"As vantagens, que resultam de se cultivar eficazmente a Astronomia, como todas as mais partes da Matemática, de que ela depende, são de tão grande ponderação, e de consequências tão importantes ao adiantamento geral dos conhecimentos humanos; e à perfeição particular da Geografia, e da navegação; que tem merecido em toda a parte atenção dos Soberanos, fazendo edificar Observatórios magníficos destinados ao progresso da Astronomia, como Ciência necessária para se conseguir o conhecimento Globo terrestre; e se terem nas mãos as chaves do Universo.
Atendendo ao referido: Mando, que na Universidade se estabeleça um Observatório; assim para que os Estudantes possam nele tomar Lições de Astronomia Prática; como também para que os Professores trabalhem com assiduidade em fazer todas as Observações, que são necessárias para se fixarem as Longitudes Geográficas; e rectificarem os Elementos fundamentais da mesma Astronomia (...)". Assim se pode ler nos Estatutos da Universidade de Coimbra de 1772 as razões e linhas de orientação para a criação do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra: um estabelecimento de ensino e de investigação !
A criação do Observatório Astronómico inseriu-se num projecto mais vasto, durante o reinado de D. José I, que ficou conhecido por Reforma da Universidade de Coimbra ou Reforma Pombalina, dado a indelével marca deixada neste processo pelo Marquês de Pombal.
O processo de edificação do Observatório, tanto físico como científico, sofreu algumas vicissitudes, que só no fim do séc. XVIII são ultrapassadas. O projecto inicial, uma majestoso edifício, foi abandonado em Setembro de 1775, provavelmente, devido ao previsível exagerado custo. Em definitivo começou a ser erigido, em 1790, um edifício no Pátio da Universidade "mais singelo mas de elegante construção." (1872, Castro Freire - Imprensa da Universidade de Coimbra).
As obras terminaram em 1799 e numa carta do Príncipe Regente D. João VI (1767-1826) ao Reitor da Universidade de 4 de Dezembro do mesmo ano é ractificada a vocação do Observatório Astronómico "(...) o Estabelecimento do Observatório dessa Universidade e atendendo a que ele não somente deve servir para demonstrações práticas da Astronomia, mas também para se trabalhar assiduamente nas observações mais apuradas, e exactas (...)". Permitimo-nos destacar aqui a insistência na palavra "assiduidade" que terá enorme repercussão no tipo de trabalho desenvolvido pelo Observatório Astronómico. Estamos a referir, por exemplo, à publicação de efemérides astronómicas iniciadas em 1802.
Esta obra e as edições seguintes tiveram um impacto considerável na Astronomia da época. Vários foram os astrónomos de renome como Barão de von Zach ou o francês Delambre que se referiram às efemérides de Coimbra com elogio. Na realidade tal como Rudolfo Guimarães afirma, as efemérides de Coimbra estavam longe de ser uma cópia de almanaques estrangeiros (1909 - Imprensa da Universidade de Coimbra). Nos seus primeiros anos as Efemérides de Coimbra foram uma constante fonte de novidades científicas: determinação de eclipses (volumes para os anos 1804 e 1807); posições de Marte (1804); determinação da longitude geográfica (1804 e 1805); métodos de interpolação (1808 e 1809); etc. A publicação das Efemérides do Observatório Astronómico manteve-se, quase ininterruptamente, até aos dias de hoje.
Neste processo de estabelecimento do Observatório Astronómico como instituição científica há uma figura que se destaca: José Monteiro da Rocha, que foi o seu primeiro Director. No nosso último artigo incluiremos algumas notas sobre a personagem de Monteiro da Rocha. No entanto é incontornável referi-lo nesta oportunidade já que uma parte importante da sua vida científica se confunde com os primeiros anos do Observatório. Desde já, Monteiro da Rocha participou de forma activa na Reforma da Universidade em particular no que concerne as Faculdades de Matemática e Filosofia. Foi ainda o grande impulsionador da publicação das Efemérides, incluindo trabalhos seus nos primeiros volumes. Francisco Costa Lobo, um marco da Astronomia nacional do séc. XX, não hesita apelidar Monteiro da Rocha como um astro de primeira grandeza.
Importa agora referir alguns aspectos mais organizativos e técnicos dos primeiros tempos do Observatório de Coimbra. Foi criado um quadro composto por um Director, que tinha que ser um lente jubilado, dois astrónomos (sendo o primeiro o lente da cadeira de Astronomia), quatro ajudantes, um guarda, um praticante de guarda e um porteiro.
Este quadro de pessoal traduz a natural ligação do Observatório ao ensino prático da Astronomia. A Reforma da Universidade instituíra uma cadeira de Astronomia no quarto ano do curso da Faculdade de Matemática, do qual foi primeiro professor Miguel António Ciera, engenheiro italiano que veio para Portugal a meados do séc. XVIII com o objectivo de ajudar à demarcação geográfica. O programa da cadeira de Astronomia traduzia a real vontade de colocar o ensino português em consonância com o que se fazia de melhor na época. O professor deveria ensinar os movimentos dos planetas de acordo com a teoria de Newton tendo o Sol como centro:
No que concerne o equipamento o Observatório Astronómico recebeu uma parte importante do espólio do Real Colégio dos Nobres, em Lisboa, fruto da abolição dos estudos matemáticos nessa instituição em 1772.
Mas as exigências de observações precisas necessitavam de equipamento suplementar. Sobre a direcção de Monteiro da Rocha podemos encontrar "(...) dois bons quartos de círculo de Adams, pendulas de Magalhães e Carnshaw, (...) um quadrante de Troughton, o óculo de passagens de Dollond, e a bela pendula de Berthoud, instrumentos mais perfeitos com os quais se começaram as observações de alturas e passagens meridianas." (1872, Castro Freire - Imprensa da Universidade de Coimbra).
É inquestionável o valor da criação do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra para evolução do estudo da Astronomia em Portugal. Foi o primeiro grande Observatório nacional e traduziu a vontade da época em aliar o conhecimento teórico ao prático com reais vantagens para a Ciência portuguesa.
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