O Século XX e a Nuvem de Oort


Introdução


Foto do cometa Halley em 1910 tirada no observatório de Lowell, Flagstaff, Arizona. Cortesia de Lowell Observatory/NOAO/AURA/NSF.
O século XX caracteriza-se por uma actividade científica muito mais massificada e profissional. A Astrofísica e, em particular, a ciência relacionada com cometas não ficou alheia a esses desenvolvimentos. Os avanços tecnológicos na espectroscopia permitiram conhecer a constituição e processos físico-químicos que ocorrem nos cometas. Deram-se desenvolvimentos paralelos no tempo em várias direcções e os anos de 1950 e 1951 foram, sem dúvida, cruciais. Formularam-se, nesse curto período, três ideias fundamentais: o modelo do conglomerado gelado ou “dirty snowball” do núcleo, de Whipple; a identificação a partir de estudos de cinemática da existência de um reservatório de cometas de período longo – a nuvem de Oort; uma explicação do movimento das caudas iónicas dos cometas devido à interacção com o vento solar, dada por Biermann. É interessante que nenhuma dessas ideias resulte directamente de novas evidências observacionais e que partes importantes destas já tinham sido propostas.

É, também, a partir dessa altura que emerge a ideia moderna dos cometas como objectos muito antigos do Sistema Solar constituídos por gelos e poeiras primordiais, geralmente em órbitas instáveis. Nos seus núcleos encontra-se a matéria original do Sistema Solar. A pequena massa de um cometa permite que os gases libertados modifiquem a sua trajectória. A sua fragilidade infere-se das fracturas observadas na sua superfície e o tempo de vida que passam afastados do Sol, preserva o seu material praticamente inalterado térmica e geologicamente, pelo menos na parte mais interior do núcleo. O estudo da evolução dinâmica dos cometas beneficiou do desenvolvimento das tecnologias informáticas que permitem fazer simulações numéricas da evolução orbital resultante dos repetidos encontros periódicos com Júpiter e com os outros planetas. Também revolucionou o trabalho da determinação das órbitas e ligação a aparecimentos passados, para cometas observados, assim como a preparação de efemérides para prever aparecimentos, mesmo para cometas de período longo há muito perdidos.

O Século XX

Em 1900, os físicos Lebedev (1866-1912), Nichols (1869-1924) e Hull (1870-1956) demonstram em laboratório a existência da pressão da luz sobre minúsculas partículas dando consistência à ideia do século XVII, de Kepler, de que a pressão da luz solar podia contribuir para a formação das caudas dos cometas. Desenvolvem-se teorias tomando em consideração as observações. Estabelece-se que as caudas podem formar-se devido à acção de três possíveis forças que se exercem sobre a matéria presente na coma: a força de atracção do Sol; uma força resultante do bombardeamento de partículas provenientes do Sol – o vento solar, sugerida por Lodge (1851-1940); e uma pressão exercida pela radiação solar que empurra as partículas mais leves na direcção oposta à do Sol, proposta por Arrehenius (1859-1927). Arrehenius propõe, em 1900, que essa força repulsiva actua, em particular, sobre as poeiras expelidas pelos cometas. Karl Schwarzschild (1873-1916) desenvolveu essa teoria no ano seguinte que, depois, foi estendida a moléculas por Peter Debye (1884-1966), em 1909.

No reaparecimento do Halley, de 1910, foi registado o mais curto período entre o periélio de 1835 e o de 1910: 74,4 anos. A passagem no pariélio ocorre 2.8 dias antes do previsto nos cálculos. Pela primeira vez usa-se a emulsão fotográfica para estudar o astro. Schwarzschild e Kron, estudam, em 1911, a distribuição de intensidade da luz nas caudas rectilíneas do cometa Halley e sugerem que a emissão podia explicar-se pelo efeito da absorção da luz solar, seguido de re-emissão, ou seja, por fluorescência.

Os Modelos para o Núcleo

Bessel já tinha postulado, em 1836, que a ejecção de material em direcção ao Sol mudava, de algum modo, de sentido, para a direcção anti-solar devido a alguma força repulsiva desconhecida. Fiodr Bredikhin (1831-1904) desenvolveu, em 1903, esta interpretação no modelo mecânico de Bessel-Bredikhin que permaneceu em utilização até aos anos cinquenta.

