipse total da Lua. Era uma noite agradavelmente amena e, considerando a hora avançada em que se deu o evento, as ruas da zona semi-rural em que vivo estavam totalmente calmas. Mesmo o típico ladrar dos cães não se fazia notar. A Lua pairava bem alto no céu e apresentava-se com uma cor vermelho-acastanhado escura, totalmente mergulhada dentro da sombra da Terra. A dada altura ouviu-se, à distância, um grupo de pessoas numa conversa animada, em voz alta, saindo provavelmente de uma festa particular na aldeia ao lado. Enquanto este grupo caminhava ao longo do seu percurso, rindo, cantando e aparentemente brincando na rua principal deserta, uma destas pessoas deve ter olhado para o céu e reparado em algo de invulgar. Assim, de repente, nesta cacofonia animada, saiu bem clara uma voz aguda, exclamando espantada "Olha, que estranha está a Lua!". Infelizmente não foi possível acompanhar as respostas, mas o frenesim de conversas abrandou notavelmente, e o grupo continuou o seu caminho bem mais silencioso do que antes desta pequena descoberta.



Fig. 2: Progresso das fases parciais dum eclipse lunar. Crédito: UAA-Arquivo científico/Luís Carreira.


Não é meu habito berrar sobre a paisagem nocturna, assim não deu para prestar esclarecimento do que se estava passar com a Lua. Porém, não consegui evitar ficar admirado. Apesar dos tempos modernos e de as pessoas habitualmente nunca olharem com atenção para o céu, houve nesta noite e naquele momento singular do eclipse um grupo de gente cambaleando no meio da escuridão, que não só olhou para o céu, mas notou que a Lua não se apresentava como é suposto. Pensei na altura que, afinal, ainda não está tudo perdido para o mundo digital, tecnológico e insípido, havendo ainda dentro das pessoas uma pequena chama que nos liga à natureza, ao universo e aos belos espectáculos que estes nos proporcionam.

No próximo mês de Outubro temos pela segunda vez este ano a oportunidade de presenciar uma "Lua estranha". O último eclipse da Lua, no dia 4 de Maio, foi infeliz em quase todo o território português, pois os serviços celestes não colaboraram e fecharam o céu com uma densa camada de nuvens. Resta, portanto, esperar que este último eclipse do ano e dos anos por vir, seja abençoado com bom tempo. Para quem trabalha todos os dias da semana, a noite da quarta-feira (dia 27) para quinta-feira (dia 28) irá obrigar a uma luta com a consciência, pois será uma decisão difícil, a de não perder o último eclipse visível em Portugal.


Fig.3: Fases do eclipses lunar do dia 28 de Outubro 2004 (horas em tempo universal, adicionar uma hora para a hora de Verão em Portugal continental).
Ao invés do primeiro eclipse deste ano, o qual começou com a Lua já ligeiramente mergulhada na penumbra da sombra da Terra, o eclipse total da Lua do dia 28 de Outubro será visível na totalidade, desde da entrada da Lua na penumbra da sombra, logo depois da meia noite, passando pela fase da totalidade, até ao último contacto, quando a Lua se separa definitivamente da penumbra, pouco depois das 6 da manhã. O eclipse começa logo após as doze badaladas da meia noite. Mais exactamente, às 00:06 horas UT (1:06 hora de Verão em Portugal continental), com a entrada da Lua na penumbra da Terra. Porém, a penumbra da Terra é muita fraca e pouco densa. Por isso, o brilho da Lua - a luz do Sol reflectida na face lunar - sobrepõe-se à penumbra terrestre e praticamente não se nota qualquer diferença na Lua durante a fase penumbral do eclipse.

Porventura, existem eclipses lunares apenas penumbrais (p.ex. 24 de Abril 2005). Mas como quase não se nota qualquer diferença, a maioria dos anuários de astronomia nem sequer fazem referência a estes eclipses falhados. No entanto um olhar muito atento consegue até vislumbrar a entrada da penumbra na face lunar. Pelo menos assim confirmaram nos anos 1970 os japoneses S.Fujinami e Y.Yamasaki num estudo de observação realizado com 132 pessoas. Porém, pessoalmente ainda não conseguiu confirmar o mesmo e, portanto, a verdadeira beleza do evento começa com a entrada da Lua na sombra central da Terra.

Quem observar o eclipse a olho nu, mal irá notar o ligeiro escurecimento do limbo lunar, com a entrada da Lua na sombra central (a umbra) às 01:14 horas UT. No entanto, apenas alguns minutos mais tarde, a sombra torna-se mais evidente, quando a face iluminada da Lua parece ter sido mordiscada, do lado esquerdo, por um ratinho esfomeado. Depois disso, é necessário esperar 69 minutos até toda a Lua ter entrado por completo na sombra central da Terra e, com isso, começar a fase da totalidade. Já durante a fase do eclipse parcial talvez poder-se-á notar, que a parte da Lua abrangida pela umbra brilha com uma tonalidade vermelho-escura, mas, apenas com o início da totalidade, quando nenhuma luz da lua cheia eclipsada encandear o olho do observador, deverá sobressair a luz cor de cobre (ver tema específico) em que ela fica banhada. A partir 3:44 horas UT (4:44 hora de Verão em Portugal continental) o evento continua, mas pela ordem inversa, terminando pouco antes do raiar do dia.