O cosmos de Einstein: enigmas e equívocos do modelo de Big Bang
Descoberta da Expansão do Universo.
Recordemos brevemente as observações astronómicas que foram determinantes para o estabelecimento do modelo do universo em expansão. A este modelo seria dado depreciativamente o nome Big Bang, pelo cosmólogo inglês Sir Fred Hoyle, nos finais dos anos 40, num programa de rádio na BBC, para acentuar o que lhe parecia ser uma consequência grotesca da relatividade geral – uma colossal criação de matéria e energia a partir do nada.
Como H tem as dimensões físicas do inverso do tempo, a partir do seu valor actual podemos estimar a idade aproximada do universo. Admitindo uma taxa de expansão constante, o tempo dado por tH=1/H, a que chamamos “tempo de Hubble”, dá-nos uma ordem de grandeza da “idade do universo”. Infelizmente não conhecemos o valor de H com exactidão. As medidas actuais de H fornecem resultados compreendidos entre 60 e 85 km por segundo e por megaparsec – o megaparsec (Mpc) equivale a 3,26 milhões de anos-luz, ou 30.800.000.000.000.000.000 km! Por outras palavras, isto significa que uma galáxia que se encontre à distância de 1 Mpc se afasta de nós com uma velocidade que pode estar compreendida entre 60 e 85 km por segundo, consoante o valor de H que tomarmos.
Mais precisamente, devemos entender que é o próprio espaço que se expande com essa velocidade no momento de observação. E quanto maior for a distância entre as galáxias maior será a velocidade de expansão do espaço, sendo esta independente da direcção de observação, de acordo com os modelos tradicionais de big bang. Para a gama de valores da constante de Hubble referida a idade do universo situa-se entre 11,5 e 16,3 mil milhões de anos. Assim, é normal adoptar o valor intermédio, 14 mil milhões de anos, para dar uma ordem de grandeza da idade do universo. Foi com base neste cálculo aproximado, que foi afirmado que as manchas de anisotropia descobertas nos anos 90 pelo satélite COBE, como se discutirá mais adiante, se situam a uma distância de 15 mil milhões de anos-luz. Veremos que se estava a cometer um erro grosseiro de avaliação de distâncias por não se ter devidamente em conta a própria expansão do espaço. Deve-se notar que o valor de H varia no tempo (em geral decresce), e a idade do universo não só depende de H mas também do modelo teórico utilizado. Os 14 mil milhões de anos representam, como não podia deixar de ser, um valor aproximado que dá uma ordem de grandeza da idade do universo.
Descoberta da Radiação de Fundo Cósmica de Micro-ondas.
A radiação electromagnética de origem cósmica, no domínio das micro-ondas, prevista pelo big bang seria descoberta em 1965 quase acidentalmente por Arno Penzias e Robert Wilson, quando tentavam descobrir a origem de um ruído de fundo misterioso na sua antena de rádio, e identificada um ano mais tarde por Robert Dicke e James Peebles. Desde então têm sido realizadas inúmeras observações para determinar rigorosamente o espectro da radiação de fundo cósmico de micro-ondas (FCM), para saber se se trata de uma radiação isotrópica (ideal) tipo corpo negro, e obter com precisão a sua temperatura característica. Essas observações confirmaram os resultados iniciais de Penzias e Wilson: fixaram o valor da temperatura efectiva em 2,73 K e mostraram que a radiação era extraordinariamente isotrópica: quando se observa a radiação em diferentes direcções concluímos que as variações de temperatura são inferiores a 0,0001 do grau Celsius. Este resultado constituiu a prova mais sólida a favor do modelo do big bang.
A abundância prevista para o deutério, hélio e lítio depende da densidade de massa-energia de matéria ordinária no universo primitivo, como se vê na figura junta. Estes resultados indicam que a produção de hélio é relativamente insensível à abundância de matéria ordinária, acima de um certo limiar. É de espera que genericamente cerca de 24% da matéria ordinária no universo seja proveniente da produção de He no big bang. Isto está em muito bom acordo com as observações e é um dos grandes triunfos do modelo do big bang. É possível, no entanto, submeter o big bang a testes mais delicados. Em particular, para que as produções previstas de outros elementos leves estejam de acordo com as observações, a densidade de massa-energia global deve representar cerca de 4% da densidade crítica, isto é, do valor da densidade total (matéria ordinária+”matéria escura”+ “energia escura”) correspondente ao modelo plano. O satélite Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP), lançado a 30 de Junho de 2001, do qual falaremos mais adiante, deve ser capaz de medir directamente a densidade da matéria ordinária e comparar os valores observados com os previstos pela NBB.