Sir Arthur Eddington (1882-1944) introduz, em 1910, o Fountain Model ou “Modelo da Fonte” de ejecção de partículas, no qual as parábolas que eram observadas na cabeça de alguns cometas, representam os invólucros exteriores das trajectórias das partículas emitidas a partir do hemisfério do núcleo virado para o Sol ou de superfícies de elevada densidade de matéria. A densidade e estrutura do núcleo e dos próprios cometas permanecia um mistério. Na realidade, nunca aparecera nenhuma silhueta escura de um cometa em frente ao disco solar. Nunca foram observados trânsitos e, por isso, não era possível determinar, por este processo, qualquer espessura óptica para estes corpos.

O Modelo do Banco de Areia

Ao estabelecer-se a relação entre as chuvas de meteoros e a trajectória ou órbita de alguns cometas, formulou-se o primeiro modelo sobre a estrutura e composição do núcleo dos cometas: o modelo do banco de areia. O modelo descreve o núcleo como um agrupamento de partículas meteoróides separadas, com tamanhos que vão desde a milionésima de metro até aos 10 m. O material gasoso observado está embebido nessas partículas meteoróides de poeiras.

Perante a necessidade de uma fonte e de uma origem para todo o material que forma a coma e as caudas postulou-se a existência de um núcleo oculto debaixo da coma, inacessível a olho nu e também para os telescópios. O material ao ser aquecido pelo Sol liberta diferentes componentes gasosos, como água, metano, monóxido ou dióxido de carbono, etc. Uma vez libertados, estes compostos decompõe-se e transformam-se em outros por acção da radiação solar (fotoionização e fotodissociação) dando lugar às espécies que se observam na coma e nas caudas.


Cometa próximo do Sol. Créditos: SOHO/ESA.
O modelo é insuficiente para explicar algumas observações e não consegue explicar a sobrevivência de alguns cometas que passaram muito próximos do Sol. Um corpo que passe muito próximo do Sol é submetido a uma forte tensão e isso faz com que um conjunto de partículas soltas, sem coesão, não possam resistir facilmente a uma aproximação ao Sol ou a qualquer planeta do Sistema Solar sem se destruirem.

No entanto, já em 1843 tinha sido observado um cometa que tinha atravessado a coroa solar sobrevivendo à sua passagem. Os cometas deste tipo constituem uma famíla denominada grupo de Kreutz ou “rossadores do Sol”. Outro dos factos que o modelo não podia explicar tinha a ver com as alterações que se produziam no período orbital de alguns cometas, como é o caso do cometa Encke.

Essas variações não gravitacionais no período orbital foram o ponto de partida de Fred Whipple (nascido em 1906) da Universidade de Harvard, para estabelecer a validade de um novo modelo do núcleo dos cometas – o conglomerado de gelos.

O Modelo do Conglomerado de Gelos

Em 1950, Whipple propõe que os núcleos dos cometas são, sobretudo, uma mistura de gelos de água, amoníaco, metano, monóxido de carbono e outras possíveis moléculas progenitoras dos compostos observados na coma, com inclusões de material meteoróide, poeiras, formando uma espécie de “bola de neve suja”. Whipple, postula também, a partir de observações de diferentes cometas, que cerca de duas terças partes do núcleo são constituidas por gelos e que apenas uma terça parte é constituida por poeiras. Estabelece como condição crítica para a existência desta bola de neve suja, que a sua temperatura de formação terá que ser muito baixa, inferior a -200º C. Se a formação tivesse ocorrido a temperaturas superiores somente haveriam gelos de água nos núcleos.

Whipple descreveu distintas etapas na evolução dos núcleos que orbitam em redor do Sol. Numa primeira etapa, quando o núcleo se aproxima do seu periélio, o Sol aquece os gelos da superfície, que se vaporizam, arrastando consigo as poeiras mais pequenas e leves. As partículas maiores e mais pesadas permanecem à superfície formando uma espécie de manto isolante. Sucessivas passagens em torno do Sol diminuem a quantidade de gelo presente no núcleo sugerindo, assim, que o estado final de um cometa possa ser o de um corpo escuro similar ao de um asteróide. Whipple propõe que o asteróide “Hidalgo” podia ser o remanescente de um cometa que já tinha consumido todo o seu gelo. Com estas suposições, e retomando a ideia original de Bessel, o gás que se liberta quando o cometa se aproxima do Sol produz uma força de reacção sobre o núcleo, similar àquela que permite a deslocação de um foguete, o que modifica ligeiramente a sua órbita em torno do Sol. Assim, o modelo podia explicar as variações observadas no período orbital de alguns cometas e Whipple estimou que a quantidade de gás necessária para produzir essas variações era relativamente pequena, assegurando a sobrevivência dos cometas durante longos períodos de tempo. Em 1961, Whipple estimou entre 1012 - 1017 kg os limites superiores para a massa de um cometa. Whipple estimou, também, tamanhos para o núcleo e concluiu que têm um raio aproximado entre 1 e vários quilómetros. Estimativas posteriores estabelecem dimensões entre 10-100 km (Richter, 1963).

