Da Antiguidade a Newton


“(...) Um dia virá em que pesquisas diligentes durante longos períodos, trarão à luz factos agora ocultos... Um dia existirá alguém que revelará em que regiões têm os cometas as suas órbitas, porque se movem tão longe dos outros corpos celestes, quais as suas dimensões e de que espécie são.(...)”
Séneca



Representação chinesa da classificação de cometas (168 a.C.).
Os cometas foram, quase de certeza, observados desde tempos imemoriais. Devido à ausência de documentos não é possível afirmar se as antigas civilizações deram aos cometas este ou aquele significado. Há referências muito antigas aos seus aparecimentos atribuídas a Chineses, Japoneses, Coreanos e Babilónios. Durante muitos anos os astrónomos sacerdotes chineses realizaram um grande número de observações. Uma das primeiras menções feitas a um cometa é de 1054 a.C. no livro do princípe Huai Nan. Desde 240 a.C., só falharam o registo dos retornos do cometa que viria a receber o nome de Halley, no ano 164 a.C. Há centenas de registos de aparecimentos de cometas até 1600 d.C..

Os Chineses catalogavam os cometas como “estrelas com caudas” e foram os primeiros a verificar que essas caudas tinham a direcção anti-solar. Os Caldeus, por seu lado, consideravam-nos como “aparecimentos” de planetas atribuindo-lhes, como os Chineses, uma origem celeste e também mística. Curiosamente, a astronomia chinesa não parece ter progredido muito para além desse estado empírico. Como outros povos da época, eles limitaram-se a observar, inovaram ao registar, mas deixaram em aberto as questões do como e do porquê.

Como em muitos campos do conhecimento foi com os Gregos que começaram a aparecer estudos mais aprofundados. Aliás, a palavra moderna “cometa” provém da palavra grega κομητηζ (kométes) que significa “de cabeleira comprida”. Existem indícios de que a primeira interpretação grega sobre a natureza dos cometas é devida a Anaximandro de Mileto (610-545 a.C. (?)) mas a primeira descrição sobre a origem destes “fenómenos” é atribuída a Xenófanes de Colofão (560-478 a.C.(?)). Xenófanes diz que os cometas são estruturas nebulosas de “fogo” produzidas por exalações invisíveis procedentes da Terra. Em contraposição, os Pitagóricos consideram por volta de 550 a.C., que os cometas são planetas errantes que aparecem raramente, sobretudo próximo do horizonte ao amanhecer ou ao anoitecer. Demócrito (460-370 a.C.) e Anaxágoras (500-428 a.C.) também atribuem aos cometas uma origem celeste. Eles aparecem como consequência da interacção da luz dos planetas que se alinham entre sí ou com as estrelas, ou seja, quando há conjunção.

É surpreendente a opinião acertada de Artemidoro de Parium que, por volta de 450 a.C. supôs que os cometas eram planetas que unicamente se viam quando chegavam “ao final da sua vida”. Artemidoro é recordado como um filósofo muito imaginativo nas suas teorias para explicar o Universo e era facilmente rebatido pelos seus contemporâneos. Também por isso, as suas teorias sobre cometas foram esquecidas.

Hipócrates de Cós (460-380 a.C.) apresenta uma visão diferente por volta de 430 a.C.. Ele explica o carácter transitório dos cometas propondo que são ilusões de óptica produzidas pela luz solar em vapores da nossa atmosfera. Na Antiga Grécia existiam, pelo menos, quatro interpretações diferentes para explicar a natureza dos cometas. Foi, no entanto, a teoria de Aristóteles (384-322 a.C.), que era uma adaptação da de Xenófones, a que se impôs. Aristóteles, seguindo a hipótese de Eudoxo de Cnidos (395-342 a.C.(?)), supõe que o Universo é formado por esferas concêntricas cujo centro é a Terra. Quando a Terra é aquecida pelo Sol, a superfície emana “ventos quentes” que se acumulam na parte elevada da atmosfera. Os cometas, assim como as estrelas cadentes eram originados por fricção dessas emanações terrestres com a primeira esfera, sendo portanto fenómenos atmosféricos. Aristóteles deixa claro que estes fenómenos meteorológicos na atmosfera da Terra dão-se especificamente abaixo da Lua – fenómenos sub-lunares. As emanações terrestres poderiam ter origem em gás quente e seco, que saía dos vulcões. O gás sobe e ao atingir o céu é aquecido pelo Sol até se inflamar. Por se encontrar no céu, o gás inflamado move-se com as estrelas e com os planetas. Indo ainda mais longe, Aristóteles, como outros antes dele, estabeleceu a ligação entre uma série de desgraças ocorridas e o aparecimento dos cometas.

