A hora das estradas de ferro



Relógio de Sol. Crédito: Ian Britton, Freefoto.com.
Desde a Antigüidade até o início do século XIX, o homem disciplinou suas atividades pelo Sol; assim, cada comunidade conserva o seu tempo local, fundamentado em um relógio de Sol.

Apesar das desigualdades dos dias solares em diversas épocas do ano, os relógios públicos e mesmo os relógios mecânicos dos particulares foram durante muitos anos acertados em base no tempo verdadeiro fornecido pelos relógios de Sol. Entretanto, desde cedo os astrônomos foram obrigados a utilizar um tempo médio, única escala de medida verdadeiramente capaz de determinar com precisão os instantes dos fenômenos astronômicos de modo científico.

Como a diferença entre o tempo médio e o tempo verdadeiro não excedia 16 minutos, tal defasagem foi imperceptível para o homem comum durante muitos anos. Assim, o inconveniente do tempo solar verdadeiro ser variável ao longo dos anos, só se tornou aparente ao povo com o desenvolvimento dos relógios mecânicos de precisão. De fato, até o século XVIII, os relógios capazes de conservar um tempo muito uniforme estavam ao alcance apenas das famílias abastadas. Foi no início do século XIX que os relógios começaram a se tornar cada vez mais precisos e também de acesso mais fácil ao homem comum. Desse momento em diante, passou-se ao emprego do tempo uniforme, em vez de se conservar o tempo variável do Sol. Tal substituição do tempo solar verdadeiro pelo tempo médio ocorreu em Genebra em 1789, na Inglaterra em 1792, em Berlim em 1810, em Paris em 1816 e no Brasil no segundo quartel do século XIX.

Em razão da forma e rotação da Terra, cada meridiano possuía a sua hora própria: uma hora média local que não variava de maneira sensível de um ponto a outro, quando não se consideravam pontos muito afastados. Ao contrário, para duas localidades muito distantes em longitude, como os dois pontos extremos dos EUA, a situação era chocante. Assim, quando era meio-dia em Nova York, o Sol acabava de nascer em São Francisco.

Tais desvantagens só se tornaram sensíveis e começaram a prejudicar as atividades normais do homem com o advento da estrada de ferro, por volta de 1825. Até então em virtude da lentidão dos meios de transportes, por coches ou diligências, o viajante não percebia ao chegar a ponto de destino que a hora do seu relógio não coincidia com a hora do lugar. A diferença entre a hora local de partida e a de chegada acabavam-se confundido com as irregularidades da marcha das pêndulas e relógios. Vivia-se, sem grandes inconvenientes, sob o regime da hora local.

Com a estrada de ferro, surgiu um grave inconveniente: a cada estação que o trem parava os relógios das gares marcavam uma hora diferente. Era necessário pelo menos fazer com que os relógios marcassem uma mesma hora numa mesma rede de estrada de ferro. Tal unificação se tornou possível com a descoberta do telégrafo e dos relógios elétricos. Assim, surgiu a hora da gare que substitui a hora local para todas as atividades da vida mundana. Todos passaram a usar a hora da gare da cidade.

O país que primeiro avançou neste campo foi a Inglaterra que, em 1848, legalizou a hora média de seu principal observatório, em Greenwich, como a hora nacional da Inglaterra e da Escócia. Logo depois, em 1891, a França iria institucionalizar a hora média do Observatório de Paris como sua hora nacional.

Realmente, em 1852, o astrônomo inglês George Airy (1801-1892) instalou dois relógios sincronizados ao do Observatório de Greenwich por fios subterrâneos, nas estações de Lewisham e de London Bridge, respectivamente a quatro a 10 km de distância do Observatório. Por outro lado, um outro relógio, sincronizado também com o de Greenwich, foi ligado à companhia de telégrafos, em Londres. Desde modo, os sinais horários distribuídos às estações de estrada de ferro e aos postos de telégrafos atingiam todo o território inglês. Surgiu, assim, o Railway Time, tempo da estrada de ferro, que foi utilizado em todo o país desde 1852. No entanto, só em 1880, o tempo de Greenwich tornou-se a hora legal do país, por um ato governamental.

Tal sistema de difusão da hora foi um dos orgulhos do povo inglês, como se pode verificar pelo seguinte texto de Airy, no Horological Journal, de 01 de julho de 1865: “O resultado prático desse sistema será reconhecido por todos que viajam e vêm do estrangeiro. Nas estradas de ferro inglesas, tem-se sempre a hora exata, o que não ocorre nem no caso das estradas de ferro francesas, nem na das alemãs, onde os pêndulos estão freqüentemente com erros consideráveis”.