Assim acontece com várias galáxias espalhadas pelo Universo, que acabam por se juntar a estas "famílias" e abandonar o seu estatuto de galáxias "isoladas". Como consequência, e por meio de variadas interacções com o enxame, a galáxia recentemente chegada sofre, inevitavelmente, algumas transformações estruturais.
Foi o que se passou com M99: reparem como tem o seu núcleo ligeiramente deslocado "para cima" na imagem. Sabe-se que esta galáxia se move através do enxame com uma velocidade de 1200 km/s (ou 4 320 000 km/h): um valor estonteante para os nossos hábitos mas normal em termos de objectos extragalácticos. Para comparação, basta lembrar que o Sol se move a cerca de 227 km/s (ou 828 000 km/h) em torno do centro da nossa galáxia, a Via Láctea: uma espiral de certo modo semelhante a M99.
Mas M99 tem pouco motivo de queixa: a sua vizinha, M98, terá sofrido bem mais com estes encontros: repare-se como, vista de perfil, se adivinha uma forte distorção do disco e bastantes irregularidades na estrutura espiral.
Para além destes "revezes", muitas destas galáxias que "caem" para dentro dos enxames ficam "anémicas": o seu gás é literalmente "varrido" pelo gás do enxame. Ficando mais pobres em conteúdo gasoso, estas galáxias formam menos estrelas e tornar-se-ão mais ténues do que se vivessem isoladas. Este destino tiveram várias galáxias que se encontram hoje bem aninhadas nos enxames como, por exemplo, a galáxia NGC4522.
Como as imagens que aqui se mostram são no óptico, não é notória a diferença relativamente a uma galáxia que não tenha sofrido este tipo de interacção com o meio denso de um enxame. É apenas quando os astrónomos observam na banda do rádio e medem o fluxo da radiação que o gás galáctico emite nesses comprimentos de onda, que se apercebem da deficiência deste ao compararem com o conteúdo gasoso de uma galáxia normal do mesmo tipo mas que não é membro de um enxame.
A maior parte das galáxias dos enxames tem órbitas radiais ou circulares com tendência a espiralar para o centro do enxame. Para tal contribuem, essencialmente, dois factores.
Primeiro, a maior profundidade do poço de potencial nessa zona: a densidade da matéria (galáxias, gás intergaláctico e matéria escura) é maior aí, exercendo portanto uma poderosa atracção gravitacional. Assim, as galáxias têm tendência a dirigir-se para o centro do enxame, tal qual como uma bola abandonada no bordo de uma tigela acaba, irremediavelmente, por cair para o fundo desta.
Para alem disso, há a considerar uma espécie de "atrito" que se desenvolve no interior dos enxames e que trava o movimento das galáxias que se estão a mover para as regiões centrais. Para percebermos o mecanismo aqui em jogo, imaginemos uma galáxia numa órbita radial. Ao longo do seu movimento, ela vai atraindo as galáxias mais próximas com que se vai cruzando, continuando no entanto sempre a avançar. O resultado é uma tendência para se acumular um maior número de galáxias no seu rasto. Este acréscimo de massa que se constitui "nas costas" da galáxia em movimento puxa-a, por sua vez, para trás, tornando-a mais lenta.
Ao terem a sua velocidade diminuída pela fricção dinâmica, mais difícil se torna às galáxias de escapar à significativa atracção gravitacional exercida pela região central do enxame. De maneira ilustrativa, e voltando ao nosso exemplo anterior, é análogo a pensar que se não houvesse atrito entre a bola que cai do bordo da tigela e as paredes da tigela, a bola manteria sempre uma velocidade suficiente que lhe permitiria nunca parar no fundo da tigela: faria um vaivém contínuo.
Assim, várias "congéneres" de M99 (ou mesmo a própria, se esperarmos vários milhões de anos) já terão terminado ou terminarão a sua viagem até à zona central do enxame. Nessas regiões, a menor velocidade que já possuem e a maior proximidade de outras galáxias (no centro a densidade aumenta) levam a que os encontros entre galáxias deixem de ser meras passagens próximas que afectam a morfologia das galáxias que se cruzam para se "converterem" em verdadeiras colisões frontais em câmara lenta que acabam na fusão das galáxias numa só.
Na verdade, as dimensões e outras propriedades físicas de M87, a monstruosa galáxia elíptica central do enxame da Virgem, levam a crer que esta é o resultado de repetidas fusões de galáxias.
Este é, alias, um método a que muitas vezes se recorre em Astrofísica: dado que as escalas de tempo envolvidas são extremamente longas quando comparadas com o tempo de vida da Humanidade, a única coisa que podemos fazer é observar diferentes galáxias em diferentes fases de fusão e, a partir dessas observações e recorrendo aos conhecimentos da Física que regem a Natureza e que os cientistas vão desvendando, reconstituir o processo.
Apesar de nem todas as galáxias que hoje existem serem o resultado de fusões entre galáxias de menores dimensões, este processo contribuiu fortemente para a formação de uma percentagem considerável destes objectos. Ou seja, se há galáxias elípticas que, tal como M87, "canibalizaram" outras, muitas elípticas (ditas normais) são resultado de uma galáxia única que se formou há muito tempo atrás e evoluiu pacificamente ao longo da sua vida. Esta era, alias, a ideia preponderante sobre a formação das galáxias até há poucos anos atrás, quando novos dados observacionais levaram os astrónomos a desenvolver a ideia da fusão que, longe de destronar a original, surgiu como um processo alternativo.
Nos cortes que mostram detalhes da imagem, vêem-se algumas das galáxias membros deste enxame que apresentam estranhas formas, bem diferentes das belas espirais ou elípticas de estrutura bem delineada que mostramos para o enxame da Virgem. Estas galáxias ainda estão no processo de se formarem e algumas mostram mesmo núcleos múltiplos, prova incontestável de fusão em curso.
Do ponto de vista de M99, a aventura terá começado há alguns milhões de anos atrás e, provavelmente, estão longe de se terminarem as suas peripécias!
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