A geometria e a evolução do universo são determinados pelas contribuições parciais dos vários tipo de matéria-energia. Como tanto a densidade de energia como a pressão contribuem, em relatividade geral, para a intensidade do campo gravítico (curvatura do espaço-tempo), os cosmólogos classificam os vários tipos de matéria-energia pela sua equação de estado, ou seja, pela relação entre a pressão e a densidade de energia. Daqui resulta a seguinte classificação:
- Radiação: composta de partículas sem massa ou quase sem massa, isto é, partículas que se movem quase à velocidade da luz e para as quais a sua energia cinética é claramente maior que mc2. Exemplos são os fotões (luz) e neutrinos. Esta forma de matéria é caracterizada por possuir uma grande pressão positiva.
- Matéria bariónica: é a “matéria ordinária” de que somos feitos, constituída por protões, neutrões e electrões. Admite-se que esta forma de matéria tem uma pressão desprezável do ponto de vista cosmológico.
- Matéria escura: matéria “exótica” não-bariónica que interactua fracamente com a matéria ordinária. Embora esta matéria não tenha nunca sido directamente observada no laboratório existem bons motivos para suspeitarmos da sua existência há já algum tempo. Esta forma de matéria também não tem uma pressão significativa do ponto de vista cosmológico.
- Energia escura: esta é uma forma de matéria particularmente misteriosa, ou talvez seja uma propriedade do próprio vácuo, caracterizada por uma pressão negativa muito grande. Em lugar de ter uma acção atractiva esta forma de matéria tem um carácter repulsivo e, por isso, pode ser responsável por uma expansão acelerada do universo, se dominar sobre as outras formas de matéria.
Os nossos conhecimentos de astronomia não sugeriam, antes dos anos 60, situações no universo onde a gravidade fosse suficientemente intensa para produzir espaços-tempo fortemente curvos, representando por isso campos gravitacionais intensos onde as previsões da teoria da relatividade pudessem diferir fortemente da teoria de Newton. Mas apesar da actual densidade de matéria no universo ser muito pequena – cerca de uma massa solar por mil milhões de anos-luz cúbicos – o universo é muito grande e toda a matéria nele existente contribui cumulativamente para a curvatura do espaço-tempo, dando assim lugar a consequências cosmológicas importantes.
Um levantamento de mais de 2 milhões de galáxias e 10 milhões de estrelas cobrindo cerca de 1/10 do céu e conhecido por APM Survey.
Os modelos cosmológicos contemporâneos baseiam-se na ideia de que o universo é essencialmente o mesmo por toda a parte: uma ideia muitas vezes conhecida por princípio cosmológico. Este foi aliás o ponto de partida de Einstein ao tecer as suas considerações cosmológicas, embora na altura em que o fez não havia a certeza da existência de outras galáxias exteriores à Via Láctea, e for isso Einstein considerou um fluido cósmico constituído por uma distribuição uniforme de estrelas. Por isso o cosmólogo de Princeton James Peebles afirmou: “Muitas vezes espanto-me como Einstein foi capaz de fazer uma hipótese tão singela ... o universo é tão simples que podemos analisá-lo a partir de uma única equação diferencial – onde todas as variáveis são funções exclusivas do tempo. Claro que Einstein tinha uma intuição brilhante, e certamente estava muito perto da verdade – essa é forma como visualizamos o universo.” Efectivamente, as observações hoje mostram que a uma escala maior que 100 Mpc, o universo apresenta-se sensivelmente o mesmo em todos pontos (homogéneo) e em todas as direcções (isotrópico).
Ora, a uniformidade da radiação de fundo cósmico, vinda de todas as direcções do espaço, sugere que, a uma larga escala, o universo é isotrópico em torno de nós. Se assumirmos que a nossa posição não é privilegiada (como se assume com o princípio cosmológico), concluímos que o Universo deve ser isotrópico em todos os pontos do espaço; e como a isotropia em todos os pontos do espaço implica a homogeneidade espacial, somos assim conduzidos naturalmente aos modelos espacialmente homogéneos e isotrópicos das equações de Einstein, também conhecidos por soluções de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker (FLRW), que congregam todas as possíveis soluções de big bang com diferentes geometrias espaciais, consoante o conteúdo material cósmico.
