Reservamos este último texto para falar um pouco mais em detalhe de alguns astrónomos portugueses que marcaram a vida científica nacional. Ao contrário do habitual, o desfile de aspectos biográficos, optamos por evocar três astrónomos através de um acontecimento científico que nos permitimos identificar como relevante.
José Monteiro da Rocha (1734-1819) ficou famoso pela sua contribuição para a Reforma da Universidade de Coimbra e em particular pela criação do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra, tal como referimos no texto anterior.
Da sua vasta obra gostaríamos de destacar o seu trabalho para o cálculo das órbitas de cometas. O Professor Duarte Leite da Universidade do Porto apresentou em 1915, no volume 10 dos Anais Científicos da Academia Politécnica do Porto, um curto artigo onde argumenta que o trabalho de Monteiro da Rocha sobre as órbitas parabólicas de cometas terá sido o primeiro método para a determinação dos elementos órbitais destes astros.
A publicação da comunicação de Monteiro da Rocha, escrita em português, só aparece, no entanto, em 1799 no segundo tomo das Memórias da Academia de Ciências de Lisboa (pag. 402-479). Estes factos terão contribuído decisivamente para que, tal como Duarte Leite afirma, o trabalho de Monteiro da Rocha tenha passado completamente desapercebido. Assim a História da Ciência atribui a W. Olbers (1758-1840) a descoberta do primeiro método para a determinação dos parâmetros orbitais de um cometa, na obra "Ueber die leichteste und bequemste Methode die Bahn eines Cometen zu berechnen"* em 1787, portanto cinco anos depois da comunicação de Monteiro da Rocha.
O problema das órbitas de cometas era de tal forma importante no fim do séc. XVIII que a Academia de Berlim decidiu, em 1774, atribuir um prémio para "Que se dessem fórmulas gerais, e rigorosas, para determinar a órbita parabólica de um Cometa". Sem vencedor o prémio duplicado foi de novo anunciado no ano de 1778. Monteiro da Rocha diz na sua comunicação não saber se houve, entretanto, vencedores. Mas justifica o seu estudo com o facto de ser "(...) sempre conveniente haver diferentes métodos para resolver a mesma questão (...)".
Por estas razões F. Gomes Teixeira afirma que "Os nomes de Monteiro da Rocha e de Olbers devem pois figurar juntos na história da Astronomia (...)" (1934, Revista da Faculdade de Ciências, Universidade de Coimbra, p. 192)
Curiosidade é ainda o facto do referido trabalho de Monteiro da Rocha ser, segundo palavras do autor, a primeira parte de um tratado mais vasto sobre os cometas, sendo que a segunda parte se ocuparia das órbitas elípticas "todas as vezes que um Cometa no tempo da sua aparição se desviar sensivelmente de uma órbita parabólica". Monteiro da Rocha remete a publicação para mais tarde. Duarte Leite afirma, no já citado artigo, que tentou em vão encontrar essa eventual publicação.
Francisco Miranda da Costa Lobo (1864-1945) fica indelevelmente na história da Astrofísica nacional por ter introduzido em Portugal o estudo regular da Física Solar. Destacaremos assim a sua faceta de astrofísico.
A história é contada pelo próprio Costa Lobo na comunicação "A Astronomia em Portugal na actualidade", discurso inaugural do congresso da Associação Espanhola para o progresso das ciências, em 1926. No final da década de 90 do séc. XIX o famoso astrónomo francês Delambres instala no Observatório de Paris-Meudon o espectroheliógrafo, aparelho que permite a obtenção de imagens das manchas e protuberâncias solares. Aparelhos semelhantes são instalados igualmente um pouco por toda a Europa e Estados Unidos. O estudo do Sol, em particular das camadas exteriores, está então na moda. Assim, Costa Lobo conta que 1907 visita os principais observatórios da Europa com "o propósito de conseguir para o Observatório Astronómico de Coimbra uma instalação para o estudo do Sol" de um espectroheliógrafo. Muitas foram as barreiras que Costa Lobo teve que transpor, contando no entanto sempre com a colaboração de Deslambre, que ofereceu peças para o aparelho, e d'Azambuja, astrónomo francês descendente de portugueses, que participou na instalação definitiva do espectroheliógrafo em 1925. Em Julho desse ano a II Assembleia Geral da União Astronómica Internacional, em Cambridge, regista que "Coimbra, Portugal, has installed a spectroheliograph and plans to add direct photography and spectroscopic work" (1925, Transactions IAU). Ainda na mesma ocasião se afirma que "Prof. Da Costa Lobo exhibited a cinematographic film of the solar eclipse of April 17th, 1912, showing the variation in the luminous intensity of Baily's beads".
Mas Costa Lobo não se limita à promoção da componente técnica. Numa comunicação proferida na Assembleia do IAU de 1932, em Cambridge, Costa Loba, tendo como base as observações de Coimbra, refuta a teoria em voga na altura de que as manchas solares eram traços da queda de asteróides no Sol, relacionando-as convincentemente com as regiões faculares.
Curiosa é ainda a referência que Costa Lobo faz à colaboração entre os Observatórios de Coimbra e Meudon: "Também tem este Observatório continuado a fornecer uma importante contribuição para as imagens sinópticas publicadas pelo Observatório de Meudon, a qual se tem elevado a mais de 80 imagens por ano" (1933, Revista da Faculdade de Ciências, Universidade de Coimbra, p. 125). Tradição de colaboração que chega aos dias de hoje.
Frederico Oom (1864-1930), filho de Frederico Augusto Oom - grande impulsionador do Observatório da Tapada -, foi um caso curioso de divulgação do trabalho no Observatório da Tapada, do qual assumiu a direcção em 1919. Num tempo em que publicar não significa o mesmo que hoje, na Astronomia do início do séc. destacam-se as publicações da F. Oom nas revistas The Observatory e o Astronomichen Nachrichten, duas das mais conceituadas revistas de Astronomia de então. No The Observatory, podemos destacar a sua contribuição na problemática da eventual mudança de côr da estrela Sirius desde o tempo de César Augusto até ao presente: no volume 25 estão publicados três artigos de autores diferentes com o mesmo título "The alleged change of colour in Sirius" e um deles pertence a F. Oom.
Nos seus trabalhos há ainda a destacar as observações de Marte, em 1895, que consagraram internacionalmente o Observatório da Tapada e as Observações de eclipses da Lua em 1904.
F. Oom foi ainda um divulgador da ciência, onde se podem destacar as suas contribuições semanais no Diário de Notícias com a rubrica "Semana Astronómica".
Três nomes e três aspectos da Astronomia que se inter-relacionam: a teoria, a observação e a difusão de resultados. Mas a Astronomia portuguesa está cheia de nomes grandes que merecem ser evocados. Para além dos nomes já citados ao longo destes quatro textos podemos ainda referir R. de Sousa Pinto, J. de Morais Pereira, M. Damoiseau de Monfort, M. Valente do Couto, etc, etc. Outras oportunidades haverá para os desenvolver.
* Tradução livre: "Sobre um método mais fácil e agradável para determinar a órbita de um cometa"
|