E depois?


Mais alguns projectos


EVA no projecto Leonardo, com fatos elásticos
Em qualquer missão espacial, por mais curta que seja, é imprescindível fornecer à tripulação as condições básicas à vida: água, oxigénio e alimento, ou seja, dum sistema de suporte de vida.

Actualmente as refeições na ISS são baseadas em comida enlatada, liofilizada ou termo-estabilizada. Os menus são decididos de antemão e são compostos por ciclos de 10 dias: quando uma rotação é completa, o ciclo recomeça. Para quebrar um pouca a monotonia deste ciclo, quando há "visitas da Terra", podem ser entregues também frutas frescas, doces e bolachas.

Embora as refeições já tenham percorrido várias alterações desde as primeiras missões tripuladas, uma missão de longa duração para além da órbita terrestre, como a de Marte, implica profundas transformações. O armazenamento de refeições para 3 anos é algo incomportável, pelo que parece certo que nestas missões haverá, pelo menos em alguma extensão, produção de alimentos.

O grupo de sistemas de suporte de vida da ESA está a desenvolver, dentro do projecto MELiSSA, uma base de dados para apoiar a gestão de menus numa missão com essas características. Para além dos aspectos nutricionais, esta base de dados terá informações acerca de receitas variadas (para impedir a monotonia), dos desperdícios produzidos e de outros aspectos relacionados com a preparação dos alimentos, algo que até agora não tinha sido necessário, pela ausência de alimentos "frescos".


Kurt Klaus a trabalhar os dados geológicos obtidos (Projecto Leonardo)
A tripulação do projecto Leonardo vai recolher dados acerca das suas refeições, que vão apoiar o desenvolvimento desta base de dados.

No decorrer do projecto haverá também recolha de dados relacionados com logística (roupa, equipamento, tempo utilizado em cada actividade, etc) a fim de compará-los com outras expedições em ambientes extremos (por ex. expedições ao Antárctico) e procurar correlações.

Uma outra actividade da tripulação será a recolha de amostras para testar a extensão da contaminação microbiológica do Homem no local e compará-la com o resultado de outros estudos conduzidos na FMARS, uma infraestrutura semelhante à MDRS na Devon Island, Ártico. Esta questão é muito pertinente para futuras missões de longa duração pelo seu potencial perigo, quer para a saúde dos astronautas, quer para as análises científicas efectuadas noutros planetas.

O projecto Leonardo está a decorrer neste momento e até ao próximo dia 1 de Maio. Para seguir os desenvolvimentos diários do projecto poderá aceder ao site da Mars Society e ao site oficial do projecto.

Campanhas de isolamento


Piso térreo da MDRS (Projecto Leonardo)
Pode-se, por fim, pensar na pertinência de efectuar campanhas de isolamento, de confinar pessoas por agum tempo num local para fins científicos.

As campanhas de isolamento apareceram quase ao mesmo tempo que as missões espaciais tripuladas. Os seu objectivos e duração são muito variados, desde estudos de integração de equipamento a estudos psicológicos, desde horas a meses.

Actualmente a NASA está a desenvolver uma infraestrutura própria para simular missões espaciais, que compreende a base e a zona para EVAs. O projecto começou no início dos anos 90 no Johnson Space Center, Houston, Texas, EUA, com a denominação BIO-PLEX (Bioregenerative Planetary Life Support System Test Complex). Desde então o seu conceito sofreu algumas alterações e hoje em dia é conhecido com AIM (Advanced Integrated Matrix).

Também a ESA está a fazer estudos a fim de desenvolver uma infraestrutura onde se poderão efectuar campanhas de isolamento, sendo a data apontada 2010.

A nível privado a Mars Society construiu duas bases em locais com algumas condições consideradas análogas a Marte, a MDRS no deserto de Utah e FMARS na Devon Island e está prevista a construcção de mais duas, na Austrália e na Islândia.

O interesse em efectuar este tipo de experiências prende-se com a exploração humana do espaço e a necessidade de salvaguardar a tripulação o tanto quanto possível. Alguns dos pontos fortes das campanhas de isolamento são:

  • permitir o teste integrado de subsistemas do sistema compreendido pela tripulação, as tecnologias envolvidas numa missão espacial e o próprio espaço de habitação e trabalho
  • ser mais barato e viável testar vários subsistemas integrados na Terra do que no espaço
  • permitir testar tecnologias em desenvolvimento em interface com outras tecnologias em desenvolvimento ou validadas e identificar aspectos a melhorar e potenciais riscos atempadamente
  • permitir desenvolver novos procedimentos em condições de simulação duma missão espacial



A tripulação Leonardo
Estas vantagens são particularmente importantes na preparação de missões de longa duração, para além da órbita terrestre, para as quais novas tecnologias estão a ser desenvolvidas e têm que ser validadas. De notar que a validação duma tecnologia deverá ser feita também no espaço mas, como foi indicado, nas campanhas de isolamento é possível fazer um teste integrado.

Estas experiências e infraestruturas podem também fornecer um ambiente único para efectuar estudos num ambiente controlado em que interações entre a atmosfera, água e actividade humana pode ser estudado. Numa época em que "desenvolvimento sustentável" é uma expressão em voga, a abordagem interdisciplinar patente nas campanhas de isolamento mais complexas, que tentam perceber o sistema como um todo, poderá dar resposta inovadoras a questões da sociedade actual (ver Quadro 2). Vai-se assim para além dos estudos tradicionais e reducionistas e obriga-se a pensar de maneira diferente, possibilitando a inovação no avanço tecnológico e científico.

Por fim, as campanhas de isolamento podem ser consideradas um exemplo a seguir ao juntarem pessoas de diferentes culturas e formações, à semelhança do projecto Leonardo, que ultrapassam as suas diferenças para alcançarem um fim que é comum para todos.



ÁreaExemplos
HabitabilidadeEspaço de habitação para maximizar a performance humana
Ferramentas para avaliar a segurança da habitação
Psicologia/SocialLidar com situações de stress
Ferramentas para monitorizar o trabalho e saúde psicológica duma equipa
Ferramentas para cognitivas
Técnicas de avaliação cognitiva
Gestão de água e ar Métodos de reciclagem de água
Problemas relacionados com a limpeza de superfícies quando dependentes de reciclagem de ar/ qualidade de ar
Alimentos/nutriçãoProcessamento de alimentos com limitações de água e reciclagem de água
Dieta nutritiva com variedade limitada de alimentos
MedicinaUtilização de telemedicina com pessoas não treinadas, em condições de isolamento
Formação/EducaçãoAprendizagem e avaliação com diferentes tipos de formação: video, computador, realidade virtual
Quadro 2 - Alguns potenciais benefícios de campanhas de isolamento (baseado em "Isolation-NASA experiments in closed-environment living", Science and Technology Series, volume 104, Helen W. Lane; Richard L. Sauer; Daniel L. Feeback (Edits.). Univelt, San Diego, 2002)