Vista do Universo obtida pelo telescópio espacial Hubble.
Como a velocidade da luz é a mesma em todas as direcções, e supomos que o universo se expande isotropicamente, então nós estamos sempre colocados no centro do universo observável, embora admitamos que a nossa posição não seja privilegiada (princípio Cosmológico) e por isso o universo não tem centro. O big bang é pois um modelo de um universo espacialmente homogéneo e isotrópico.
Como explicar então a formação das galáxias?
Ao medir pequenas variações da temperatura da radiação cósmica de fundo, da ordem dos 30 milionésimos do grau Celsius, o satélite da NASA Cosmic Background Explorer (COBE) registou nos anos 90 os sinais deixados nessa radiação por pequenas flutuações de temperatura no plasma cósmico, formadas cerca de 400 000 anos após o big bang, que se situam nos confins do espaço, a cerca de 14 mil milhões de anos-luz. É presumível que essas flutuações de densidade correspondam a concentrações de matéria aglutinadas pela gravidade para formar as galáxias e os aglomerados de galáxias que hoje observamos. Trata-se da maior e da mais antiga das estruturas alguma vez observadas. Essas manchas de “anisotropia” no brilho da radiação de fundo estendem-se ao longo de uma tira de dimensões colossais, ao pé da qual a “Grande Muralha" de galáxias, descoberta por Margaret Geller e John Huchra em 1989, com cerca de 500 milhões de anos-luz, é uma estrutura quase insignificante. A maior das manchas agora descoberta cobre um terço do universo conhecido, ou seja mais de 3 biliões de anos-luz.
Estas flutuações de temperatura estão relacionadas com flutuações de densidade da matéria no universo primitivo e por isso contêm informação acerca das condições iniciais para a formação das estruturas cósmicas tais como as galáxias, enxames de galáxias e vazios. A existência dessas manchas de anisotropia, devidas a flutuações de temperatura, era um requisito indispensável para explicar a formação de estruturas num universo espacialmente homogéneo e isotrópico, como é o modelo do big bang. Um dos maiores obstáculos à aceitação deste modelo era precisamente a sua incapacidade para produzir as condições necessárias para a formação de galáxias. Concretamente, parecia difícil conciliar a hipótese teórica de uma grande uniformidade a uma larga escala e a necessidade de concentrações de matéria suficientes para resistir à expansão do universo e dar lugar à formação de estruturas. Ultrapassado este obstáculo, foi possível assegurar a predominância deste modelo no quadro das teorias que procuram explicar a origem e evolução do cosmos. O COBE foi construído para observar as estruturas maiores, e por isso tinha uma resolução de angular de 7 graus no céu, ou seja, uma abertura equivalente a 14 vezes a dimensão aparente da Lua. Para pesquisar as estruturas mais pequenas, correspondentes aos aglomerados e superaglomerados de galáxias, os astrofísicos e cosmólogos contavam com detectores colocados no Polo Sul e instrumentos lançados em balões-sonda na estratosfera.
Representação artística do satélite WMAP
Conclusões e Perplexidades
A ideia essencial de um universo em expansão, tendo passado por uma fase extremamente quente durante a qual se produziram por fusão nuclear alguns elementos químicos leves (como o hélio, o deutério e o lítio), é uma ideia central, adquirida em cosmologia. Faz 40 anos no próximo mês de Julho que os cientistas anunciaram a descoberta da radiação de fundo cósmico no domínio das micro-ondas. Já muito poucos físicos ou astrónomos duvidam desta descrição. Ela conduz-nos quase inevitavelmente a uma expansão que começou com um big bang (singularidade) alguns 14 mil milhões de anos atrás. O estado do universo era então muito semelhante ao interior de um buraco negro, embora invertido no tempo.
