Círculo Meridiano. Crédito:OAL
A criação do Observatório Astronómico de Lisboa, vulgo Observatório da Tapada, dá-se num contexto científico muito interessante relacionado com a determinação da distância às estrelas, assunto extremamente caro aos astrónomos. Um relato pode ser encontrado no artigo de António Perestrello Botelheiro "O Observatório da Tapada", publicado 1961 com o intuito de assinalar o primeiro centenário da sua criação. Aqui resumiremos alguns dos aspectos mais relevantes complementados com informação de outras fontes.

Tudo se passa a propósito da estrela HD 103095 (a nº 1830 do catálogo de Groombrigde), pertencente à constelação da Ursa Maior, em que a distância determinada por diferentes observadores variava entre 0.4 parsec e 36 parsec*. Isto mesmo pode ser constatado num artigo publicado por M. Otto von Struve em 1850.

Otto van Struve, filho de William Struve - Director do Observatório de Pulkovo -, era um dos interessados nesta controvérsia e responsável pela medição do valor da mais elevado distância.

Um dos outros interessados o astrónomo M. Faye, membro da Academia de Ciências de Paris e autor do valor mais curto para a distância, propôs a 11 de Fevereiro de 1850 que a estrela fosse observada em Lisboa "o único local em todo o continente europeu em que a luneta zenital [inventada pelo próprio M. Faye] pode encontrar a maravilhosa estrela (...)". De facto a referida estrela, no seu movimento aparente fruto da rotação da Terra, passava próximo do Zénite de Lisboa **. Este proposta foi apresentada à Câmara dos Pares por D. Francisco de Almeida Portugal, diplomata e 2º Conde do Lavradio, em 26 de Março de 1850 segundo o qual "seria vergonhoso que elas [as observações] não fossem feitas por astrónomos portugueses, quanto mais que se tal acontecesse podia dar-se como certo que haviam de vir a Lisboa astrónomos de todos os países, franceses, ingleses e russos."

Na altura o Real Observatório da Marinha, criado a 18 de Março de 1798, seria potencialmente a instituição incumbida de realizar essas observações. No entanto com a partida de D. João VI para o Brasil, em 1807, os melhores instrumentos acompanharam família real e o Observatório da Marinha iniciou um período de decadência. Para além disso, o posicionamento do Observatório, quase ao nível das águas do Tejo, não podia garantir as observações de qualidade necessária. Assim parecia óbvia a necessidade da construção de um novo Observatório.

Depois de vários procedimentos, entre eles a constituição de várias comissões e discussão sobre o melhor local, cujos detalhes podem consultados no artigo de A. P. Botelheiro já citado, foi lançada a primeira pedra de um novo Observatório a 11 de Março de 1861. As obras estenderam-se por vários anos com a instalação sucessivas de diferentes instrumentos.

Observatório Astronómico de Lisboa. Crédito:OAL
A realidade do Observatório da Tapada deve-se a diferentes individualidades. Antes de mais ao Rei D. Pedro V que ordenou que fossem deduzidos 30 contos da sua dotação destinados ao Observatório; depois Filipe Folque, director do Observatório da Marinha, que graças à sua tenacidade no acompanhamento do processo trouxe o saber necessário, ele que segundo Botelheiro "estava bem a par do estado de completo esquecimento a que se encontrava em Portugal o estudo das práticas superiores de Astronomia"; também William Struve tem um papel decisivo ao oferecer-se amavelmente para, não só dar ao Governo português todas as indicações necessárias (desde a planta do edifício ao equipamento) como também formar e ensinar o futuro director do Observatório; ainda F. A. Oom e M. Campos Rodrigues que, com as suas observações, deram a expressão prática aos primeiros anos do Observatório. F. Oom foi o primeiro Director do Observatório de Lisboa tendo, efectivamente realizado um estágio no Observatório de Pulkovo entre 1859 e 1863, e a ele se deve "(...) la gloire de avoir crée de toutes pièces l'établissement quant a son existence scientifique, dans son installation technique, ses méthodes de travail, l'ecole de son personnel, la sauvegarde de ses interés futurs, et son droit de cité parmi les autres Observatoires de premier ordre" (Rudolfo Gumarães, 1909). M. Campos Rodrigues que foi o Director que sucedeu a F. Oom e teve uma responsabilidade de dar um impulso decisivo ao Observatório, facto que lhe valeu em Dezembro de 1904 o prémio Valz da Academia de Ciências de Paris.

São enúmeros os trabalhos emanados do Observatório Astronómico de Lisboa no final do séc. XIX inícios do séc XX, e alguns deles publicados nas revistas da especialidade como o Monthly Notices of the Royal Astronomy Society e no The Observatory. A sua qualidade era então olhada com respeito. Rudolfo Guimarães (1909) cita uma carta de M. Turner, Director do Observatório da Universidade de Oxford, a Campos Rodrigues, datada de 21 de Julho de 1904, onde o primeiro se refere ao trabalho do segundo como sendo "(...) some of the best work ever done".

Criação do Observatório Astronómico de Lisboa fica indubitavelmente ligado a um período de franco desenvolvimento científico cuja amplitude é proporcional às dificuldades que houve que suplantar para o seu estabelecimento. Folque, Oom e Campos Rodrigues merecem assim figurar na montra dos nomes grandes da Ciência deste País.



* O satélite HIPPARCOS da Agência Espacial Europeia, que determinou as distâncias a milhões de estrelas entre 1989 e 1993, encontrou 9 parsec para esta estrela.
** Procuramos, mas sem exito, traços da (eventual) observação da estrela Groombrigde 1830 feitos em Lisboa. Será que alguma vez chegou a ser feita ?