Este modelo de núcleo pode também utilizar-se para interpretar ou explicar outras observações. Alguns cometas pareciam sofrer explosões quando passavam, em períodos de tempo muito curtos, por um aumento espectacular do seu brilho, podendo aparecer até 1000 vezes mais brilhantes que antes do aumento. Segundo Whipple as “explosões” observadas podem dever-se a uma fragmentação ou colapso das partes mais débeis do manto produzindo-se um aumento da quantidade de gás libertado. As “explosões” e a consequente formação de jactos e estruturas na coma também podem ser explicadas pela mistura dos gelos. Por exemplo, sabe-se que o gelo de monóxido de carbono se transforma em gás a uma temperatura inferior à do gelo de água. Assim, uma zona constituida por monóxido de carbono que estivesse rodeada por gelos de água, ao aquecer-se aumentaria a pressão e poderia originar-se uma “explosão”. Este facto nunca poderia ser explicado pelo modelo do Banco de Areia. Apesar do modelo do conglomerado de gelos ser consistente com maioria dos factos observacionais e de ter sido refinado posteriormente, o modelo do banco de areia teve adeptos até finais dos anos 70.

Espectroscopia


Representação dos constituintes de um cometa e a direcção anti-solar das caudas.
A espectroscopia tornou-se uma técnica corrente para estudar a luz dos cometas e descobriram-se, no século XX, novas emissões a uma velocidade crescente. Baldet (1885-1964), em 1926, publicou uma descrição detalhada dos espectros de cerca de 40 cometas, obtidos desde 1864, juntamente com uma bibliografia completa de todos os cometas observados, por espectroscopia, até essa altura. Entre os anos 20 e 30, a utililização de prismas de vidro para recolher os espectros permitiu identificar a presença de vários compostos: o CH na coma e os iões N2+ e CO+ nas caudas. Deve-se a este último composto a cor azulada das caudas rectilíneas dos cometas.

Karl Wurm publicou, entre 1932 e 1939, um conjunto de artigos, sugerindo que, os compostos observados nos cometas deviam ser criados por fotoquímica de moléculas mais estáveis que se encontravam dentro do núcleo, tendo em conta que os radicais e iões observados não eram quimicamente estáveis. A presença de iões nas caudas e o facto dos compostos observados na coma serem quimicamente muito reactivos, fez pensar que as espécies que tinham sido observadas eram, na realidade, moléculas filhas ou produtos de outras moléculas progenitoras quimicamente mais estáveis. Nesse sentido, foi invocada a presença de CO, C2N2, CH4, CO2, N2 e NH3 baseado no facto de terem sido identificados, respectivamente, CO+, CN, CH, CO2+, N2+ e o NH, nos espectros dos cometas. A partir do momento em que se começaram a utilizar os prismas de quartzo, em 1941, detectou-se pela primeira vez a presença de OH- na coma de um cometa, estimando-se que a sua abundância deveria ser superior à de CN.

A espectroscopia permitiu estabelecer, também, numa base quantitativa, que a água é a molécula progenitora da maioria dos átomos de hidrogénio e dos radicais OH- observados. Essas espécies filhas resultam da dissociação por acção da luz solar. Depois da descoberta da emissão maser do OH nos 18 cm (Biraud; Turner, 1974), as observações de OH no rádio tornaram-se rotina e a evidência da presença de água nos cometas passou a ser inegável. Hoje sabe-se que a água é, de facto, um dos constituintes principais dos cometas.

Nos anos quarenta, Polidor Swings (1906-1983) contribuiu muito para o desenvolvimento das novas ideias. Swings propôs muitos candidatos possíveis como moléculas progenitoras, o CH4, entre outros e o CH2 responsável pela emissão registada no intervalo dos 4000-4100 Å. Swings resolve, também, o problema antigo da razão pela qual as riscas do CN, no violeta (3875 Å), dos espectros dos cometas não se assemelharem aos espectros do CN em laboratório e variarem em aparência: devido ao aglomerar das linhas de absorção no espectro solar, a intensidade nos comprimentos de onda excitados dependem do desvio Doppler causado pelo movimento do cometa em relação ao Sol e isso determina a intensidade das linhas de emissão por fluorescência, no espectro do cometa. Este fenómeno ficou conhecido por efeito de Swings.