Neste quadro, o universo emergiu aparentemente duma singularidade antes da qual nem o espaço nem o tempo existiam. O big bang representa, portanto, a origem da energia, do espaço e do tempo. Por outro lado, a ideia de uma fase inflacionária durante a qual o universo se expandiu aceleradamente também parece ser uma ideia que viverá connosco ainda por muito tempo. Mas há muitos “pormenores” ainda por clarificar e há certamente várias teorias mais ou menos complicadas que podem incorporar a ideia base de um universo em expansão. Dos problemas por esclarecer, que constituem algumas das questões mais fundamentais em cosmologia, devemos mencionar:
- Qual é a origem das flutuações que estão na base das estruturas de grande escala (galáxias e grupos de galáxias) que vemos em torno de nós? (ou a questão equivalente: qual é o bom modelo inflacionário do universo, capaz de produzir as flutuações de densidade do fluido cósmico que originam a formação de estruturas?)
- O que é que domina o campo gravítico que amplifica as flutuações iniciais? (O que é a “matéria escura”?) Há bons indícios da existência dessa matéria escura, que se julga actualmente necessária para compreender os mecanismos de formação das galáxias. E no caso dos indícios se confirmarem, essa matéria escura será determinante para a evolução futura do universo.
- O que é que domina a expansão do universo hoje? (O que é a “energia escura” e quais são as suas propriedades?)
- Como se formaram as galáxias, enxames de galáxias, quasares, …. ?
- Quais foram os papeis relativos das condições iniciais e da evolução na formação das estruturas?
- Permanecem ainda por desvendar inúmeros mistérios e, entre eles, os momentos iniciais do universo, anteriores às primeiras estruturas agora observadas, são sem dúvida um tema apaixonante que continua a ser investigado.
Mas entre os resultados adquiridos mais básicos, existem algumas ambiguidades disseminadas na literatura científica e, particularmente, nas obras de divulgação, que exigem algum esclarecimento em termos enfáticos e transparentes. Essas ambiguidades provocam a confusão nos seus leitores e induzem erros que se propagam com facilidade.
Afinal o que é a Expansão?
Como a expansão é o facto mais importante da teoria do big bang, é fundamental ter uma interpretação correcta do seu significado. É indispensável entender que:
- A expansão do universo é a expansão do espaço, sem que isso implique um movimento real dos aglomerados de galáxias. É um simples aumento de escala, que acarreta uma recessão das galáxias. Isto significa que as galáxias conservam as suas coordenadas fixas durante a expansão (diz-se que são co-móveis), embora a distância entre elas esteja a crescer.
- As velocidades de recessão das galáxias aumentam com a distância entre elas, de acordo com a lei de Hubble: v=H0d, não havendo nenhum limite superior para o valor de v, uma vez que a velocidade de recessão não é uma velocidade física, capaz de transportar qualquer informação. Quando v=c, a distância correspondente, D=c/H, é conhecida por raio da esfera de Hubble. Qualquer galáxia exterior à esfera de Hubble: d < D, terá uma velocidade de recessão v < c. Poderia pensar-se que uma tal galáxia não seria visível. Mas dentro de certos limites, que dependem do modelo de big bang, é possível observar uma galáxia cuja luz tenha sido emitida num instante em que ela se encontrava fora da esfera de Hubble e, portanto, com uma velocidade v < c ! Basta entender que para um universo em desaceleração o raio de Hubble cresce com o tempo (H=2/3t no universo plano). E a galáxia que se encontrava fora da esfera de Hubble acaba por entrar nela a tempo do fotão chegar até nós.
- O Big Bang não é uma explosão no espaço mas uma explosão do próprio espaço! No nosso universo, tal como na superfície de um balão, não existe um centro da expansão: todas as galáxias se afastam umas das outras.
- No passado as galáxias estavam mais próximas, pelo que no Big Bang, estariam umas sobre as outras. Mas isso não implica necessariamente que o Big Bang se reduza a um ponto no espaço. Se o universo é infinito, no instante inicial o espaço já era infinito. Não seria possível um espaço finito tornar-se infinito num tempo finito!
- Não havendo um centro para o Big Bang, e todos os pontos do espaço sendo equivalentes, o Big Bang está por toda a parte num só instante!
- Esta ubiquidade do Big Bang verifica-se quer o universo seja finito ou infinito. Neste último caso, é infinito desde o instante inicial, como vimos. No entanto, o universo observável pode ser muito pequeno no instante inicial, e reduzir-se mesmo a um ponto: o centro de observação!