A invenção da hora legal II


Foi a França que deu o sinal de uma volta as idéias científicas para essa questão. E essa idéia se deve ao cardeal de Richelieu, Armand Jean du Plessis (1585-1642) - um espírito político dominado por preocupações voltadas para o interesse do estado – que, além de ter sido ao mesmo tempo um gênio unificador e inovador, sentiu a necessidade de medidas grandes e elevadas, pois essa era a dimensão do seu espírito.

Qual foi o ponto de debate que a ciência, afastada de todo interesse pessoal, poderia determinar uma disputa entre as nações marítimas a propósito do comércio? No início do século XVII, a França tentou estabelecer o comércio com os países mais afastados, e notadamente do lado das Índias e da América, mas a navegação e o tráfico dessas regiões estavam nas mãos dos espanhóis e portugueses que se entendiam pouco entre eles, em relação às riquezas espoliadas das terras conquistas, mas que se uniam, quando o assunto era proibir a participação de outros. Com efeito, os navios franceses que navegaram no mar das Índias Oriental ou Ocidental eram perseguidos pelos espanhóis e portugueses. Richelieu fez todos esforços para que a marinha francesa se tornasse forte e capaz de disputar com as outras nações. Na realidade, os mares deveriam pertencer a todo mundo. Com esse objetivo Richelieu procurou criar uma zona marítima de proteção. Com esta finalidade, negociou e estabeleceu o primeiro meridiano fixo situado ao norte do trópico do Câncer. Todos os navios franceses de qualquer que fosse a sua procedência e seu carregamento estariam ao abrigo das perseguições dos navios estrangeiros. Passado esse limite, esta é a razão mais forte que reinava; a França estava em paz com a Espanha e Portugal. Entretanto, hoje temos direito de questionar com uma tal decisão. A França não tinha nada com relação ao Extremo Oriente. A Espanha e Portugal utilizavam o direito chamado “direito de represália”, em virtude do qual era possível bloquear os portos de uma nação, incendear os seus arsenais, destruir suas armas, sem declarar guerra e sem interromper as relações diplomáticas.

A finalidade do grande ministro era assegurar um refúgio para a marinha francesa, esperando que ela estivesse em condições de lutar com os outros. O que conseguiu de uma maneira admirável, pois antes da sua morte, a marinha de guerra francesas constituía a base da grandeza colonial que vai ocorrer com Luís XIV. Eis, portanto, o pensamento político. Mas a propósito da questão do comércio colonial, o espírito de Richelieu voltou-se em um determinado instante para a geografia. Era necessária uma linha nítida de demarcação que não fosse sujeita a contestações. A França encontrou no antigo meridiano das Canárias, uma volta à idéia geográfica de Marinho de Tiro e de Ptolomeu. Em conseqüência, Richelieu instalou o seu meridiano mais a oeste possível, na ilha das Canárias, ou seja, a Ilha do Ferro, e a longitude passavam a ser contadas para o leste. Todos os outros meridianos dos continentes foram excluídos. Assim, com esses argumentos, o astrônomo francês Janssen insistiu que as características de um meridiano universal deverão ser tais que a ciência poderia instituir aquele que se encontra no meridiano de Richelieu. Com efeito, é universal e digno de sê-lo.


Excerto das resoluções finais da International Meridian Conference.
A Conferencia convidou alguns sábios presentes em Washington para assistir as sessões e tomarem parte nas discussões. Dentre eles devemos citar: Newcomb, Asaph Hall, Hilgard. Se examinarmos a composição da Assembléia, verifica-se que a Inglaterra e a América eram largamente representadas e a sua força já considerável de uma representação numerosa e eminente. O apóio dos mais eminentes cientistas americanos e ingleses presentes em Washington iria dar as discussões um desequilíbrio. Não se tinha nenhuma dúvida que seria difícil a pequenos países associados politicamente aos EUA, tomarem uma posição que fosse contrária àquela que os EUA e a Grã-Bretanha desejavam. A França sustentou o princípio de um meridiano que a ciência designasse e que responderia melhor ao interesse geral.

Desde o início das sessões um membro da delegação americana, traduziu sem dúvida os sentimentos dos seus colegas, ao propor que o meridiano de Greenwich fosse o meridiano internacional. Se essa proposição fosse adotada, a questão capital que motivou a convocação do congresso já estava solucionada. Não seria preciso nenhuma discussão. O delegado da França se revoltou contra esse modo sumário e inadmissível de proceder. Ele mostrou que se devia, antes de proceder a escolha de algum meridiano em particular fosse de início discutido o princípio da escolha. A legitimidade da solicitação não foi evidentemente aceita. A preposição do delegado americano acabou sendo retirada temporariamente.

Foi submetido então ao Congresso a questão da instituição de um meridiano de partida único para todas as nações. Esta proposta foi unanimemente aceita. Restavam então decidir qual seria o princípio que iria orientar a escolha do meridiano, ou seja, se tomava entre aqueles dos observatórios existentes ou se escolheria um que reunisse as condições geográficas necessárias assim como que papel esse meridiano deveria cumprir. Essa questão o delegado francês pediu a palavra e pronunciou um discurso contrário a primeira que se limitava aos meridianos dos observatórios.

Imediatamente após esse discurso, a discussão geral foi iniciada. Todos os delegados ingleses, norte-americanos e os sábios norte-americanos convidados tomaram a palavra sucessivamente para combater a decisão do delegado francês, que teve que responder sucessivamente a uma dezena de discussões analisando os diversos aspectos da questão mostrando dessa maneira uma capacidade especial de orador.

Apesar da sua autoridade e talento, o número de cientistas combatendo o princípio da neutralidade do meridiano foi questionada sem que fosse desenvolvida uma questão cientificamente imparcial. Na realidade a proposta da França permaneceu sempre como uma solução imparcial e científica da questão. Antes do seu voto, Luiz Cruls, diretor do Observatório do Rio de Janeiro e representante do Brasil, havia prevenido a delegação francesa que ele havia recebido do Imperador D. Pedro II a instrução de votar com a França.

Seguiu-se a votação. A resolução adotando Greenwich como o meridiano origem, foi aprovada por 22 votos. O único voto contra foi o de Santo Domingo, hoje, Haiti. A França e o Brasil se abstiveram. Logo em seguida, William Tompson fez um apelo para que a França e os outros países que não votaram a favor da decisão aprovada pela Assembléia levasse em consideração a posição adotada pela maioria. A aceitação de Greenwich não foi aceita facilmente. Paris, as Pirâmides do Egito, Jerusalém seriam sérios concorrentes. Para os franceses era incompreensível e sobre tudo inadmissível que não fosse Paris, mas um lugarejo de Londres que fosse escolhido para o centro mundial. Numa última tentativa para salvar a honra, a França tentou obter uma concessão: ela aceitaria Greenwich somente com a condição de que a Grã-Bretanha passasse adotar o sistema métrico, mas isso não era o caso. A Grã-Bretanha continuou usando o sistema imperial com as suas milhas, varas, libras e pintas -, e Greenwich transformou no GMT, mas o rancor dos franceses perdurou durante alguns anos. Só em 1911 eles aceitaram oficialmente o Greenwich Meridian Time e ainda na França passou-se a chamar o GMT como “tempo de Paris menos 9 minutos e 9 segundos”.

Mesmo depois do fim da Conferência, a França manteve a sua oposição à decisão referente ao meridiano origem, assim como o Brasil e Santo Domingo, estes dois países por diversas razões. Foi estabelecida uma linha internacional de mudança de data (International date line) em oposição ao meridiano de origem.