A geometria existia antes da criação.
É tão eterna como o pensamento de Deus.
A geometria deu a Deus um modelo para a criação.
A geometria é o próprio Deus.
Kepler (1571-1630)

Figura 5. O Mistério Cosmográfico de Kepler.
Johannes Kepler (1571-1630), astrólogo e astrónomo, nasceu na Alemanha protestante. De formação profundamente religiosa, Kepler via Deus como o poder criador do Cosmos. Descobrir os segredos do universo era para ele um jogo que ele jogava com Deus.

Durante os seus estudos na Universidade de Tubingen, foi confrontado com o modelo heliocêntrico de Copérnico. Apesar da sua fé, Kepler não achou que um universo heliocêntrico fosse uma heresia; pelo contrário, nesse modelo o Sol parecia ser uma metáfora de Deus, à volta de Quem tudo gira.

No tempo de Kepler só se conheciam seis planetas: Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno. Kepler perguntava a si mesmo porquê apenas seis, e porquê o espaçamento entre as suas órbitas, que Copérnico tinha calculado. Da geometria de Euclides, Kepler sabia que existiam apenas cinco sólidos regulares ou platónicos, cujas faces eram polígonos regulares todos iguais. Kepler achou que estes dois números tinham que estar relacionados, achando que a razão para existirem apenas seis planetas era o facto de haver apenas cinco sólidos regulares, e que esses sólidos, inscritos uns nos outros, iriam especificar as distâncias dos planetas ao Sol. Pensava assim ter achado nestas formas perfeitas os suportes invisíveis das esferas dos seis planetas. Para ele, a relação dos sólidos platónicos e a disposição dos planetas só podiam admitir uma explicação: a Mão de Deus, o Geómetra [4].

Aos 25 anos, Kepler escreveu Mysterium Cosmographicum (1596), onde descreveu este seu novo e sofisticado modelo para o universo.

A órbita da Terra é a medida de todas as coisas; circunscreva-se em torno dela um dodecaedro e o círculo que contém este será o de Marte; circunscreva-se em torno do círculo de Marte um tetraedro e o círculo contendo este será o de Júpiter; circunscreva-se em torno do círculo de Júpiter um cubo e o círculo contendo este será o de Saturno. Agora inscreva-se dentro da órbita da Terra um icosaedro e o círculo contido nele será o de Vénus; inscreva-se dentro da órbita de Vénus um octaedro e o círculo contido nele será o de Mercúrio. E desta forma obtemos a razão para o número de planetas.
Mysterium Cosmographicum (1596), Kepler

Mas por mais cálculos que fizesse, os sólidos platónicos e as órbitas planetárias não concordavam completamente. Kepler acreditou então que as observações que possuia deviam estar erradas.

Tycho Brahe, o matemático imperial da corte do imperador Rudolfo II, tinha em seu poder as observações planetárias mais exactas da época. Por coincidência, Brahe escreveu a Kepler por essa altura, a convidá-lo para se encontrarem em Praga. Kepler acabou por aceitar e partiu para Praga em 1598. Brahe acabou por morrer subitamente em 1601, e Kepler foi então reconhecido como o matemático imperial da corte. A partir desse momento, Kepler teve acesso absoluto às observações planetárias de Brahe. Mas os novos dados também não apoiaram a sua conjectura segundo a qual as órbitas dos planetas estão circunscritas pelos cinco sólidos platónicos.