Em 1952, Delsemme e Swings explicam porque é que os espectros dos cometas permanecem mais ou menos inalterados no tempo, apesar da expulsão permanente de matéria quando o cometa está em actividade. Na realidade, o material mais volátil liberta-se gradualmente da superfície misturado com material menos volátil. O processo de sublimação de alguns gelos é retardado e mesmo no periélio é possivel detectar iões muito voláteis como o CH+ e o CH. Essa explicação constituiu mais um argumento a favor do modelo de Whipple.

Em 1956, Swings e Haser publicam um livro de referência, o Atlas of Representative Cometary Spectra, que consiste na maior colecção, até aquela data, de imagens de espectros de cometas. No final dos anos cinquenta surge a espectroscopia de elevada resolução que permitiu descobrir muitas linhas de emissão desconhecidas, muitas das quais devidas ao C2 e ao NH2. Ainda hoje se discutem quais os emissores de algumas linhas detectadas; as mais prováveis são o CO+, CO2+ e C3 no UV próximo, C2 e NH2 no óptico e NH2 e H2O+ no IV.

A Nuvem de Oort

A questão das órbitas foi também objecto de um intenso estudo na primeira metade do século XX. Até esse momento, grande parte dos cometas que já tinham sido descobertos, tinham órbitas parabólicas ou bastante elípticas e somente um pequeno grupo tinha períodos relativamente curtos e bem definidos. O problema estava em saber de onde vinham os cometas e se esses dois grupos observados tinham, na realidade, alguma relação.

Elis Strömgren (1870-1947), realizou em 1914, cálculos precisos das órbitas dos cometas de período longo incluindo as perturbações dos planetas. Os seus resultados mostravam que os cometas deveriam pertencer ao Sistema Solar mas, no entanto, ainda se desconhecia a sua origem. Na realidade, os trabalhos estatísticos revelavam uma falta de órbitas hiperbólicas “originais” e as que haviam eram devidas a perturbações planetárias. Os cometas dificilmente podiam ter uma origem interestelar mas se faziam parte do Sistema Solar, aonde estavam ?

A ideia de uma nuvem hipotética e distante de cometas, estável em relação às perturbações estelares, e a necessidade da sua existência foi pela primeira vez expressa por Ernst Öpik (1893-1985), em 1932. Sinding produziu, em 1948, uma lista com os valores do semi-eixo maior para 21 cometas de longo período, que juntamente com a teoria da difusão orbital devida às perturbações planetárias, de van Woerkom, formam a base para o famoso artigo de Jan Oort (1900-1992), de 1950, sobre a existência de um reservatório de cometas nas fronteiras exteriores do Sistema Solar. O astrónomo holandês, da Universidade de Leiden, propôs que a origem dos cometas poderia estar numa imensa nuvem primordial que circunda o Sistema Solar com uma multidão de cometas e estendendo-se até meio caminho da estrela mais próxima. As perturbações gravitacionais nessa nuvem podem conduzi-los em direcção ao Sistema Solar interior.

A partir das órbitas de cometas conhecidos, Oort observou que a imensa maioria dos cometas que tinham sido descobertos até então, tinham passado próximos do Sol apenas por uma vez. Oort calculou o ponto mais afastado do Sol nas órbitas desses cometas e estabeleceu que uma grande parte deles deviam proceder de uma região situada entre as 50 000 U.A. e 150 000 U.A.. Oort previu, assim, a existência da nuvem esférica, que rodeava o Sistema Solar donde provinham os cometas. Além disso, Oort estabelece que para se obter o número de cometas observados até à data, deveriam existir na nuvem entre 100 000 milhões e um bilião de cometas.

Oort atribui à acção gravitacional de estrelas que passem relativamente próximas do Sistema Solar a produção de uma perturbação na nuvem esférica que tira da sua “letargia” alguns cometas enviando-os para o Sistema Solar interior. As perturbações gravíticas de Júpiter fazem com que metade desses cometas passem a mover-se em órbitas em redor do Sol e a outra metade seja enviada para o meio interestelar. Sucessivas passagens pela região planetária fazem evoluir alguns dos cometas capturados para órbitas com um período muito curto. Actualmente existem estudos que consideram que os efeitos de maré que provêm da Galáxia como um todo, constituem o mecanismo principal de alteração das órbitas de cometas que se encontrem na nuvem de Oort exterior.

