A viagem de Vasco da Gama
A Lua


A viagem de Vasco da Gama

Vasco da Gama foi o capitão escolhido por D. Manuel I para comandar a expedição que tinha como missão encontrar o caminho marítimo para a Índia. A armada de Vasco da Gama partiu do Restelo no dia 8 de Julho de 1497 e chegou a Calecute, na Índia, no dia 20 de Maio de 1498.



A viagem de Vasco da Gama: de 8 de Julho de 1497 a 20 de Maio de 1498.


Na sua epopeia Os Lusíadas (1572), Camões (1524-1580) narra-nos a história da viagem destes ‘segundos argonautas’ (Canto IX-64). A viagem não é, no entanto, contada por ordem cronológica. A narração d’Os Lusíadas começa com a esquadra de Vasco da Gama já perto de Moçambique: nos primeiros cantos, Camões descreve a viagem da frota desde o Canal de Moçambique até Melinde. A descrição da viagem desde a largada de Lisboa até Melinde é feita no Canto V, contada na primeira pessoa por Vasco da Gama ao Rei de Melinde. A narração continua no Canto VI, com a travessia do Oceano Índico, de Melinde a Calecute.

Canto IA frota viaja do Canal de Moçambique a Mombaça
Canto II De uma cilada em Mombaça a uma recepção calorosa em Melinde
Cantos III, IV História de Portugal relatada por Gama ao rei de Melinde
Canto V Gama relata ao rei de Melinde a sua viagem até ali: a armada vai de Lisboa à Ilha de Santiago, passa o equador, toca na Angra de Santa Helena, dobra o Cabo, surge em Moçambique, chega a Melinde
Canto VI De Melinde a Calecute
Cantos VII, VIII Calecute
Canto IX Ilha dos Amores
Canto X Descrição do mundo pela deusa Tétis


 


São imensas as estâncias d’Os Lusíadas com referências astronómicas. A Lua e o Sol são usados em diversas ocasiões para indicação de tempo: a contagem de fases da Lua serve para indicação de intervalos de tempo, enquanto as datas são indicadas pela posição do Sol sobre o Zodíaco. Por outro lado, as estrelas são um precioso auxiliar para o conhecimento da posição dos navegantes: a Ursa Maior, ou Calisto, ou Carreta, indica o pólo enquanto os navegadores se encontram no hemisfério norte, mas quando a esquadra se aproxima d’os moradores derradeiros, / Austrais, que nunca as Sete Flamas viram (Canto VIII, 72), passa a servir-se do Cruzeiro do Sul, nova estrella / não vista de outra gente, que ignorante / alguns tempos esteve incerta della (Canto V, 14). É no entanto no Canto X, quando a Deusa Tétis mostra a Vasco da Gama a grande machina do mundo (Canto X, 80), que Camões revela ser conhecedor da astronomia do seu tempo, dando indicações de que a sua fonte principal é o Tratado da Sphera de Pedro Nunes. Mas a descrição da machina do mundo é suficientemente importante para lhe dedicarmos por inteiro um futuro Tema do Mês, e como tal não a vamos considerar no presente texto.

CantoOs LusíadasNº de estâncias comentadas por LPS
I A frota viaja do Canal de Moçambique a Mombaça 11
II De uma cilada em Mombaça a uma recepção calorosa em Melinde 12
III História de Portugal relatada por Vasco da Gama ao rei de Melinde 10
IV História de Portugal relatada por Vasco da Gama ao rei de Melinde5
V Gama relata ao rei de Melinde a sua viagem: a armada vai de Lisboa à Ilha de Santiago, passa o equador, toca na Angra de Santa Helena, dobra o Cabo, surge em Moçambique, chega a Melinde 23
VI De Melinde a Calecute9
VII Calecute3
VIII Calecute4
IX Ilha dos Amores 1
X Descrição do mundo pela deusa Tétis 19
Total: 97


 

O Canto V é aquele que contém mais estâncias com referências astronómicas, o que se justifica pelo facto de ali se encontrar descrita a maior parte da viagem. Logo a seguir vem o Canto X, que contém a descrição da machina do mundo pela Deusa Tétis.

A Lua

A observação das fases da Lua conduz naturalmente à ideia de mês lunar ou lunação, que está na origem do conceito de mês tal como hoje o conhecemos. Por diversas vezes se serve Camões da Lua e das suas fases para indicar intervalos de tempo.

Exemplo 1: O cerco de Lisboa

No Canto III, Vasco da Gama conta diversos episódios da História de Portugal ao rei de Melinde. Na descrição do cerco de Lisboa (Canto III, 59), a duração do cerco é expressa em lunações.