Com a expansão e prosperidade do Império Romano, a filosofia, as matemáticas e as ciências naturais passaram a ter um desenvolvimento mais lento. Talvez por isso, foi completamente condenada ao esquecimento a pequena contribuição científica de Séneca (4 a.C.-65 d.C.) que expôs em Quaestiones Naturalis, livro 7, uma visão muito correcta sobre o que são os cometas e qual a sua natureza. Séneca define-os como astros, corpos celestes com caminhos curvados no céu. Os “cometas como astros”, deveriam conter uma “substância”, um corpo sólido e terroso que alimentasse o seu brilho ou “chama”, outro sentido para a palavra latina coma. Séneca chega a afirmar que esse corpo sólido – o núcleo dos cometas – é esférico, sendo o seu brilho responsável pela sua extensão em longitude. Sugere também que os cometas são periódicos, ou seja, que passam próximos do Sol de forma repetida. Lamentavelmente, as suas ideias perderam-se na História e perdurou até ao fim da Idade Média a descrição aristotélica. Espalhou-se também o carácter agoirento dos cometas.


Tapeçaria de Bayeux.
Durante a Idade Média avançou-se mais na arte e na teologia do que no conhecimento científico. A Tapeçaria de Bayeux conta a história de como Guilherme da Normandia derrota o Rei Haroldo II, Saxão, Rei da Inglaterra em 1066, naquela que ficou conhecida como a Batalha de Hastings. Uma parte da tapeçaria mostra um cometa (o Halley) e à sua direita aparece o Rei Haroldo II junto ao trono. Há também pessoas a apontar para o céu retirando-se para dentro das muralhas da cidade, amedrontadas pelo desastre que o cometa anuncia. Por cima, uma inscrição que diz «Isti mirant stella» (aqueles olham a estrela). Pouco depois do aparecimento do cometa a 24 de Abril de 1066, Haroldo foi morto na batalha com uma seta que lhe entrou pelo olho e Guilherme tornou-se Rei. Estabeleceu-se, naquele tempo, que o cometa estava do lado dos Normandos e de Guilherme. O episódio foi tão importante que ainda hoje os Reis de Inglaterra trazem o simbolo de um cometa nas suas coroas.

A ideia da astrologia associando o aparecimento de cometas ao prenúncio da morte de monarcas perdurou durante muito tempo. Não resisto referir um episódio em que o Rei português Afonso VI, ao avistar um cometa em 1664, veio ao terraço e ameaçou-o com uma pistola...


Inspirado, talvez, pelo aparecimento do Halley em 1301, Giotto di Bondone (1266-1337) substitui no seu Fresco de 1304, Adoração de Maria, a Estrela de Belém por um cometa. Cortesia do Observatório de Sormano, Itália
Com o Renascimento e a melhoria das observações dos movimentos dos planetas, os dogmas aristotélicos começam a caír como castelos de cartas. Entre outros, os Italianos Toscanelli (1397-1482) e Frascator (1483-1553) e os astrónomos alemães Johannes Müller, mais conhecido como Regiomontano, (1436-1476) e Bienewitz (1495-1552), mais conhecido por Apian, começam a observar o céu com uma certa atenção científica, realizando medidas sistemáticas do movimento dos cometas. Frescator sugere que as caudas dos cometas apontam sempre na direcção oposta à do Sol e redescobre na Europa, de forma independente, um facto que já era conhecido há centenas de anos pelos astrónomos chineses. Apian confirmou estas observações.