Apesar dos cometas poderem proceder e residir nessa nuvem, estava claro que não se poderiam ter formado ali, dada a baixa densidade de matéria da região em que está situada. Uma possível explicação é a sua formação na região planetária e daí terem migrado para a nuvem. Num estudo posterior, Oort e Schmidt fizeram a distinção entre cometas novos – os que provêm directamente da Nuvem de Oort, fazendo a sua primeira visita próximo do Sol e cometas velhos - aqueles que retornam em órbitas elípticas. Os primeiros parecem ser mais activos que os últimos. Estas tentativas de conclusões foram revistas e modificadas, e o papel das perturbações estelares no fornecimento de novos cometas ao sistema solar interior clarificado. No entanto, o conceito básico de Nuvem de Oort como um halo externo do Sistema Solar foi consubstanciado por estudos posteriores baseados em amostras melhoradas das órbitas dos cometas. Apesar da nuvem de Oort nunca ter sido observada directamente é hoje geralmente aceite pela comunidade astronómica.


Representação esquemática da nuvem de Oort.
Por volta de 1950, a hipótese da nebulosa de Kant-Laplace para a origem do Sistema Solar, foi também reconsiderada à luz das composições químicas dos planetas e as sua variações. Edgeworth (1880-1972) e Gerald Kuiper (1905-1973) argumentam que é improvável que a nebulosa solar tivesse terminado abruptamente na posição da órbita de Neptuno, e postulam a existência de uma estrutura com uma composição genérica de gelos. Kuiper, em 1951, argumenta que esses corpos podem identificar-se com os núcleos cometários de Whipple e sugeriu que a acção gravitacional de Plutão (pensava-se, nessa altura, que a sua massa estava entre 0.1 e 1 massa terrestre) podia ter espalhado os objectos para a zona de influência de Neptuno, a partir da qual seguia a ejecção para a nuvem de Oort. Em particular, fora da órbita de Plutão, a população poderia ter permanecido intacta. Hoje sabe-se que a Cintura de Kuiper é um reservatório de cometas de período curto.

O Vento Solar e as Caudas

No início do século XX, a característica, talvez mais estranha das caudas dos cometas, é a enorme força repulsiva que actua sobre as caudas rectilíneas ou iónicas na direcção anti-solar. Descobriu-se que as caudas iónicas (denominadas de tipo I) se desenvolviam mais próximo do Sol do que as caudas curvas de poeiras (as do tipo II).

Em 1951, o astrónomo alemão Ludwig Biermann (1907-1986) prevê a existência do vento solar e expõe a sua teoria segundo a qual, estes feixes de partículas oriundos das regiões activas do Sol, seriam a principal causa para a formação da cauda iónica. Já em 1943, Cuno Hoffmeister (1892-1968) tinha observado que as caudas iónicas apresentavam um pequeno ângulo de aberração, ou seja, desviavam-se ligeiramente, cerca de 6º, da direcção anti-solar. Este ângulo foi correctamente interpretado por Biermann, que, continuando a ideia estabelecida por Lodge no início do século, propôs que os choques entre as partículas que constituem o vento solar e as moléculas da coma originavam e explicavam a existência das caudas rectilíneas. As altas velocidades a que se deslocam algumas das estruturas presentes nas caudas exigiam, no entanto, que o vento solar fosse mais denso do que o que se tinha estimado antes. Em 1957, Hannes Alfvén (1908-1995) resolve essa inconsistência argumentando que o vento solar arrasta consigo um campo magnético e é esse campo que acelera os iões formando, a cauda rectilínea.


Imagem do cometa West, 1976. Créditos: NASA.
Biermann sugere a existência de um fluxo de partículas (protões e electrões) que por troca de momento com os iões de CO+ existentes na cauda iónica dariam a forma alongada que estas apresentam. A pressão de radiação, único factor considerado naquela época, não justificava as grandes acelerações que se verificam nas caudas iónicas. Durante algum tempo, as caudas de iões dos cometas eram as únicas sondas de vento solar com uma boa distribuição, no espaço interplanetário.

A existência do vento solar foi confirmada, a partir de 1957, pelos dados de satélites artifíciais e apresenta as seguintes características: a sua influência sente-se até às 50 U.A.; tem uma velocidade que se situa entre os 350 e os 550 Km/s, fortemente dependente da rotação do Sol e da interacção com o cometa; a densidade média ronda algumas dezenas de partículas por centímetro cúbico e tem uma relação inversa com a velocidade; a sua temperatura é da ordem de 100 000 K e depende directamente da velocidade dos protões; depende directamente da actividade solar e por isso é muito anisotrópico e heterógeneo no espaço e no tempo, por isso, é de esperar que apresente um comportamento muito aleatório na sua relação com o cometa; a inversão da polaridade do campo magnético é responsável pelo processo de substituição da cauda iónica do cometa. A substituição das caudas foi amplamente estudada por Alfvén que afirma, ainda, que a cauda de iões deverá ser considerada parte do cometa, uma vez que esta está magneticamente ligada à sua cabeça.