Cinco vezes a Lüa se escondera
E outras tantas mostrara cheio o rosto
,
Quando a cidade, entrada, se rendera
Ao duro cerco que lhe estava posto.
Foi a batalha tão sanguina e fera
Quanto obrigava o firme pressuposto
De vencedores ásperos e ousados,
E de vencidos já desesperados.
Canto III, 59
Na Chronica de D. Affonso Henriques, de Duarte Galvão (1726), diz-se que o cerco de Lisboa durou perto de cinco meses, até que a cidade se rendeu, no dia 25 de Outubro de 1147.


 

Camões não pretende aqui ser rigoroso, até porque a duração exacta não é conhecida, mas apenas dar uma ideia de tal duração, que foi cerca de cinco meses (ou cinco lunações), afirmando que, durante o cerco, a Lua fora cinco vezes Nova e cinco vezes Cheia.

Exemplo 2: Chegada a Moçambique

Na próxima estância, a Lua não indica um período de tempo, mas é-lhe dada a missão de iluminar o céu do pôr-do-sol do dia da chegada a Moçambique, 2 de Março de 1497. Camões descreve do seguinte modo o entardecer desse dia.

Isto dizendo, o Mouro se tornou
A seus batéis com toda a companhia;
Do Capitão e gente se apartou
Com mostras de devida cortesia.
Nisto Febo nas águas encerrou,
Co carro de cristal, o claro dia,
Dando cargo à Irmã, que alumiasse
O largo Mundo, enquanto repousasse.
Canto I, 56
Chegada da esquadra de Gama a Moçambique, no dia 2 de Março de 1497.


 

Segundo Camões, a Lua teria ficado com o cargo de iluminar o mundo no momento do pôr-do-sol. Será esta frase mera figura de estilo? Consultemos a tabela lunar para o período em questão.

Meses/1498DiasLuas
Fevereiro 28 Quarto Crescente
Março 2Entre Crescente e Cheia
7Lua Cheia
22Lua Nova
Abril 6Lua Cheia
21 Lua Nova
Almanach perpetuum, Zacuto (1498)


 

No dia 28 de Fevereiro de 1498 tinha sido quarto crescente. No dia 2 de Março, a Lua estava na transição para Lua Cheia. Então, de facto, no momento do pôr-do-sol do dia 2 de Março de 1498, a Lua estava bem alta no céu a iluminar o mundo.

Exemplo 3: Desembarque na Baía de Santa Helena

No dia 4 de Novembro de 1497 a armada desembarcava na Baía de Santa Helena.

Mas já o Planeta que no céu primeiro
Habita, cinco vezes apressada,
Agora meio rosto, agora inteiro,
Mostrara
, enquanto o mar cortava a armada,
Quando da etérea gávea um marinheiro,
Pronto co a vista: “Terra! Terra!” brada.
Salta no bordo alvoroçada a gente,
Cos olhos no horizonte do Oriente.
Canto V, 24
A armada partira de Lisboa a 8 de Julho de 1497 e chegava à Angra de Santa Helena no dia 4 de Novembro de 1497.

Notemos que é a Lua o Planeta que no ceo primeiro habita.


 

Luciano Pereira da Silva foi quem pela primeira vez demonstrou o rigor desta passagem, com o estudo minucioso das tabelas lunares para o período em questão. Entre 8 de Julho e 4 de Novembro passaram apenas quatro meses, mas os primeiros versos parecem referir-se a cinco lunações. Consultemos a tabela lunar para este período, para esclarecer esta aparente contradição.

Meses/1497DiasLuas
Junho29Lua Nova
Julho7Q. Crescente
Julho8Q. Crescente
Julho13Lua Cheia
Julho29Lua Nova
Agosto12Lua Cheia
Agosto27Lua Nova
Setembro11Lua Cheia
Setembro25Lua Nova
Outubro10Lua Cheia
Outubro25Lua Nova
Novembro2Q. Crescente
Novembro4Q. Crescente
Novembro9Lua Cheia
Almanach Perpetuum, Zacuto (1498)


 

Nos quatro meses decorridos entre a partida de Lisboa e a chegada à Angra de Santa Helena, a Lua passou cinco vezes de Quarto Crescente a Lua Cheia. Afinal Camões descreveu com rigor este intervalo de tempo, pois a viagem iniciou e terminou com a Lua entre quarto crescente e Lua Cheia, logo, durante aquele período, cinco vezes, no total, a Lua se mostrou “de meio rosto para rosto inteiro”.