A ideia da origem atmosférica dos cometas começa a declinar com a teoria heliocêntrica de Nicolau de Cusa (1400-1464) e de Copérnico (1473-1543) mas foi o astrónomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601) quem, finalmente, eliminou as possíveis dúvidas sobre a origem celeste dos cometas. Brahe, a partir de observações de um cometa brilhante que apareceu em 1577 e que foram realizadas a partir de dois observatórios diferentes, separados por 600 Km, mediu para a paralaxe horizontal, um valor a rondar os 15 minutos de arco. Concluiu que o cometa deveria estar a uma distância quatro vezes superior à da Lua. Os cometas já não podiam mais ser associados à região sublunar. Apesar da descoberta, Brahe pensava que os cometas eram “exalações” dos planetas, sendo essa ideia ainda uma extensão das ideias aristotélicas. Galileu (1564-1642) mantém-se conservador ao negar a importância das observações de Brahe, afirmando que os cometas são “ilusões” ou reflexos atmosféricos seguindo, de resto, a visão de Hipócrates.


Capa do livro “Cometografia” de Hevelius. Estão exibidas as três hipóteses aceites na época àcerca do movimento dos cometas. À esquerda aparece a ideia aristotélica de que os cometas são fenómenos atmosféricos. O astrónomo da direita defende a hipótese das trajectórias rectílineas de Kepler. O astrónomo do centro mostra que os cometas se movem em trajectórias parabólicas.
O astrónomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) defende em 1596, na sua primeira obra, "Mysterium Cosmographicum", o sistema heliocêntrico de Copérnico. Durante 17 anos, analisou os dados deixados por Brahe descobrindo as três leis do movimento planetário, em que um dos resultados importantes é a atribuição de órbitas quase circulares, porém elípticas, aos planetas em torno do Sol. Kepler também defende a natureza celeste dos cometas e em 1618, ao tentar explicar as observações de cometas que foram visíveis nesse ano, concluiu que as caudas deviam produzir-se graças a algum tipo de “força” devida à radiação solar. De forma algo surpreendente, Kepler pensa que os cometas não se movem como os planetas e que se deslocam, no céu, em trajectórias rectilíneas.

Essa hipótese de Kepler contrastava com as observações do astrónomo Italiano Borelli (1608-1679) e com as do polaco Hevelius (1611-1687) que sugere uma órbita parabólica em torno do Sol, para um cometa que apareceu em 1665. O pastor e decano alemão Dörffel (1643-1688) e, de forma independente, aquele que foi o primeiro astrónomo real inglês, John Flamsteed (1646-1719) mostram que a hipótese de uma órbita parabólica é consistente com as observações de um cometa muito brilhante que apareceu em 1680 e 1681. Foi observado antes e depois da passagem no periélio, primeiro aproximando-se do Sol e de seguida afastando-se dele. Nessa data, Newton (1642-1727) já tinha formulado mas não publicado a teoria da gravitação. A partir dela demonstram-se as leis de Kepler e descreve-se o movimento de dois corpos sujeitos à interacção gravítica. Em 1687, Newton apresenta nos Principia a lei da Gravitação Universal aplicada ao cometa de 1680 e mostra que a sua órbita é elíptica, apesar de ser quase parabólica. Calcula o valor de 0,0016 U.A. para a distância do cometa ao Sol no periélio. Ainda assim, Newton, mais motivado pelos problemas pessoais que tinha com Flamsteed e Dörffel e não por razões científicas, objectou contra a hipótese das órbitas parabólicas mostrando-se, nessa altura, mais favorável à hipótese das trajectórias rectilíneas dos cometas, sugerida por Kepler.

Estavam dissipadas as dúvidas quanto à origem celeste dos cometas, no entanto, no que diz respeito à sua natureza, a maioria dos cientistas continuavam a pensar que os cometas tinham uma existência efémera. Isto porque, ou eram uma nebulosa ou eram uma exalação difusa formada por um concentrado de vapores que acabavam por se dispersar.